Estando em situação de risco e não subsistindo vínculo afetivo com a família de origem, prevalece o interesse da menor de ser inserida em família substituta

AutorMin. João Otávio de Noronha
Páginas38-43

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Superior Tribunal de Justiça

Recurso Especial n. 1.422.929 - SC

Órgão julgador: 3a. Turma

Fonte: DJe, 12.08.2014

Relator p/ acórdão: Ministro João Otávio de

Noronha

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER. MENOR. FAMÍLIA SUBSTITUTA. CASO PECULIAR. MIGRAÇÃO DA MÃE PARA O SUL DO BRASIL EM BUSCA DE MELHORES CONDIÇÕES. MAUS-TRATOS E SITUAÇÃO DE RISCO. CONFIRMAÇÃO. PRETENSÃO DE ATRIBUIÇÃO DA GUARDA À AVÓ MATERNA. INEXISTÊNCIA

DE VÍNCULO COM A FAMÍLIA ESTENDIDA (AVÓS, TIOS E PRIMOS). ADOÇÃO CONCLUÍDA. PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO MENOR. ESTABILIDADE NA CRIAÇÃO E FORMAÇÃO. NECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

Na hipótese em que a genitora deixa a casa dos pais e migra para o sul do país em busca de melhores condi-ções, optando por levar consigo ilha menor, cumpre-lhe proteger a criança e dela cuidar, garantindo-lhe sustento, guarda, companhia e educação em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes (Constituição Federal e Estatuto da Criança e Adolescente).

Se não há controvérsia sobre o fato de a menor ter sido vítima de negli-gência e de maus-tratos e encontrar-se em situação de risco, destitui-se o pá-trio poder.

Estando a criança em situação de risco e não subsistindo nenhum vínculo afetivo entre ela e a família de origem, prevalece o interesse da menor, que deve ser inserida em família substituta, sobretudo quando há notícia de que o processo de adoção já foi concluído.

Recurso especial desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráicas a seguir, após o voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, dando provimento ao recurso especial e o voto divergente do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, por maioria, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Votou vencida a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Votaram com o Sr. Ministro João Otávio de Noronha os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente). Lavrará o acórdão o Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília (DF), 24 de abril de 2014 (Data do Julgamento)

MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

Relator

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial inter-posto por K. B. da S., com fundamento no art. 105, III, "a", da CF, contra acórdão proferido pelo TJ/SC.

Ação: de perda do poder familiar ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - recorrido - em desfavor da recorrente, ante a manifesta incúria no trato com a menor A.G.B. da S.

O poder familiar foi suspenso, por medida liminar em 09/09/2010, decisão que também determinou o acolhimento da criança em família substituta provisória. (ls. 142, e-STJ).

Sentença: julgou procedente o pe-dido de destituição do poder familiar e declarou a criança A.G.B. da S., disponível para a adoção.

Extrai-se, do julgado, excerto representativo da motivação do i. Juiz de 1º Grau quanto à capacidade materna:

É possível observar nas declarações dos técnicos que acompanham a evolução de (...) e da dinâmica da entidade familiar que existe um consenso quanto à falta de condições da mãe biológica para cuidar adequadamente da criança. São contundentes as declaração da Psicóloga da equipe de proteção de alta complexidade, proissional qualiicada para a análise (...)"(ls. 142, e-STJ).

No que toca às condições de alocação da infante no lar de sua avó mater-na, consigna que:

Não há dúvida de que a avó mater-na estaria disposta a receber de volta A.G., como icou reiteradamente con-signado em diversas manifestações dos autos. No entanto, este Juízo está convicto de que esta não é a solução mais apropriada.

A triste história da pequena A.G., nordestina retirante, cuja mãe migrou para o sul em busca de melhores con-dições de subsistência não é amenizada com a expectativa gerada de retorno à convivência da avó materna com quem se alega existir vínculo afetivo robusto.

Evidente o paradoxo: a mãe saiu do lar materno porque as condições de vida no Ceará não eram boas; desven-dada a sua incapacidade de proteger a ilha passou a considerar ótimas as con-dições de vida no Ceará.

O Estudo Social da entidade familiar oriundo da cidade de Jucás, Estado do Ceará (ls. 41 dos autos) consigna que: ‘a avó da criança A.G.B. da S. convive com o esposo e sete ilhos, dentre estes, seis são menores de idade. Reside em casa própria de taipa, com cinco cômodos, piso de cimento, e sobrevivem de rendas advindas do programa Bolsa Família no valor de R$ 134,00 (cento e trinta e quatro reais) e aposentadoria no valor de R$ 545,00

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(quinhentos e quarenta e cinco reais) da avó de (...), o Senhor (...), que recente-mente foi beneiciado com aposentado-ria por idade’.

Não obstante a falta de recursos materiais não seja motivo suiciente para a destituição do poder familiar e que a realidade descrita no estudo social seja encarada como natural no Estado do Nordeste, a criança está, neste momento, sob os cuidados do Juízo da Infância e Juventude da Comarca de Indaial, Santa Catarina, Estado da Federação cuja realidade social é distinta, em que não se pode considerar apropriado para uma criança que tem histórico de subnutrição dividir um lar com outras sete crianças, em família cuja renda per capta é inferior a R$80,00 (oitenta reais).

Com todo respeito à recomendação dos técnicos, o retorno de A. ao lar da avó materna no Nordeste não resolveria o problema da criança e nada justiicaria à consciência deste Juízo devolvê-la ao mesmo local em que se iniciou o seu problema nutricional, quiçá para regredir todo o progresso que já se conseguiu durante o período de acolhimento, quiçá para submetê-la a um ambiente em que a miséria, a forme e a violência domés-tica façam parte da rotina como uma fatalidade instransponível, ou para que seu destino possa vir a ser aquele que alimenta as estatísticas dos índices alarmantes de mortalidade infantil consignados pelo Promotor de Justiça na petição inicial (l. 07). (145/146, e-STJ - sem grifos no original).

Acórdão: o TJ/SC negou provimento ao recurso interposto pela recorrente, em acórdão assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE PERDA DO PODER FAMILIAR. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DA MÃE.

FILHA MENOR, VÍTIMA DE AGRESSÕES PERPETRADAS PELO PADRASTO. GENITORA QUE SE MOSTROU OMISSA E NEGLIGENTE. SITUAÇÃO DE RISCO EVIDENCIADA. DIREITOS FUNDAMENTAIS VIOLADOS. MEDIDA QUE VISA RESGUARDAR E MELHOR ATENDER OS INTERESSES DA CRIANÇA. PEDIDO DE CONCESSÃO DA GUARDA À AVÓ MATERNA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Embargos de Declaração: interpostos pela recorrente, foram rejeitados.

Recurso especial: alega violação dos artigos 19, § 3º, 23 e...

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