O Direito à Saúde e a Vigilância Sanitária

AutorRuy Ferreira de Mattos Junior
CargoAdvogado
Introdução

A saúde é um direito fundamental1 do cidadão expresso na Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988 (CR/88). Esse direito fundamental decorre do entendimento de que à garantia do direito à vida digna, necessário que o Estado assegure inúmeros outros direitos ao cidadão, dentre eles, o direito à saúde.

Pela via reflexa, alerta-se que não se tem dado a devida atenção acadêmica ao assunto. Neste contexto, observa-se que o Direito Sanitário, hodiernamente, vem assumindo relevante importância no âmbito jurídico, pelo simples fato de que, como ramo do Direito Público, vem a evidenciar o enorme cabedal de legislações voltadas à garantia do direito fundamental à vida, como alicerce basilar à saúde do indivíduo e da coletividade.

O Estado, por meio de políticas sociais e econômicas tem o dever de garantir a saúde pública. O cidadão, por sua vez, tem o direito subjetivo de exigir do Estado que lhe seja garantido o acesso universal e igualitário à garantia de sua saúde, cujo contexto engloba a noção de bem estar físico, mental, social e ambiental.

Imprescindível mencionar que a saúde está diretamente relacionada ao meio ambiente que, por sua vez, incorpora o meio ambiente do trabalho. Todo cidadão é um potencial trabalhador, sendo que o seu local de trabalho deve garantir-lhe condições essências à permanência de sua saúde, livre de insalubridades. Caso isto não seja possível – deverão ser observadas regras específicas – estabelecendo-se ações potencialmente capazes de eliminar ou minimizar os efeitos nocivos decorrentes da atividade laboral exercida, tais como: redução da jornada de trabalho, fornecimento de equipamentos de proteção individual e / ou coletivo.

Dentro desta perspectiva, o dever do Estado – no garantismo da vida digna – é o de promover não só o acesso universal e igualitário de proteção da saúde de todos, bem como, instituir mecanismos que visem à prevenção dos riscos de interesse da saúde.

A prevenção como medida e responsabilidade estatal, no tocante à integridade da sanidade humana, vem a apresentar a gradativa mudança do paradigma curativo que sobrevalorizava (e ainda persiste em sobrevalorizar) o remediar ao invés do prevenir. A saúde como ausência de doença e a utilização do remediar deixa de ser o modelo essencial da saúde pública, pois entendeu-se que este perfil era incompleto e tornou-se obsoleto.

O atual modelo da saúde pública é o preventivo, ou seja, o entendimento de que a saúde não se consubstancia apenas na concepção uníssona da ausência de doença, e sim, de um conjunto de fatores que envolvem o ser humano. A saúde analisada em seu contexto é o completo estado de bem estar, tanto físico, mental e social. É o que está expresso no preâmbulo da Constituição de 1.946 da Organização Mundial de Saúde (OMS)2.

Neste universo de possibilidades, a Vigilância Sanitária surge como órgão estatal cuja finalidade principal é a de assegurar a incolumidade pública, priorizando-se pela conscientização sanitária social a respeito da importância da saúde como um dos fundamentos à vida digna.

Cabe à Vigilância Sanitária atuar ao nível de prevenção, bem como, eliminar e reprimir aquelas situações que ofendam ou ofereçam risco iminente à saúde da coletividade. A Vigilância Sanitária objetiva o garantismo do direito à vida digna, assegurando-se, prioritariamente, a prevenção dos riscos e agravos de interesse da saúde pública, à sua promoção e proteção.

1. Direitos Fundamentais

A CR/88 empregou sentido amplo à noção de direitos fundamentais, cuja abrangência engloba os direitos individuais, coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos. Jair Teixeira dos REIS3 esclarece que “O Brasil, no cenário mundial, possui uma das mais avançadas legislações em matéria de proteção à saúde e segurança dos trabalhadores, nos resta apenas cumpri-la”.

Neste raciocínio, observa-se que a fundamentação jurídica dos direitos fundamentais já se encontra consagrada, formalizada e em constante maturação no direito interno e internacional. Agora, o obstáculo que surge como a preocupação mais importante a ser debatida é – fazer com que os direitos fundamentais sejam efetivamente concretizados.

1.1. Breve Panorama Histórico

Segundo Alexandre de MORAIS4 o documento histórico mais importante em relação à declaração dos direitos humanos fundamentais é a Magna Charta Libertatum outorgada na Inglaterra em 1.215, pelo Rei João Sem-Terra.

Outros documentos surgiram nos Estados Unidos da América, a garantir os direitos humanos fundamentais, tais como: a Declaração de Direitos de Virgínia de 1.776; a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América de 1.776; Constituição dos Estados Unidos da América, de 1.787.

Finalmente, coube à Assembléia Nacional da França, em 1.789, promulgar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, deferindo-lhe instrumento normativo especificamente voltado ao garantismo dos Direitos fundamentais. Enfim, afirma Norberto BOBBIO citado por Jair Teixeira REIS5 que a Organização das Nações Unidas (ONU) encerrou o problema acerca da legitimação dos direitos fundamentais, por meio da Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 1.948.

Na atual ótica da democracia o garantismo dos direitos fundamentais está unido à limitação do exercício do poder constituído. A noção de direito fundamental objetiva a proteção do ser humano contra a arbitrariedade do poder exercido pelo Estado.

Uma vez que “todo poder emana do povo” e, conseqüentemente esse “poder” é delegado aos representantes eleitos pelo povo6, tal poder deve ser exercido em prol dos cidadãos, jamais de maneira absoluta, motivo pelo qual há inúmeras limitações ao seu exercício, tais como os direitos e garantias fundamentais que abrange aos direitos individuais, coletivos, sociais, políticos e da nacionalidade.

Os destinatários dos direitos fundamentais são todas as pessoas, independente da nacionalidade desde que estejam no território brasileiro. Importante enfatizar que a sua aplicabilidade não se resume aos residentes no Brasil. É entendimento manifesto pelo Poder Judiciário acerca do dispositivo constitucional (art. 5°)7, sendo os direitos fundamentais garantidos também aos estrangeiros que estejam submetidos ao ordenamento jurídico brasileiro, independentemente da condição ao qual estejam submetidos.

É a manifestação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4):

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. TRANSPLANTE DE MEDULA. TRATAMENTO GRATUITO PARA ESTRANGEIRO. ART. 5º DA CF. O art. 5º da Constituição Federal, quando assegura os direitos garantias fundamentais a brasileiros e estrangeiros residente no País, não está a exigir o domicílio do estrangeiro. O significado do dispositivo constitucional, que consagra a igualdade de tratamento entre brasileiros e estrangeiros, exige que o estrangeiro esteja sob a ordem jurídico-constitucional brasileira, não importa em que condição. Até mesmo o estrangeiro em situação irregular no País, encontra-se protegido e a ele são assegurados os direitos e garantias fundamentais. Agravo improvido.8

Deve-se entender que determinado direito, para ser considerado fundamental, necessário que seja essencial à existência digna do ser humano. Neste raciocínio, os direitos fundamentais representam um ônus ao Estado, cujo dever é zelar pela sua garantia. É aquele direito que impulsiona o Estado à sua efetivação. O direito fundamental, entendido de maneira ampla, é aquele direito cuja essência é a concretização da existência digna do ser humano.

1.1.1. As Dimensões dos Direitos Fundamentais

A doutrina discorre sobre a evolução dos direitos fundamentais em gerações ou dimensões. Há um desenvolvimento cronológico do estudo dos direitos fundamentais. Todavia, importante enfatizar que a classificação em gerações, não implica em supressão da anterior pelo surgimento da posterior.

A classificação em dimensões, segundo a melhor técnica, parece ser a mais adequada quando se trata de direitos fundamentais9, pois estes são indivisíveis e interdependentes. Apresentando-se uma visão panorâmica, será feita descrição sintética do desenvolvimento cronológica dos direitos humanos fundamentais que, segundo a melhor doutrina, se classifica em 4 dimensões (ou gerações). São eles:

a) Direitos fundamentais de 1ª dimensão: denominado de direito à liberdade, basicamente um direito individual, onde, na época de seu surgimento, nos idos do século XVII e XVIII, objetivou-se a diminuir a intervenção do Estado em relação às atividades dos indivíduos. Essencialmente aparece como uma resposta ao absolutismo, priorizando a liberdade do homem em relação à interferência nociva do Estado. Em suma, concretiza-se em direitos civis e políticos.

b) Direitos fundamentais de 2ª dimensão: também conhecido como direito à igualdade, surgiu em função da crise do regime político liberal pós 1ª guerra mundial. Verificando-se que o direito à liberdade não refletia o ideal quando se referia à igualdade de direitos, posto que as diferenças sociais tornavam-se cada vez maior a crescente exploração do homem pelo homem.

Na visão de Paulo BONAVIDES tais direitos fundamentais

Dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado. São os direitos sociais...

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