O acordo de acionistas e o poder de controle do acionista majoritário

AutorArnoldo Wald
Páginas7-15

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The best protection that can be extended a client about to enter into a corporate venture is a welldrawn agreement between shareholders designed to safeguard their interests on a mutually fair basis.

(A melhor proteção que pode ser concedida a um investidor que entra numa sociedade anónima é um acordo de acionistas bem redigido para proteger os seus interesses numa base que seja leal para todos eles.)

Alex Elson

I - A configuração do controle societário e a transferência do poder de controle
  1. A Lei das Sociedades por Ações define o acionista controlador, para o fim precípuo de atribuir-lhe deveres e respon-sabilidades próprias, diferentes das inerentes aos demais acionistas da empresa, no art. 116, vazado nos seguintes termos:

"Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:

"a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e

"b) usa efeti vãmente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

"Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e res-ponsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender."

  1. Da interpretação do dispositivo legal que traz o conceito de acionista controlador,

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    dois principais aspectos merecem destaque na análise da definição legal do mesmo. Em primeiro lugar, o controle é decorrência do exercício de fato de determinados poderes e não se confunde com a simples noção de predominância quantitativa no capital votante. Por outro lado, o controlador não é sempre uma única pessoa, havendo situações de controle exercido por grupos.

  2. Além do disposto no artigo 116, há ainda o § 29 do artigo 243, que define sociedade controlada como aquela "na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores". A noção de controle societário aí prevista é semelhante à do artigo 116.

  3. Os artigos 254 e 2551, por outro lado, tratam da transferência do controle das sociedades anónimas, preocupando-se com os procedimentos, mas sem oferecer qualquer outra definição.

  4. Com efeito, de maneira pioneira e peculiar, a legislação brasileira destacou o acionista controlador (individual ou em grupo), atribuindo-lhe esta condição sempre que faça prevalecer a sua vontade no seio da companhia. Caracterizado o acionista como controlador, o mesmo assume respon-sabilidades e obrigações especialíssimas, sendo irrelevante o modo legal através do qual este controle foi exteriorizado.

  5. Já tivemos a oportunidade de expressar opinião no sentido de que o conceito de controle deve ser entendido como um fato económico, dentro do espírito geral da legislação aplicável, não podendo prevalecer, para a incidência da norma legal, a vestimenta mais ou menos habilidosa que a empresa decidiu utilizar para a sua efetivação.2

  6. Com a edição da Lei n. 6.404/76, e em especial em razão das regras atinentes à transferência do controle de companhia aberta, foi editada, em regulamentação das normas dos arts. 254 e 255 da Lei Societária, a Resolução n. 401, de 22 de dezembro de 1976.3

  7. O mencionado diploma regulamentar contém definição de acionista controlador, adotando os mesmos critérios inseridos no artigo 116 da Lei das Sociedades Anónimas (inciso II da Resolução n. 401/ 76). Nos incisos III e IV da referida Resolução foram contempladas as diversas hipóteses de transferência do controle, majoritário e minoritário, individual e compartilhado, seguindo os parâmetros da Lei Societária.

  8. Na primeira hipótese prevista no regulamento (item II da Resolução), é enfocada a pessoa física ou jurídica que, sendo titular única do controle, transfere o poder que lhe conferem as ações votantes de sua propriedade, entendendo-se por alienação do controle de companhia aberta, para efeito do disposto no artigo 254 da Lei n. 6.404/ 76 e da Resolução n. 401: "o negócio pelo qual o acionista controlador (art. 116 da Lei n. 6.404) pessoa física ou jurídica, transfere o poder de controle da companhia mediante venda ou permuta do conjunto das ações de sua propriedade que lhe assegura, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da Assembleia Geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia".

  9. Em segundo lugar (item III), a Resolução trata da alienação do controle exer-

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    cido por grupo de pessoas vinculadas por acordo de acionistas (art. 118 da Lei n. 6.404/76) ou sob controle comum, assim considerado: "o negócio pelo qual todas as pessoas que formam o grupo controlador transferem para terceiro o poder de controle da companhia, mediante venda ou permuta ao conjunto das ações de sua propriedade que lhes assegura, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da Assembleia Geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia".

  10. Num terceiro dispositivo (item IV), a Resolução focaliza o controle minoritário, isto é, aquele que é exercido por pessoa ou grupo de pessoas que não é titular de ações suficientes para assegurar a maioria necessária para a tomada de decisões assembleares, mas que, em face da dispersão das ações votantes, exerce o controle da empresa, reputando-se acionista controlador, para os efeitos desta Resolução, "a pessoa, ou o grupo de pessoas vinculados por acordo de acionistas, ou sob controle comum, que é o titular de ações que lhe asseguram a maioria absoluta dos votos dos acionistas presentes nas três últimas Assembleias Gerais da companhia".

  11. Depreende-se das disposições regulamentares supramencionadas que os critérios utilizados buscam identificar as transferências do efetivo poder de controle da companhia, derivado de participação acio-nária majoritária ou minoritária, por uma pessoa ou um grupo de pessoas físicas ou jurídicas, aliada ou não ao expediente do acordo de acionistas ou outro pacto societário.

  12. Cumpre aduzir, ainda, como salientado na doutrina, que "sendo determinado acionista detentor, sozinho, de mais de 50% do capital votante, ele obviamente não precisa se juntar a outros, e formar um grupo, para exercer as prerrogativas do poder de controle. Investido na condição de titular da maioria absoluta do capital votante, está apto a desempenhar, com in-dependência e autoridade, a chamada 'soberania societária'. Verificada essa situação de predominância absoluta de qualquer dos sócios, o grupo de controle - se existir - é apenas uma superfetação ociosa, que não influi nem interfere na identificação do acionista controlador".4

II - O controle da sociedade e o acordo de acionistas
  1. Os acordos de acionistas configuram, hoje, em nosso sistema jurídico, modalidade de contrato nominado, objeto de disciplina específica na Lei das Sociedades por Ações (art. 118), aplicando-se-lhes, subsidiariamente, as normas reguladoras dos contratos de direito privado e as regras do Código Comercial5

  2. A Exposição de Motivos do ante-projeto da Lei das Sociedades por Ações justifica a regulação da matéria, assinalando que teve por escopo oferecer uma alternativa à holding e ao acordo oculto irresponsável.6

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  3. À luz do regramento societário, os acordos de acionistas podem ser concebidos como contratos parassociais, impondo a lei a sua observância e respeito, pela companhia, desde que arquivados em sua sede e averbados nos livros de registro e nos certificados de ações (art. 118, caput e §19), providência esta que, mesmo anteriormente a este preceito, costumava ser tomada pelos convenentes, para maior eficácia do acordo,

  4. Qualquer que seja a sua vincula-ção externa, a doutrina e a jurisprudência entendem que o acordo entre acionistas é um contrato plurilateral e parassocial7 que pode abranger as matérias de que trata o art. 118 da Lei das Sociedades Anónimas, mas também outras, vinculando juridicamente os acionistas e admitindo execução específica. Como um contrato de natureza privada, subordina-se aos princípios e preceitos do direito civil e do direito comercial.

  5. Egberto Lacerda Teixeira e Tavares Guerreiro salientam, nesse sentido, que: "... os acordos de acionistas geram direitos e obrigações reguladas substancialmente pelo direito comum e não pelo direito das sociedades, muito embora seus efeitos jurídicos digam respeito à participação acio-nária em...

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