O Mandado de Segurança na Legislação Brasileira

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas30-58

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1. As primeiras sugestões

Ao elaborar o projeto de revisão constitucional — publicado, posteriormente, de forma apendicular ao seu escrito sobre “A Organização Nacional”, em 1914 — Alberto Torres encontrou oportunidade para sugerir a instituição de uma providência jurisdicional, distinta do habeas corpus e dos interditos possessórios, destinada a fazer respeitar, de maneira preventiva, os direitos individuais, públicos ou privados, ameaçados por ato de particular ou do próprio Poder Público, a ser deferida quando nenhum outro instrumento especial fosse apto para esse fim. A denominação mandado de garantia, que atribuiu à referida medida, tomou-a por empréstimo a Meio Freire, que a utilizara quando da feitura do seu Projeto de Código Criminal português.

Essa novidade processual, alvitrada por Alberto Torres, vinha regulada no art. 73 do projeto por ele feito, verbis:

“É criado o mandado de garantia, destinado a fazer consagrar, respeitar, manter ou restaurar, preventivamente, os direitos individuais, públicos ou privados, lesados por ato do poder público, ou de particulares, para os quais não haja outro remédio especial.”

Mais tarde, no Congresso Jurídico realizado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros em 1922, para comemorar o Centenário da Independência, o Ministro Muniz Barreto, da Suprema Corte, sugeriu que fosse criado, em nosso sistema de direito positivo, um instituto análogo ao recurso de amparo, existente no México, que teria a função de proteger direitos não tutelados pelo habeas corpus. Após argumentar que:

“O incremento da vida judiciária e a necessidade de solução rápida de certas situações de anormalidade, apreciáveis de plano pelos tribunais e incabíveis no remédio do habeas corpus, exigem a criação de um instituto processual capaz de reintegrar o direito violado”, ele procurou persuadir a todos quanto à necessidade de introduzir-se em nosso meio jurídico um instrumento semelhante ao juicio de amparo mexicano, dotando-o, todavia, de um procedimento mais célere e que compreendesse não só o agravo ao direito que proviesse de autoridade pública, como o que derivasse de ato privado.

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No que tocava ao procedimento, em particular, propôs:

“Exposto o fato na petição, provado com documentos que façam prova absoluta e citada a lei que se diz violada com esse fato, o juiz mandará que o indiciado ofensor responda em prazo breve, instruindo a resposta com os instrumentos que tiver. Tal como se fosse um processo de habeas corpus, o juiz julgará sem demora a causa. Se verificar que o fato alegado não é certo e líquido ou não está provado, mandará que o requerente recorra aos juízos comuns.”

2. A reforma constitucional de 1926

Quando da reforma Constitucional Federal de 1891, empreendida em 1926, Herculano de Freitas, Relator-Geral, pôde lançar oportuna advertência no sentido de que:

“Se as nossas leis processuais se acham desprovidas de meios rápidos e eficazes para reparar a ofensa a respeitáveis direitos, é o caso de se criarem e regularem esses remédios jurídicos, sem desvirtuar o habeas corpus.

À luz dessa orientação, inúmeros Projetos de Lei foram apresentados à Câmara dos Deputados, como, p. ex., os de Gudesteu Pires (“mandado de proteção e de restauração”), em 1926; Afrânio de Meio Franco (“mandado de reintegração, de manutenção, ou proibitório”), em 1927; Matos Peixoto (“ação de manutenção”), em 1927; Odilon Braga (“ordem de garantia”); Bernardes Sobrinho (“mandado proibitório”); Clodomir Cardoso (“mandado de reintegração, de manutenção ou proibitório”) e de Sérgio Loreto (“mandado assecuratório ou recuperatório”).

Dentre esses projetos, o de maior destaque foi o elaborado por Gudesteu Pires, Deputado por Minas Gerais. Estatuía o art. 1.º, caput, desse projeto (que recebeu o n. 148):

“Todo direito pessoal, líquido e certo, fundado na Constituição ou em lei federal, e que não tenha como condição de exercício a liberdade de locomoção, será protegido contra quaisquer atos lesivos de autoridades administrativas da União, mediante o processo dos artigos seguintes.”6

Dispunha esse Projeto que quando se tratasse de simples ameaça, a autoridade administrativa seria citada, preliminarmente, para uma justificação, quando o impetrante deveria comprovar a “iminência do fato alegado”, sempre que esta não se encontrasse patente no documento emanado da autoridade coatora (art. 2.º). Sendo iminente o ato lesivo de direito, ou já consumada a lesão, a autoridade ofensora seria citada para comparecer ao juízo competente, no prazo improrrogável de 48 horas, que passaria a fluir da apresentação, em cartório, da certidão da citação (art. 3.º).

No ano seguinte (1927), Afrânio de Meio Franco apresentou substitutivo ao projeto de Gudesteu Pires, no qual, após reconhecer que aquele Projeto

“teve como objetivo procurar para os direitos pessoais um sistema pronto e eficaz de garantia como o que já protege, na legislação em vigor, a posse das coisas corpóreas e a quase-posse dos direitos reais”,

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concluiu que para atender aos fins visados pelo trabalho de Gudesteu Pires seria bastante estender aos direitos pessoais os mesmos meios de proteção “que se têm mostrado suficientes à defesa dos direitos reais”.

Coerente com esse ponto de vista, Melo Franco deu a seguinte redação ao art. 12 do seu substitutivo:

“Todo aquele que for ilegalmente privado do exercício de um direito pessoal, turbado no mesmo exercício, ou sob ameaça de o ser, por ato ou decisão de uma autoridade administrativa, poderá requerer à justiça um mandado de reintegração, de manutenção ou proibitório.”7

Lamentavelmente, contudo, nenhum dos diversos projetos apresentados se converteu em lei, a despeito dos proveitosos debates parlamentares que sobre eles se estabeleceram, pois a Revolução de 1930 fez cessar os trabalhos legislativos. Tais ideias e debates, entretanto, não foram em vão, porquanto iriam exercer larga influência no pensamento futuro, acerca do assunto, conforme veremos.

3. A Constituição de 1934

João Mangabeira, integrante da Comissão do Anteprojeto constitucional — denominada Comissão Itamarati — propôs a instituição de um remédio judicial protectivo de direito incontestável, ameaçado ou violado por ato ilegal da administração, fazendo-o nestes termos:

“Toda pessoa que tiver um direito incontestável, ameaçado ou violado por um ato manifestamente ilegal do Poder Executivo, poderá requerer ao Poder Judiciário que o ampare com um mandado de segurança. O juiz, recebendo o pedido, resolverá dentro de setenta e duas horas, depois de ouvida a autoridade coatora. E se considerar o remédio legal expedirá o mandado, ou proibindo esta de praticar o ato, ou ordenando-lhe restabelecer integralmente a situação anterior, até que a respeito resolva definitivamente o Poder Judiciário.”

Parece caber a João Mangabeira o mérito, a precedência, no uso da expressão mandado de segurança; se, efetivamente, foi criação sua é algo de que se pode duvidar. O que de verdadeiro se sabe é que sobredita expressão constou do Diário Oficial da União, de 4 de fevereiro de 1934, na p. 2.246, que fazia referência à sessão da Comissão Itamarati realizada em 27 de janeiro daquele ano.

Semelhante à proposta de João Mangabeira foi a de Themístocles Brandão Cavalcanti, para quem, entretanto, a lei deveria estabelecer processo especial, de rito sumariíssimo, com a finalidade de amparar o direito violado ou ameaçado de lesão, no prazo de cinco dias, contados do pedido inicial e depois de ouvida a autoridade coatora.

Com pequenas nuanças de literalidade, a redação do texto final do Anteprojeto revelava que as sugestões formuladas por João Mangabeira e Themístocles B. Cavalcanti haviam sido aceitas, conquanto a elas se houvesse acrescentado a advertência de que o mandado de segurança não seria deferido se o requerente tivesse, há mais de trinta dias, conhecimento do ato ilegal, ou se a questão fosse sobre impostos, taxas ou multas fiscais.

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Quando da primeira discussão do aludido Anteprojeto, diversas emendas foram apresentadas, sendo relevante observar que a maioria delas fazia menção a direito certo e incontestável, ou a direito incontestável, como objeto do mandado de segurança. No substitutivo oferecido, aliás, não se cogitava de um direito certo, líquido e incontestável, assim como se subordinava a ação de segurança ao processo do habeas corpus. Após longas e acaloradas discussões, acabou prevalecendo o substitutivo, embora dele se escoimassem certos exageros e superfluidades.

Na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada a 16 de julho de 1934, o mandado de segurança vinha regulado no art. 113, n. 33, assim redigido:

“Dar-se-á mandado de segurança para a defesa de direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes.”

É interessante anotar que quando essa Constituição entrou a viger inexistia lei ordinária disciplinadora do mandado de segurança, que, apesar disso, passou a ser impetrado em juízo em decorrência...

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