ADPF das Favelas: mobilização do direito no encontro da pandemia com a violência policial e o racismo

AutorCarla Osmo, Fabiola Fanti
CargoUniversidade Federal de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil/Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), São Paulo, São Paulo, Brasil
2102
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 3, 2021, p. 2102-2146.
Carla Osmo e Fabiola Fanti.
DOI: 10.1590/2179-8966/2021/61282 | ISSN: 2179-8966
ADPF das Favelas: mobilização do direito no encontro da
pandemia com a violência policial e o racismo
“ADPF das Favelas”: Legal mobilization in the intersection between police violence and
racism.
Carla Osmo¹
¹ Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail:
carla.osmo@unifesp.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2417-2099.
Fabiola Fanti²
² Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail:
fanti.fabiola@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9240-2506.
Artigo recebido em 01/06/2021 e aceito em 25/07/2021.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 3, 2021, p. 2102-2146.
Carla Osmo e Fabiola Fanti.
DOI: 10.1590/2179-8966/2021/61282 | ISSN: 2179-8966
Resumo
Durante a pandemia de covid-19, uma coalizão de organizações, movimentos e coletivos de
favela obteve uma intervenção sem precedentes do Supremo Tribunal Federal na política de
segurança pública do Rio de Janeiro, em face da violência policial e do racismo. Este estudo
investiga o processo jurídico e político de construção dessa ação e seus primeiros
desdobramentos a partir do campo de estudos da mobilização do direito.
Palavras-chave: Movimentos sociais; mobilização do direito; direitos humanos; violência
policial.
Abstract
During the covid-19 pandemic, a coalition of organizations, social movements and favela
collectives obtained an unprecedented intervention by the Supreme Court in Rio de Janeiro's
public security policy, in face of police violence and racism. This study investigates the legal
and political process of construction of this legal action and its first consequences, in dialogue
with legal mobilization studies.
Keywords: Social movements; legal mobilization; human rights, police violence.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 3, 2021, p. 2102-2146.
Carla Osmo e Fabiola Fanti.
DOI: 10.1590/2179-8966/2021/61282 | ISSN: 2179-8966
Introdução1
Nos primeiros meses da pandemia de covid-19 no Brasil, a partir de março de 2020, territórios
no estado do Rio de Janeiro (RJ) com mais dificuldade de praticar medidas de prevenção, com
população empobrecida e em parte relevante sem trabalho formal, também viveram
operações policiais que davam seguimento a uma escalada de violência, observada ao longo
dos últimos anos. Dessa maneira, nesses locais, onde vivem majoritariamente pessoas negras
(v. FLAUZINA; PIRES, 2020), a maior vulnerabilidade à letalidade do coronavírus veio a se
associar a um crescimento no número de mortes violentas provocadas por agentes da
segurança pública. Foi nesse momento que uma coalizão de o rganizações, movimentos e
coletivos de favela do RJ obteve uma intervenção sem precedentes do Supremo Tribunal
Federal (STF) na política de segurança pública do estado, na Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 635, que ficou conhecida como ADPF das Favelas.
A prática de violações graves de direitos humanos pelos órgãos incumbidos da
política de segurança pública no Brasil não é algo novo, ou restrito ao RJ, embora esse estado
tenha particularidades e índices especialmente altos de vio lência de Estado2. Órgãos
internacionais de direitos humanos, tanto no âmbito da ONU3 quanto do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) vêm chamando atenção para a gravidade da
questão. Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre a situação
dos direitos humanos no Brasil, publicado em 2021, constatou que a violê ncia institucional
no país não é um problema de desvios individuais. A própria política criminal, penitenciária e
de segurança pública tem atuado de forma sistemática e generalizada para exterminar
pessoas afrodescendentes, podendo “se aproximar, perigosamente, de processos que
1 O projeto de pesquisa que resultou neste artigo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp (CAAE
42202221.6.0000.5505, parecer n. 4.550.667). Agradecemos ao Laboratório de Análise em Segurança
Internacional e Tecnologias de Monitoramento (L ASInTec) da Unifesp pelo debate e sugestões feitas a versão
preliminar deste artigo.
2 Conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil teve em 2019 o maior número de mortes
decorrentes de intervenção policial desde que o indicador começou a ser monitorado em 2013 (6375 mortes), e
embora os estados do RJ e São Paulo respondam por 42% dessas mortes, outros estados também apresentam
números alarmantes (BUENO; PACHECO; NASCIMENTO, 2020).
3 V., por exemplo, no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU, e da Comissão de Direitos Humanos que
o antecedeu, as recomendações da Revisão Periódica Universal de 2017 referentes a execuções extrajudiciais
(ONU, 2017), bem como os relatórios da Relatoria Especial da ONU para Execuções Sumárias, Arbitrárias e
Extrajudiciais da ONU sobre as missões ao Brasil realizadas em 2003 (ONU, 2004) e 2007 (ONU, 2009).

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