Aformativo, greve/Afformativ, Streik.

AutorHamacher, Werner

Para Jean-Luc Nancy

O ensaio "Zur Kritik der Gewalt" ("Crítica da Violência--Crítica do Poder") (1) de Walter Benjamin delineia uma política de mediaticidade pura. (2) Benjamin entende os meios desta política como meios puros, já que não servem de meios para fins situados além da esfera de mediaticidade. Tais fins só poderiam ser ambíguos: eles teriam a pretensão de não ser atingidos por e até ser superiores à esfera de meios, quando, na verdade, seriam instituições (3) da esfera de meios, cuja própria mediaticidade é camuflada mediante isolamento. Por outro lado, os meios que podem ser chamados puros não têm o caráter de instituições--pelo menos não o de institucionalizações do direito [Rechtsetzungen] ou o de esboços de interações compulsórias, segundo as quais os membros da sociedade deveriam se orientar. Uma política--e o poder com ela correspondente--só pode ser chamada pura, caso manifeste a forma de justiça, não misturada com interesses de conservação ou programação de formas de viver, não misturada com instituições jurídicas positivas [positive Rechtsinstitute]. Enquanto tudo o que é direito deve apoiar-se no poder instituinte do direito e, além disso, em todo poder mantenedor ou administrador do direito, que está representado no poder instituinte, a ideia de justiça não pode depender dos poderes instituintes cambiantes do direito. A justiça precisa pertencer, portanto, a uma esfera igualmente distante tanto do direito quanto do poder da instituição e execução do direito.

Pois, diferentemente da justiça, todo direito depende da instituição, e nenhuma instituição existe sem violência*--sem uma violência* que se inibe, desmente e compromete a si. A inibição e a corrupção do poder* instituinte e do poder* instituinte do direito ficam, em todo momento, claramente nítidas, na tentativa deste poder em se manter. Na transformação do poder instituinte no poder mantenedor do direito, ele deve dirigir-se contra os poderes instituintes hostis e com isso indiretamente contra o seu próprio princípio, ou seja, contra o princípio da instituição. Para o poder instituinte do direito se manter como ele é, ele deve se transformar no poder mantenedor do direito e deve se virar contra o seu caráter instituinte inicial e, nessa colisão, consigo mesmo ele se desintegra. É por isso, escreve Benjamin, que toda instituição é ambígua e igualmente o poder* ao qual ela deve sua existência: O poder* deve--em toda instituição, em todo direito positivo instituído, em toda lei aplicada por ele--voltar-se contra si mesmo, seja deixando de instituir para conservar o instituído, seja opondo-se com a mesma finalidade a outras forças instituintes. De qualquer maneira, a instituição--e com ela o direito e a política, desde que sejam justificados mediante instituições--deve fragilizar-se e tornarse ruína. O poder instituinte originário deve, em todo caso,--mesmo resultando nãofinalístico e assim não sendo definido como instrumento de uma intenção--transformar o já instituído num fim e definhar-se em seu meio, um meio de um fim.

Toda instituição--e toda lei--é subordinada a uma lei mais poderosa: expondo-se obrigatoriamente a uma outra instituição e a uma outra lei. Essa lei mais poderosa é a da conversão histórica e da transformação interna e estrutural, imposta pela ambiguidade da lei, sendo meio e fim simultaneamente. No contexto desta ambiguidade, Benjamin fala de dialética e de sua lei das oscilações, não duvidando que a história do direito e da lei como também a história política do poder do Estado e de suas instituições [Institutionen] formam-se de uma maneira, que--na medida que estão sob o ditado da relação meio-fim - não podem realizar a justiça. Enquanto está sendo parcial no circuito dos poderes da instituição do direito, a história não é o medium de justiça. Benjamin escreve:

Um olhar dirigido apenas para as coisas mais próximas perceberá, quando muito, um movimento dialético de altos e baixos nas configurações do poder* enquanto instituinte e mantenedor do direito. A lei dessas oscilações consiste em que todo poder mantenedor do direito, no decorrer do tempo, acaba enfraquecendo indiretamente o poder instituinte do direito representado por ele, através da opressão dos antipoderes* inimigos. (...) Isso dura até que novos poderes* ou os anteriormente oprimidos vençam o poder* até então instituinte do direito, estabelecendo assim um novo direito sujeito a uma nova decadência. (4) A lei, pois, na qual se baseia a dialética das formas do poder* históricas é a lei de uma repressão do poder* instituinte, mas que, apesar de indireta, não é, por isso, menos fundada na própria estrutura da instituição do poder* instituinte. Mais precisamente, não é um outro poder*, mas sim a própria instituição que submete o poder* à repressão: ao restringir, inibir e isolar a si mesmo, tornando-se assim um fim externo a si mesmo. "É na sua permanência", escreve Benjamin, que o poder mantenedor do direito "enfraquece" o por ele representado poder instituinte: "enquanto" ele durar e "através" da duração que a preservação visa, tanto o poder conservativo como também o poder instituinte se desintegram. Se a história do poder*, como a história cíclica da sua decadência e restituição, só começa com a pretensão à permanência--pois a permanência histórica é uma categoria da instituição e da sua decadência--podemos falar que uma lei que não é instituinte, não é sujeita à nenhuma forma temporal conhecida, ou seja, jamais a uma forma de apresentação que é sempre também uma forma de instituição: ela é "contratemporal" ou anacrônica. (5) O poder puro é tanto pré-posicional quanto prétemporal, logo não é apto à representação. Mas a representação do poder* instituinte leva o representado à decadência; o poder instituinte enfraquece sua preservação precisamente no fato de que ele ainda meramente a preserva. O fato do poder instituinte do direito não existir sem o poder mantenedor do direito que lhe serve, e no qual o primeiro renuncia a si mesmo, mostra que só o poder* da institucionalização do direito não é suficiente para gerar uma condição do direito, da legalidade ou legitimidade dos atos; pois todo poder deve decair na sua instituição. Segundo a lei da sua dialética histórica, a instituição degrada o poder* que nela opera, transformando-o de um meio puro num meio para fins instituídos. A instituição instrumentaliza a violência*, coloca-a ao serviço de algo que não é ela mesma, e, assim, abusa do princípio de sua medialidade incondicional. História é a área de meios comprometidos e serviçais como também a área de um poder* que se despotencializa e transcorre por meio de sua preocupação com preservação, garantia e duração.

Benjamin não deixa dúvida de que as institucionalizações do direito se baseiam na violência instrumental, mesmo quando assumem a forma de um contrato jurídico celebrado pacificamente. Pois um contrato confere a cada uma das partes contratantes o direito de recorrer à violência, se a outra parte violar o contrato (GS p. 190). Ora, como Benjamin menciona na passagem supracitada, a presença da violência--pelo menos latente--em toda instituição judicial [Rechtsinstitut] está sujeita a uma dialética que nunca força a desintegração do princípio da violência [Gewalt] e do poder [Macht] aplicado por ela, mas, provavelmente, a desintegração de suas respectivas formas. No momento no qual o instituído se afasta da instituição e se entrega à conservação do seu status, a forma jurídica se separa, segundo Benjamin, daquilo que ela representa: a instituição se desmorona no instituído que se torna, por conseguinte, impotente e deve submeter-se a um outro poder* e a um outro interesse afastado, excluído, reprimido ou banido pela instituição. Por conseguinte, toda instituição é derrubada por sua inversão interna num instituto positivo e por sua autoalienação imediata e sua transformação num Outro. Essa alteração interna pode ser representada por poderes sociais e políticos oponentes, por grupos de interesse, partidos políticos ou também por inovações técnicas e pressão econômica. Porém, todos eles só podem fazer valer o seu poder [Macht], porque a alteração já é intrínseca à lógica da própria instituição das instituições jurídicas [Rechtsinstitute]. Considerando a estrutura desse movimento, é irrelevante se as institucionalizações do direito ocorrem num processo de acordos contratuais aparentemente não-violentos ou por meios da intervenção política violenta. Na medida que uma instituição jurídica [Rechtsinstitut] não exclua o recurso à violência*, a sua violência* lhe serve--mesmo se for só para a duração desta instituição [Institut]--não podendo, assim, valer como forma da liberdade, da mediaticidade e da justiça. Afinal, é duvidoso que a liberdade, mediaticidade e justiça possam ser pensadas em categorias formais, ou seja, como objetos do conhecimento categórico. A transformação histórica é sempre uma transformação de dentro da estrutura interna do poder* instituinte. Mais precisamente, é uma transformação na qual este poder* desmorona ele próprio na sua instituição. O que é chamado de história nada mais é que a degeneração deste poder*, a queda da instituição.

Benjamin mostra nitidamente a lógica da decadência das formas políticas do direito, citando um exemplo tomado da história inicial da República de Weimar, mais precisamente, a repressão das revoltas de massa comunistas na região do rio Ruhr entre março e maio de 1920 (O texto "Zur Kritik der Gewalt" foi escrito na virada do ano 1920/21). Ele escreve:

Quando a consciência da presença latente da violência dentro de uma instituição jurídica se apaga, esta entra em decadência. Um exemplo disso, no momento atual, são os parlamentos. Eles oferecem esse espetáculo notório e lamentável porque perderam a consciência das forças revolucionárias às quais devem sua existência. Assim, sobretudo na Alemanha, a última manifestação de tais poderes* transcorreu sem consequências para os parlamentos...

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