Acesso à Justiça e Direitos Humanos: A Emenda Constitucional 45/2004 e a Garantia a Razoável Duração do Processo

AutorDanielle Annoni
CargoDoutora em Direito pela UFSC
Introdução

O acesso à justiça12 é o principal dos direitos do ser humano a ser efetivamente assegurado, pois é pelo seu exercício que serão reconhecidos os demais. Este final de século viu nascer um novo conceito de direito ao acesso à justiça, garantindo-se ao cidadão, não apenas o direito de petição ao Poder Judiciário, mas sim, o direito fundamental à efetiva prestação da justiça.

O primeiro documento de alcance internacional a reconhecer o direito a efetiva e pronta prestação jurisdicional foi a Convenção Européia de Direitos Humanos, que em seu artigo 6º.I dispõe, desde 1950, que todo indivíduo tem o direito à prestação jurisdicional em prazo razoável, chegando mesmo, por meio da Corte Européia de Direitos Humanos, a condenar os Estados signatários a indenizar os lesados pela demora excessiva na prestação da justiça.

Nesta esteira, o artigo 8º.I da Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida por Pacto de São José da Costa Rica, preceitua, desde 1969, que todo indivíduo tem direito fundamental à prestação jurisdicional sem dilações indevidas. O Brasil é signatário desta Convenção, tendo-a ratificado em 1992 por meio do Decreto nº 678.

Mas foi somente em 2004, foi força da Emenda Constitucional 45/2004 que o Brasil inseriu, dentre o rol constitucional de direitos fundamentais, a garantia a razoável duração do processo, demonstrando sua preocupação em combater a demora que afronta a justiça no país.

O presente ensaio visa refletir sobre esta garantia e sua importância na efetividade dos demais direitos fundamentais assegurados pelas normas internas e internacionais de proteção aos direitos humanos.

1. Efetividade e tempestividade da tutela jurisdicional como direito fundamental

O conceito de direito fundamental do ser humano ao acesso à justiça sofreu uma transformação significativa neste século. Como lembra MAURO CAPPELLETTI3, nos Estados liberais burgueses dos séculos XVIII e XIX os procedimentos adotados para a solução dos litígios refletiam uma filosofia individualista dos direitos. Direito à proteção judiciária significava essencialmente o direito formal do cidadão de petição ao Poder Judiciário.

Este conceito mudou. “À medida que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade, o conceito de direitos humanos começou a sofrer uma transformação radical”4. Primeiramente pelo reconhecimento dos direitos sociais de segunda geração, o que implicou na exigência por parte da sociedade civil de uma atuação positiva do Estado, não apenas no sentido de reconhecer os direitos e deveres sociais de comunidades, associações e governos, mas também, e principalmente, no sentido de garantir sua real efetivação.

Não é de se admirar, desta forma, que o direito ao acesso à justiça tenha adquirido particular importância ao longo das últimas décadas, deixando simplesmente de fazer parte do rol dos direitos reconhecidos como essenciais ao ser humano, mas sim, passando a ser reconhecido como o mais fundamental deles, no sentido de que torna possível sua materialização.

É neste sentido que afirma MAURO CAPPELLETTI ser o acesso à ordem jurídica justa não apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido: “ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica”5.

Falar em efetividade, neste contexto, tornou-se, pois, imprescindível, tendo os processualistas modernos passado a analisá-la como instrumento de realização da justiça6. Isto porque, a maior ameaça aos direitos do ser humano reside, essencialmente, na incapacidade do Estado em assegurar sua efetiva realização. Essa incapacidade, traduzida pela ausência de mecanismos de materialização dos direitos reconhecidos, traduz-se na negação do próprio Estado, constituído como democrático e de Direito.

Lembrou CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO que o “maior esforço que a ciência do direito pode oferecer para assegurar os direitos humanos é voltar-se, precipuamente, para a construção de meios necessários à sua realização nos Estados e, ainda, para o fortalecimento dos modos necessários de acesso à Justiça com vistas ao melhoramento e celeridade da prestação jurisdicional”7.

Barbosa Moreira, neste sentido, adverte que a cada dia os processualistas tomam consciência mais clara da função instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo desempenhar de forma efetiva o papel que lhe toca8. É preciso, por certo, oferecer ao processo mecanismos que permitam o cumprimento de toda a sua missão institucional, evitando-se, com isso, que seja utilizado como instrumento de violação de direitos.

Assim, cumpre ao ordenamento atender, de forma mais completa e eficiente ao pedido daquele que exercer o seu direito à jurisdição, ou à mais ampla defesa. Para tanto é preciso que o processo disponha de mecanismos aptos a realizar a devida prestação jurisdicional, qual seja, de assegurar ao jurisdicionado seu direito real, efetivo, e no menor tempo possível, entendendo-se este possível dentro de um lapso temporal razoável. Além da efetividade é imperioso que a decisão seja também tempestiva.

Inegável é fato de que, quanto mais distante da ocasião propícia for proferida a sentença, mais fraca e ilusória será sua eficácia, e em corolário, também mais frágil e utópico será o direito reconhecido. RAFAEL BIELSA E EDUARDO GRAÑA lecionam que “um julgamento tardio irá perdendo progressivamente seu sentido reparador, na medida em que se postergue o momento do reconhecimento judicial dos direitos. E, transcorrido o tempo razoável para resolver a causa, qualquer solução será, de modo inexorável, injusta, por maior que seja o mérito científico do conteúdo da decisão”9.

Assim, o resultado de um processo não apenas deve se preocupar em garantir a satisfação jurídica das partes, mas principalmente para que esta resposta aos jurisdicionados seja justa, que se faça em um lapso temporal compatível com a natureza do objeto litigado. Do contrário, torna-se utópica a tutela jurisdicional de qualquer direito.

É preciso ter-se em mente que a prestação jurisdicional para que seja injusta, não requer, necessariamente, que esteja eivada de vícios, ou de ter o juiz agido com dolo, fraude ou culpa quando da decisão. O não julgamento quando devido ou o seu atraso demasiado também se constituem de prestação jurisdicional deficiente e injusta. É omissão ao dever legal de prestar, a qual enseja, naturalmente, a responsabilidade pelos danos oriundos10, nos termos do artigo 37 § 6º da Constituição Federal.

Não se pode, entretanto, deixar de reconhecer que, relativa à questão, coexistem dois pressupostos, em princípio, antagônicos: o da segurança jurídica, que...

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