Reflexões acerca do contrato social e da fundação da modernidade

AutorPaulo Jorge dos Santos Fleury
CargoDoutorando em Direito (área de concentração: Justiça e Sociedade) pela Universidade Gama Filho; Professor de História do Direito do Curso Jurídico da Universidade Estácio de Sá; Professor de Teoria Geral do Estado do Curso Jurídico da ABEU
Páginas279-284

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A consolidação da hegemonia do sistema liberal-democrático, sob a égide de um modelo de regulação/acumulação sócio-produtiva flexível, que se seguiu à derrocada do socialismo real (seja lá o que realmente isto possa ter significado algum dia) tem colocado em questão alguns dos pressupostos fundamentais dos padrões que nortearam a "construção" da sociabilidade moderna1 em termos políticos, econômicos e culturais e que se encontram inscritos na lógica do contrato social entendido como "a expressão de uma tensão dialética entre regulação social e emancipação social que se reproduz pela polarização constante entre a vontade individual e a vontade geral, entre o interesse particular e o bem comum." (Santos, 1999, p.33)

Assim, o contrato social se apresenta como a grande narrativa de inauguração da Modernidade, podendo ser apreendido como momento significativo do processo de dessacralização do mundo operado pelo homem ocidental, processo este que teria se iniciado, na Grécia Antiga, com a laicização da palavra e da memória doPage 280 aedo, preparando o caminho não apenas para a palavra do sofista e do filósofo, mas, sobretudo, para a passagem do mundo mágicoreligioso para o mundo jurídico-institucional.

O contrato social representa, portanto, a grande metáfora que viria a plasmar a racionalidade sócio-jurídico-política do Ocidente Moderno, da mesma forma que o surgimento da filosofia, a palavra do sofista2 e a instituição da democracia teriam marcado a constituição de uma nova ordem na Grécia Clássica, menos transcendente, mais humana.

Dois momentos significativos do movimento histórico de desencantamento do mundo e da efetivação do domínio do homem sobre ele, pela via de sua institucionalização jurídico-política, plena de pretensões de previsibilidade, de calculabilidade, de utilidade. A construção de uma ordem humana desta natureza pressupõe totalidades e distanciamentos, pressupostos essenciais ao processo de constituição do objeto, do outro, e da revelação da essência das coisas. Tal ordem não pode e não deve se constituir na multiplicidade da physis, na pluralidade das ações humanas. Ela deve se configurar na lógica de princípios reguladores, de temporalidades únicas, lineares, de olhares perspectivos. Ou seja, na lógica e nos limites de uma razão esclarecida, unificadora, que domestica a natureza e a natureza humana, ao mesmo tempo em que garante a este homem a paz da convivência civil e a possibilidade do exercício de um determinado tipo de liberdade e de fraternidade. Esta seria a essência do contrato. Tanto na Grécia Antiga, como na Modernidade Ocidental.

A tragédia, no universo da Grécia...

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