Acesso à justiça: direito dos animais

AutorIngrid de Lima Barbosa, José Orlando Ribeiro Rosário
Páginas77-97
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Vol.93 N.01 - Anno CX XX
BARBOSA, Ingrid de Lima; ROSÁRIO, José Orlando Ribeiro. ACESSO À JUSTIÇA: DIREITO DOS ANIMAIS. Revista Acadêmica
da Faculdade de Direito do Recife - ISSN: 2448-2307, v. 93, n.1, p.77-97 Abr. 2021. ISSN 2448-2307. <Disponível em:
https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/article/view/249223>
77
ACESSO À JUSTIÇA: DIREITO DOS ANIMAIS
ACCESS TO JUSTICE: ANIMALS RIGHT
Ingrid de Lima Barbosa1
José Orlando Ribeiro Rosário2
RESUMO
Não podendo o Estado de Direito reconhecer direitos sem fornecer o mecanismo
necessário ao exercício e salvaguarda desses perante ele mesmo, o acesso à justiça é previsto
constitucionalmente por se revestir dos aspectos de um direito fundamental para a manutenção da
vida em sociedade. Porém, esse direito nem sempre apresentou a mesma conotação, sendo,
assim, como muitos outros, interpretado diferentemente no decorrer do tempo, agregando, com o
avançar da sociedade, novos aspectos e sujeitos-titulares. De fato, aos poucos, pessoas que não
gozavam de capacidade jurídica a adquiriram, como os negros. Atualmente, a discussão se centra
sobre a consideração moral e jurídica dos animais, o que remete ao acesso à justiça como um
direito-consequência da atribuição de direitos já previstos no ordenamento. Portanto, no presente
artigoforam analisados os critérios-chave da capacidade jurídica no Direito brasileiro, e
verificada a solidez da possibilidade do reconhecimento da capacidade jurídica dos animais, com
o instrumental metodológico dedutivo. A perspectiva extraída da pesquisa foi a de que, a partir
do tecnicismo do conceito jurídico de pessoa/sujeito de direito e de algum suporte na teoria dos
casos marginais, não há óbice concreto ao reconhecimento da capacidade de ser parte dos
animais, embora não sejam capazes de estar em juízo, devendo ser representados ou substituídos,
conforme disciplina a legislação.
Palavras-chave:Acesso à justiça. Capacidade jurídica. Animais.
ABSTRACT
As the Rule of Law can not recognize rights without providing the necessary mechanism
for exercising and safe guarding them before it self, access to justice is constitutionally provided
for as it covers aspects of a fundamental right for life in society. However, this right did not
always have the same connotation, and thus, like many others, it was interpreted differently over
1 Técnica em Controle Ambiental pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte
- IFRN (2010-2014). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN (2014-2018).
Mestranda em Constituição e Garantias de Direitos pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Norte -
UFRN (2019-). Advogada (OAB/RN 17.437).
2 Possui Graduação em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFB A (1976), Mestrado em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (1998) e Doutorado em Direito pela Faculdade Autônoma
de Direito de São Paulo - FADISP (2011). Atualmente é Professor Associado da Universid ade Federal do Rio
Grande do Norte e Chefe do Departamento de Direito Processual e Propedêutica - DEPRO desta mesma instituição.
Docente permanente no Programa de Pós-graduação em Direito, curso de Mestrado em Direito e Programa de Pós-
graduação em Gestão de Processos Institucionais, Mestrado Profissional, da UFRN. Possui experiência na área de
Direito Público, Acesso à Justiça, Teoria Geral do Processo. Coordenador da Base de Pesquisa em Proce sso e
Acesso a Justiça junto a UFRN. Presidente da Comissão de Mediação da UFRN. Magistrado apo sentado.
Recebimento em 04/01/2021
Aceito em 14/01/2021
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Vol.93 N.01 - Anno CX XX
BARBOSA, Ingrid de Lima; ROSÁRIO, José Orlando Ribeiro. ACESSO À JUSTIÇA: DIREITO DOS ANIMAIS. Revista Acadêmica
da Faculdade de Direito do Recife - ISSN: 2448-2307, v. 93, n.1, p.77-97 Abr. 2021. ISSN 2448-2307. <Disponível em:
https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/article/view/249223>
78
time, adding new aspects and right-holders. In fact, through out the evolution of society, people
who did not have the legal capacity acquired it, like black people. Currently, the discussion
focuses on the moral and legal consideration of animals, which refers to access to justice as a
consequence of the attribution of rights already provided for in the order. Therefore, in this
article, the key criteria of legal capacity in brazilian Law were analyzed, and the solidity of the
possibility of recognizing the legal capacity of animals was verified, with the deductive
methodological instruments. The perspective extracted from there search was that, based on the
technicality of the legal concept of person/subject to flaw and some support in the theory of
marginal cases, there is no concrete obstacle to there cognition of the ability to be part of
animals, although they are notable to be in court, and must be represented or replaced, according
to the legislation.
Keywords: Access to justice. Legal capacity. Animals.
1 INTRODUÇÃO
De acordo com o artigo 70 do Código de Processo Civil, toda pessoa que esteja em
exercício de seus direitos goza de capacidade para pleitear em juízo. E sobre os aspectos
jurídicos do termo pessoa na ordem civil brasileira, o artigo 1º do Código Civil explicita que toda
pessoa é titular de direitos e deveres. Em ambos os casos, “pessoa” não é um termo jurídico
relacionado exclusivamente ao gênero humano.
Para o Direito, “pessoa” é a figura jurídica capaz de estabelecer relações jurídicas a partir
de direitos e deveres outorgados pelo próprio sistema jurídico. Então, ser considerado “pessoa”
em determinado ordenamento não depende exclusivamente do sistema biológico ou da
capacidade de raciocinar autonomamente. Além dos seres humanos, são pessoas para o Direito
brasileiro as empresas e universalidades despersonificadas, que, ao fim e ao cabo, são expressões
patrimoniais.
De fato, há não muito tempo, nem os negros, nem as mulheres, eram consideradas
pessoas no termo jurídico da palavra. Assim, não tinham direitos, nem capacidade jurídica para
pleitear algo perante o Judiciário. Logo, se o parâmetro para a atribuição de capacidade de direito
e de dever fosse pautado no sistema biológico ou na capacidade de raciocinar, a situação acima
seria inexplicável, dada a impossibilidade de se provar a ausência de razão ou de sistema
biológico quanto aos negros e às mulheres.
Neste diapasão, surge um questionamento: é possível ainda sustentar que a capacidade
jurídica no Direito está calcada em pressupostos básicos e anteriores à disposição de vontade do
Estado?
Com o avançar da modernidade rumo a novos contextos sociais, esse questionamento se
tornou cada vez mais premente de solução. Afora a constituição de novos arranjos empresariais e

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT