Advocacy and emancipatory struggles: what is the politics in advocacy?/ Advocacia e lutas emancipatorias: o que ha de politico na advocacia?

AutorFalbo, Ricardo Nery

Introducao

Finda a escrita das teses e passado algum tempo de sua depuracao, chega o momento de colocar em debate seus argumentos em perspectiva comparada--menos no sentido da tradicao das Ciencia Sociais, mas segundo o entendimento mais amplo de confronto ou contraste de ideias e fatos com o objetivo de construir argumentacao que procura enfatizar igualdades ou diferencas. Ricardo Falbo (2004) trata em sua tese Contradicoes e ambiguidades no Brasil imperial: o dilema dos advogados na justica da advocacia frente a luta abolicionista, do momento da instalacao da Familia da Real no Brasil (1808) a promulgacao da Lei do Ventre Livre (1871). Os dilemas consistem em posturas ora liberais, ora conservadores, ora abolicionistas ou ora escravocratas. Aqui, ela e apresentada basicamente quanto a descricao de situacoes historicas, com o objetivo de garantir a identificacao de elementos que ajudem a identificar o politico como dimensao da advocacia imperial e problematizar esta mesma dimensao quanto ao periodo republicano.

Luiz Otavio Ribas (2015) em Direito insurgente na assessoria juridica de movimentos populares no Brasil pesquisa a advocacia profissional frente as lutas emancipatorias, no momento do Golpe civil-militar de 1964 a atualidade. Especialmente, posicoes marginalizadas como a de advogados de perseguidos politicos e de movimentos populares. Seus dilemas tambem sao explorados, no que sao ora contestadores, ora legitimadores do sistema; ou entao ora democraticos, ora revolucionarios. Sao referencias de periodos complexos, mas que observadas em contraste podem evidenciar suas diferencas e semelhancas, para responder sobre o que ha de politico na advocacia.

O objetivo deste texto e refletir sobre a advocacia no contexto de lutas politicas emancipatorias. Neste sentido, pensar a opressao/emancipacao junto com a advocacia comparativamente nos contextos historicos do Brasil Imperial e atual. O sentido e usar fragmentos de uma situacao historica passada para pensar questoes mais contemporaneas e demonstrar que estas nao sao so de hoje. O argumento e de que a advocacia nao e uma atuacao meramente tecnica-juridica, mas vai alem disto. Mas, uma luta por dentro e por fora da advocacia, com recursos nem sempre juridicos, mas politizados, ou politizaveis, desqualificados por vezes em funcao disto.

Uma das questoes centrais no estudo da sociologia juridica permanece sendo seu objetivo e metodologia, no contexto mais amplo das ciencias sociais aplicadas. As relacoes mais complexas seguem sendo as que envolvem o direito e a sociedade, uma sociedade que produz o direito e um direito que regula a sociedade. Neste sentido sao construidas propostas metodologicas que carregam multiplos objetivos, como as visoes internalistas, as externalistas, ou as que busquem ir alem dos posicionamentos do olhar sobre estas relacoes. Busca-se aprofundar o estudo daquelas abordagens que tenham como objetivo a critica. Esta e necessaria na producao e criacao do conhecimento das relacoes sociais tambem no ambito da critica ao Direito. Por outo lado, repensar o direito requer tambem a autocritica sobre sua teoria--o problema no ambito tradicional da Dogmatica Juridica tem sido confundir o direito com a lei. A sociologia juridica propoe a interpretacao das normas juridicas no contexto das relacoes sociais.

Parte-se da ideia segundo a qual a sociologia juridica e a traducao de um projeto interdisciplinar, de criacao solidaria de um conjunto de praticas cientificas e de modelos analiticos (FALBO, 2011). Esta e a condicao para superar a especializacao e a ideia de que toda disciplina se constitui e se desenvolve com referencia a uma unidade de objeto, ja que sequer pode dizer tudo de seu objeto. Neste sentido, "A sociologia juridica como projeto interdisciplinar se caracteriza pelo fato de rejeitar os limites considerados excessivamente restritivos da sociologia e do direito e de buscar a superacao destes mesmos limites" (2011, p. 14).

Ao problematizar o que ha de politico na advocacia, enfrentam-se questoes tais como a maneira pela qual as mobilizacoes por direitos instrumentalizadas pela advocacia podem restringir a amplitude da luta politica. Ou entao como a percepcao dos advogados sobre as desigualdades sociais influencia no funcionamento da advocacia num determinado periodo historico. Isto e valido principalmente para a advocacia no Brasil referida ao periodo republicano.

Na justica do Brasil imperial, as questoes estao referidas as contradicoes e ambiguidades da sociedade que tinham por fundamento as desigualdades socialmente hierarquizadas e que se manifestavam atraves do dilema que os advogados revelavam quando defendiam os direitos e interesses de senhores e escravos. Este dilema traduzia a contradicao ou a dificuldade que os advogados enfrentavam para harmonizar o ideal da liberdade e a realidade da propriedade. Eles afirmavam que o homem era livre por natureza e que a escravidao era um fato historico consagrado pelo direito. Porem, este dilema nao era vivido e percebido pelos advogados da mesma forma. Os advogados dos senhores reconheciam que a escravidao era odiosa na mesma medida em que viam a libertacao dos escravos como sendo perigosa para o Pais. Os advogados dos escravos ressaltavam que a escravidao atingia a dignidade do homem, porem eles defendiam a liberdade em referencia ao direito de propriedade. Aqueles pensavam a libertacao dos escravos de forma gradual e transferiam para um legislador futuro o fim da escravidao. Estes consideravam legitimo o fim imediato do cativeiro em funcao da historia dos povos civilizados e usavam a justica como meio de libertacao dos escravos.

Uma das primeiras licoes sobre advocacia popular veio justamente na defesa de pessoas escravizadas. Quando alem de um dever, observa-se o engajamento em uma causa por considera-la justa, embora a funcao do advogado nao fosse defender a causa do cliente como sendo a sua propria causa. Este fora um pressuposto da advocacia no seculo XIX, que se perde como regra geral com a profissionalizacao no seculo XX.

Estas ideias dialogam com a nocao de mobilizacao de direitos. Na chave da sociologia historica e dos elementos mediadores da acao coletiva e da politica contestatoria, Charles Tilly, na obra From Mobilization to revolution (1978), aborda o processo revolucionario, a linha que vai desde a organizacao para mobilizacao, da acao coletiva para a revolucao, especialmente a mobilizacao para a revolucao. Assim, e preciso aproximar a ideia de emancipacao da de revolucao.

Tilly preocupa-se com duas questoes, a partir de Karl Marx. Primeira: como os interesses compartilhados, a organizacao geral e a mobilizacao atual de um acordo afetam a capacidade dos membros agirem juntos. Segunda: como estas relacoes atuais para o governo e para os poderes afetam os cursos e retornam em cada oportunidade para agir em aspiracoes comuns. Em relacao aos interesses, a linha marxista trata a mutavel organizacao da producao que cria e destroi classes sociais, com que sao definidas por diferentes relacoes para significados basicos da producao. Fora da organizacao da producao surgem diferencas fundamentais de classe de interesses. Uma classe age junta para estender o que e extensivo da organizacao interna e para estender o que e de interesse acordado (p. 59-60).

O estudo da acao coletiva seriam algumas consideracoes dos meios que as pessoas agem juntas na perseguicao de interesses compartilhados. Seus componentes seriam interesse, organizacao, mobilizacao, oportunidade e acao coletiva propriamente ditos. Na maior parte, os interesses dizem respeito aos nossos ganhos e perdas resultantes de interacoes num grupo com outros grupos. A organizacao diz respeito ao incremento na identidade comum e/ou estruturas unificadores de um grupo que diretamente afetam a capacidade de agir sobre estes interesses. Mobilizacao e o processo em que um grupo adquire controle coletivo sobre os recursos necessarios para acao (poder de trabalho, coisas, armas, votos, entre outros). Oportunidade concerne ao relacionamento entre um grupo e o mundo em volta dele. Acao coletiva consiste em pessoas agindo juntas e perseguindo um interesse comum resulta da combinacao de interesses, organizacao, mobilizacao e oportunidade (TILLY, 1978: 7).

Neste sentido, programas de mobilizacoes de grupos envolvem os componentes de acumular recursos; incrementar as reivindicacoes coletivas para reduzir competicao, alterar o programa de acao coletiva e mudar a satisfacao de participacao no grupo. Mobilizacoes vitoriosas reunem estas ideias, podem ser grupos defensivos ou ofensivos de preparacao para mobilizacao. Mobilizacao refere-se a aquisicao de controle coletivo sobre recursos, mais do que um simples acrescimo de recursos (TILLY, 1978: 73-78).

Fazer a costura da critica ao direito com a da acao politica e a da politica contestatoria e o objetivo deste trabalho, que busca realizar esta aproximacao com base na ideia de mobilizacao de direitos.

Para justificar o uso desta expressao e preciso abrir um breve dialogo com o ramo dos estudos sobre mobilizacao legal ou mobilizacao do direito e mobilizacoes do direito ou ativismo de direitos. Abordam-se dois estudos que tambem apresentam preocupacao em relacionar o tema com as profissoes juridicas, seja o Ministerio Publico, seja a advocacia. A preocupacao comum e da mobilizacao politica do direito e tribunais, em demandas de ampliacao ou reconhecimento de direitos.

Cristiana Losekan (2013) aborda a mobilizacao do direito, ou mobilizacao legal, em relacao ao redesenho das instituicoes de justica, como repertorio de acao coletiva e de sua relacao com as instituicoes participativas. Neste sentido, observa aumento da judicializacao dos conflitos socioambientais no Brasil, ao analisar a percepcao dos atores de que a arena judicial pode ser acionada, como enforcement (ameaca) ou um efeito simbolico. Considera que as janelas de oportunidade podem possibilitar o surgimento de uma acao coletiva...

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