Acesso à jurisdição dos tribunais nacionais - direito fundamental da pessoa humana

AutorTânia Mota
CargoMestre em Direito/Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Páginas363-370

Tânia Mota1

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1 Introdução

A problemática da falta de efetividade em relação ao direito de acesso à justiça apresenta-se dependente de uma ordem jurídica que reflita prioritariamente uma acepção de "bem comum" e "ordem pública" que garanta maior eficácia na busca e concretização dos direitos, o que, conseqüentemente, revela o fato de que apresentam variações no tempo e no espaço.

Ademais, nas palavras de Cappeletti e Garth (2002, p. 08), a expressão "acesso à justiça", apesar de difícil definição, contém duas finalidades precípuas do sistema jurídico, sendo uma noPage 364 sentido de que o "sistema deve ser igualmente acessível a todos", e a segunda, no sentido de que "deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos", e pode, portanto, "ser encarado como requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos".

O primeiro sentido e as garantias ao "acesso", ou o modo como garantir efetividade aos direitos pretendidos, passa necessariamente pelo estudo de princípios básicos do Estado de Direito2 , que se subdivide em vários subprincípios como o da proteção jurídica e das garantias processuais que exige, notadamente, o "princípio do devido processo legal" 3 . Dinamarco ensina que a garantia do contraditório, garantias do ingresso em juízo, do devido processo legal, do juiz natural, da igualdade entre as partes estão à serviço da efetivação do acesso à justiça.

[...] todas elas somadas visam a um único fim, que é a síntese de todas e dos propósitos integrados no direito processual constitucional: o acesso à justiça. Uma vez que o processo tem por escopo magno a pacificação com justiça, é indispensável que todo ele se estruture e seja praticado segundo essas regras voltadas a fazer dele um canal de condução à ordem jurídica justa.

Tal é o significado substancial das garantias e princípios constitucionais e legais do processo. Falar da efetividade do processo, é falar da sua aptidão, mediante a observância racional desses princípios e garantias, a pacificar segundo critérios de justiça. Em diversos itens acima examinaramse os reflexos que essas posturas ideológicas projetam sobre a técnica processual, ou seja, sobre os instintos e a disciplina que recebem, segundo as disposições da lei e a interpretação inteligente do estudioso atualizado (DINAMARCO, 2003, p. 375).

Inobstante o caráter cumulativo do processo evolutivo e a natureza complementar de todos os direitos fundamentais (em análise às dimensões), defende Sarlet a "unidade e indivisibilidade no contexto do direito interno e, de modo especial, na esfera do moderno "Direito Internacional dos Direitos Humanos" (SARLET, 2003, p. 50/51).

Rodrigues (1994, p. 19) identifica os principais problemas que impedem a real concretização do acesso à justiça, dentre os quais: desigualdade sócio-econômica; falta de informação; limitação quanto à legitimidade para agir; capacidade postulatória restrita; técnica processual prejudicial, problemas estruturais do Poder Judiciário, entre outros.

A ênfase adiante será no sentido de que o sistema deve ser acessível a todos, assim, obviamente, a jurisdição.

2 Direito de acesso à jurisdição dos tribunais nacionais

Ao Título I da Constituição brasileira, no elenco dos "Dos Princípios Fundamentais", estão contidos os fundamentos, objetivos fundamentais e os princípios que norteiam as relações internacionais4 . Ferreira Filho esclarece que "estes fundamentos a que se refere à Constituição são princípios básicos que se pretende leve sempre em conta o governo" (FERREIRA FILHO, 1990, p. 18).

A garantia do acesso à jurisdição ou à tutela efetiva está prevista no art. 5°, XXXV, da Constituição Federal, em que estabelece que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Várias convenções internacionais demonstram a internacionalização de direitos fundamentais, corroborando a prevalência de diversos princípios na defesa dos direitos humanos, na consolidação, ademais, da internacionalização do direito de acesso à justiça e influenciando a adoção de tais valores nas constituições dos Estados, tais como na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu art. VIII5 ; na Carta da ONU, em seu preâmbulo e art. 1.3 (propósitos e princípios); na Carta da OEA, em seu art. 3.; no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em seu art. 14 (ONU, 1966)6 ; na Declaração Americana de Direitos Humanos; na Convenção Americana de Direitos Humanos, no parágrafo primeiro do art. 25 (Pacto de São José da Costa Rica)7 , na Declaração de Direito Internacional Privado (Código Bustamante), art. 314 em diante, dentre outras.

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Aliás, o termo "recurso", empregado nos atos internacionais, assevera Gomes (2000, p. 192-193), deve ser entendida não apenas no seu sentido estrito de "recurso propriamente dito" (contra uma decisão já proferida), senão também no seu sentido mais amplo de meio ou instrumento jurídico adequado à defesa de um direito".

No Brasil, a referência especial aos atos internacionais, que versam sobre direitos humanos, está interligada ao mandamento do parágrafo 2º do artigo da Constituição da República Federativa do Brasil, uma vez que o rol do art. 5° contém um elenco de direitos e de garantias fundamentais. Interpretando esse último dispositivo constitucional no que tange aos tratados internacionais, Rocha sustenta que "os direitos garantidos nos tratados humanos, em que a República Federativa do Brasil é parte, recebe tratamento especial, inserindo-se no elenco dos direitos constitucionais fundamentais" (ROCHA, 1996, p. 81). Mas, é claro que se deve, ainda, abranger os direitos baseados no regime e princípios adotados pela Constituição de 1988, pois, no entendimento de Sarlet (2003, p. 97),

Com efeito, não restam dúvidas de que, sob o título de direitos decorrentes, o Constituinte reconheceu - como já frisado - expressamente a possibilidade de se deduzirem novos direitos fundamentais (no sentido de não expressa ou implicitamente previstos), com base no regime e nos princípios da Constituição. Assim, constata-se que a noção de direitos implícitos assume caráter especial em relação à amplitude dos direitos não-escritos reconhecidos pelo art. 5°, § 2°, da CF, não sendo, na verdade, apropriado o uso da expressão de maneira genérica, que, como demonstrado, é dissonante de seu real significado, de tal sorte que entendemos mais apropriada a denominação direitos não-escritos (ou não-expressos), que abrange igualmente os direitos fundamentais e decorrentes.

Além do que, Sarlet segue sua análise elucidando que não há previsão constitucional expressa quanto à forma de sua recepção, concluindo pela "necessidade inequívoca de uma adesão formal ao tratado para que possa enquadrar-se na hipótese prevista pelo art. 5°, § 2°, de nossa Carta Magna, o que, aliás, é reconhecido pela doutrina, que condiciona a recepção à ratificação do tratado" (2003, p. 133).

Por conseguinte, enfatiza Cançado Trindade que "por força do artigo 5(1) da Constituição, têm aplicação imediata. A intangibilidade dos direitos e garantias individuais é determinada pela própria Constituição Federal, que inclusive proíbe expressamente até mesmo qualquer emenda tendente a abolí-los (artigo 60 (4) (IV))" (TRINDADE in: BOUCAULT, ARAÚJO, 1999, p. 52-53).

Mas algumas limitações são impostas pelos Estados, que impedem o acesso à jurisdição dos tribunais nacionais, nas quais, a exemplo, no Brasil, pode-se referir ao tratamento desigual entre nacionais e estrangeiros e a vedação de assistência judiciária gratuita ao estrangeiro não residente no país8 .

Nos ensinamentos de Gomes (2000, p. 193):

No mencionado art. 5°, XXXV, como se vê, em primeiro lugar está a garantia do monopólio da jurisdição (exclusivamente o Poder Judiciário é que tem competência para resolver com caráter definitivo os litígios); num segundo plano aparece a garantia de invocar a tutela jurisdicional (garantia institucional da via judiciária) sempre que houver lesão ou ameaça a um direito, individual ou coletivo.

[...]

O direito de acesso à jurisdição como direito (e garantia) a uma proteção jurisdicional adequada pressupõe: "a) que o conteúdo constitucional e internacional mínimo não fique aniquilado com a inexistência de uma determinação legal da via judicial adequada; b) que essa via judicial seja definida com clareza, isto é, que não se traduza, na prática, num jogo formal sistematicamente reconduzível à existência de formalidades e pressupostos processuais cuja 'desatenção' pelos particulares implica a perda automática das causas 9.

Com isto, prática condenável trata-se do impedimento do acesso à jurisdição, quando por ato do Poder Judiciário, ante o dever de primar pelo acesso à justiça, combatendo fervorosamente contra qualquer tendência de denegação de justiça.

Deve-se lembrar que a equiparação processual entre nacionais e estrangeiros é princípio reconhecido na América Latina (VALLADÃO, 1978. p. 167).

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Araújo (2002, p. 421-423) pondera que o Direito Internacional Privado não pode ficar alheio aos novos valores sociais:

[...] a disciplina do DIPr não pode mais desconhecer ser a proteção da pessoa humana sua finalidade primeira, e ao continuar utilizando o método multilateral como forma de solucionar os conflitos de lei, seus limites devem ser informados pelos direitos humanos, em especial aqueles constitucionalmente protegidos pela ordem interna, que serão assim, os valores formadores da ordem pública.

Esse processo de publicização do DIPr, na esteira do que vem ocorrendo com o direito civil...

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