A tutela administrativa do meioambiente: o estudo de impactoambiental

AutorTaciana Marconatto Damo Cervi
CargoMestre em Direito. Professora do Curso de Direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões
Páginas188-209

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Considerações iniciais

O homem sempre buscou na natureza as ferramentas necessárias para o desenvolvimento da sociedade, e as intervenções humanas no meio ambiente revelaram-se marcantes. Inicialmente, buscou garantir a sobrevivência, mas, posteriormente, utilizou-se da natureza como meio de reafirmar seu domínio sobre as demais espécies, usando da biodiversidade para auferir condições mais cômodas em sua vida.

Decorrido longo período de intensa degradação ambiental, em meados do séc. XX, despertaram-se iniciativas de conscientização da importância da preservação do meio ambiente, o que repercutiu no conteúdo da lei. No Brasil, constituiu-se um sistema complexo de proteção ao meio ambiente, que compreende os esforços conjugados dos três poderes, a disponibilização de instrumentos legais protetivos e três esferas de tutela do meio ambiente, quais sejam: a esfera civil, penal e administrativa.

A pesquisa aqui demonstrada tem seu foco na tutela administrativa com a demonstração do estudo de impacto ambiental e seu respectivo relatório, identificados como instrumentos importantes para a manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

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Com isso, o trabalho pretende contribuir para a discussão da proteção ambiental no âmbito das atribuições do Estado Democrático de Direito, averiguando a necessidade de contribuição dos atores sociais por meio de uma intervenção ativa das comunidades locais, bem como a descentralização das funções do Estado permitindo a participação efetiva dos Estados membros e Municípios na gestão do meio ambiente.

1 A atuação do Estado para o meio ambiente ecologicamente equilibrado

A busca por um meio ambiente ecologicamente equilibrado capaz de proporcionar vida saudável no planeta emergiu como um sinal de reorientação para a humanidade. No intuito de buscar alternativas de remediação e minoração dos efeitos destrutivos sobre a natureza, a comunidade internacional, através da Organização das Nações Unidas – ONU – iniciou a construção de parâmetros ecológicos destinados a nortear um modo ideal de conviver com a natureza.

Esta trajetória se iniciou com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada em 10 de dezembro de 1948. Fruto das transformações mundiais ocorridas no segundo pós-guerra, a Declaração projetou, em dimensão internacional, um enfoque específico dos direitos humanos e da proteção do meio ambiente, baseandose no espírito de que os direitos e a dignidade do homem constituem expoentes da justiça, da paz e da liberdade.

A partir deste marco histórico, o direito de viver em um meio ambiente sadio tem sido um conteúdo corrente no pensamento do homem, sendo reivindicado pelos setores da população preocupados com o futuro do planeta e com a qualidade de vida legada às futuras gerações.

Nesse sentido, a Carta Política brasileira de 1988 reconheceu o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental e indisponível. Seu art. 225 menciona que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” E para conferir efetividade a esse direito difuso,Page 190a Constituição Federal ainda incorporou a chamada cláusula aberta que permite o ingresso de normas protetoras contidas nos tratados internacionais firmados pelo Brasil e que são imediatamente obrigatórias no território nacional.2 O princípio encontra-se enunciado no parágrafo 2.º do artigo 5.º da Constituição Federal que dispõe sobre os direitos e deveres individuais e coletivos, e inclui todos os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na esfera das relações internacionais.

Contudo, o mandamento constitucional impõe ao Estado a obrigatoriedade de políticas públicas previamente estabelecidas nos incisos do referido artigo, quais sejam, preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais, promover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, preservar a integridade do patrimônio genético do País, definir os espaços territoriais protegidos, exigir a realização do estudo prévio de impacto ambiental, proteger a fauna e a flora vedando práticas que coloquem em risco sua função ecológica e, ainda, promover a educação ambiental, entre outros.

Frente a isso, a efetiva proteção do meio ambiente exige a conjugação de esforços dos três poderes: o Legislativo, dotando o país de instrumentos modernos e efetivos para a proteção do meio ambiente; o Executivo, criando aparelhamento administrativo suficiente para exigir o cumprimento das leis; e o Judiciário, como poder auxiliar adicional para os casos em que a sanção administrativa não tenha coerção suficiente para inibir o infrator.3

No tocante à criação de instrumentos legais, a Constituição Federal determina, em seu artigo 23, inciso VI, que cabe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a competência concorrente para “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”. Essa possibilidade decorre da concretização do denominado federalismo cooperativo4 refletido no parágrafo único do art. 23, quePage 191prevê que uma lei complementar fixe normas para a cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, visando ao equilíbrio de desenvolvimento e bem-estar em âmbito nacional.5

Em razão do fenômeno cooperativo que permite atuação comum, o Município poderá atuar aplicando a lei federal (Estudo de Impacto Ambiental, Relatório de Impacto Ambiental, Licenciamento, etc.) em situações em que não haja lei de regulamentação municipal, ou mesmo, nem seja de interesse local. Trata-se de evitar que o meio ambiente seja prejudicado pela inércia ou demora do ente político ao qual seja cabível a atuação administrativa, permitindo, assim, uma atenção eficaz. Portanto, a competência para legislar sobre matéria ambiental é compatível com todos os entes da federação, e o próximo tópico busca melhor esclarecer a tutela administrativa do meio ambiente, abordando o estudo de impacto ambiental, instrumento administrativo eficaz para a manutenção do meio ambiente sadio, ecologicamente equilibrado.

2 O estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e o relatório de impacto ambiental (RIMA) na legislação em vigor

O meio ambiente sadio participa do rol dos direitos fundamentais enquanto prerrogativa de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. Desta forma, compreende-se por direitos fundamentais aquelas situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo para garantir, em suma, a dignidade das pessoas, de modo que distante disso, o homem não se realiza, não convive ou até mesmo sobrevive6.

Percebido desta forma, o direito ao meio ambiente sadio adquire as características inerentes ao grupo dos direitos fundamentais identificados pelo autor supracitado como: historicidade que surge e evolui ao longo do tempo; inalienabilidade que é direito instransferível, inegociável, visto que é direito conferidoPage 192a todos de forma indisponível; imprescritibilidade que nunca deixa de ser exigível; e, ainda, irrenunciabilidade porque não há hipótese de renúncia a direito fundamental.

Nesse entendimento, o ordenamento jurídico brasileiro recepcionou e gerou inúmeras normas de proteção ambiental em suas diversas áreas. Tal normatização impôs obrigações específicas ao poder público, estabelecendo um sistema de competência aos entes federados, colocando à disposição instrumentos processuais específicos e estabelecendo a responsabilidade objetiva aos causadores de danos ambientais.

E a partir desse status é que se torna possível uma análise jurídica do instituto constitucional do EIA e do RIMA, configurados como requisitos para a obtenção do licenciamento de atividades que possam afetar negativamente o meio ambiente.

Com a devida oportunidade, a Lei 6.938/81 estabelece, em seu artigo 2.º, inciso I, que o meio ambiente deve ser considerado “como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”. Então percebemos que o interesse público residente no âmbito da proteção do meio ambiente se revela como uma reivindicação, um produto das necessidades da sociedade. Nesse sentido, o EIA é demonstrado como o “diagnóstico do risco ambiental”7, como forma de preservação do interesse público.

Assim, necessário se faz buscar o entendimento acerca dos termos utilizados na pesquisa ora desenvolvida. A expressão meio ambiente, de acordo com a Lei 6.938/ 81 é compreendida como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art.3º, inc. I).

Entretanto, a doutrina tem proposto a utilização do conceito “meio ambiente” sob três aspectos, de modo que Silva destaca a existência de um ambiente artificial, considerado como o espaço urbano construído; um ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, etc.; e de um ambiente natural ou físico, compreendido pela interação dos seres vivos e seu meio.8

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A partir dessa definição mais ampla, entendendo o caráter multifacetário do meio ambiente, verifica-se que o instituto do Estudo de Impacto Ambiental tem aplicabilidade em cada uma das partições definidas anteriormente. Em razão da afinidade da...

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