Administração pública, lei inconstitucional e diálogos institucionais

AutorAndré Cyrino
Ocupação do AutorProfessor Adjunto de Direito Administrativo da UERJ - Mestre e Doutor pela UERJ - LL.M. pela Yale Law School (EUA) - Procurador do Estado do Rio de Janeiro e advogado
Páginas77-99
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Capítulo 3
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, LEI
INCONSTITUCIONAL E DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS
3.1. Introdução
O objetivo deste estudo, feito em homenagem ao querido
Professor Paulo Braga Galvão193, é discutir brevemente a
manutenção da possibilidade jurídica de a Administração Pública
especificamente, o Poder Executivo deixar de aplicar norma
legal em razão de sua inconstitucionalidade. A questão possui
evidentes impactos práticos na Administração Pública em todos
os níveis federativos e merece análise que considere aspectos
importantes sob a ótica das capacidades institucionais, como
também que considere o papel da advocacia pública.
Com efeito, além das justificativas tradicionais pautadas
na supremacia da Constituição e na nulidade da lei com ela
incompatível, é necessário um exame da matéria em confronto ao
papel institucional da advocacia pública no controle de
constitucionalidade e a sua relação com a Chefia do Poder
Executivo, bem como dos diálogos a serem desenvolvidos entre
a própria Administração Pública e o Poder Judiciário.
A tese defendida neste texto é a seguinte: no âmbito da
Administração Pública, a não aplicação de lei inconstitucional
193 F oi um privilégio ter sido aluno do Prof. Galvão tanto na graduação, quanto no
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UERJ. Mestre cuidadoso,
ponderado e de cultura jurídica vasta, foi o primeiro professor a me inspirar a seguir
carreira acadêmica e a ter o direito público como objeto de investigação. A homenagem
feita com a presente obra é mais que merecida.
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deve ser precedida de exame cuidadoso do órgão de advocacia
pública do ente (e.g. Procuradorias Gerais dos Estados), como
também ser submetida à chancela da Chefia do Poder Executivo,
com a recomendação adicional de se levar a questão ao controle
judicial de constitucionalidade das leis. Se, de um lado, o
princípio da supremacia da Constituição deve permanecer
reverenciado, de outro lado, deve-se reconhecer que a não
aplicação de lei é grave tanto do ponto de vista jurídico, quanto
político. Por isso, deve ser destacado o papel institucional da
Chefia do Poder Executivo, cuja legitimidade democrática e
liderança no seio administrativo com a devida orientação dos
órgãos técnico-jurídicos de Estado contribuem para justificar
seu diálogo direto com os demais Poderes.
3.2. O Poder Executivo e a inconstitucionalidade das leis
Há muito tempo debate-se sobre a possibilidade de o
Poder Executivo desobedecer a leis inconstitucionais. A relação
entre a presunção de constitucionalidade das leis e o princípio da
legalidade, quando confrontados com a ideia de supremacia
constitucional, gerou questionamentos e controvérsias muito
antes da promulgação da Carta de 1988194.
No regime jurídico anterior à Carta vigente, contudo,
prevaleceu o entendimento segundo o qual seria legítimo, ao
Chefe do Poder Executivo, deixar de aplicar lei que entendesse
contrária à Lei Maior195. Isso seria decorrência do princípio da
supremacia da Constituição e da consequente nulidade dos atos
194 MONTEIRO, Ruy Carlos de Barros. “O argumento de inconstitucionalidade e o
repúdio da Lei pelo Poder Executivo”, in Revista Forense v. 79, n. 284, 1983.
195 Ver, a propósito, parecer de Luís Roberto Barroso, que faz amplo inventário da
jurisprudência e da doutrina pretéritas a 1988 (“Poder Executivo – Lei inconstitucional
Descumprimento”, in RDA no 181/182, 1990, pp. 387-414).

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