Agravo do projeto nº 156/2009 e possíveis repercussões no habeas corpus

AutorLeonardo Costa de Paula
CargoProfessor de Introdução ao Direito da Universidade Candido Mendes
Páginas768-782

Professor de Introdução ao Direito da Universidade Candido Mendes. Mestre em Direito Público e Evolução Social na linha de pesquisa Acesso a Justiça e Efetividade do Processo pela UNESA-RJ. Bolsista Capes. Pós-graduado em Direito e Processo Penal. Pós-graduado em Docência do Ensino Superior pela UCAM-RJ e advogado criminalista com atuação centrada no Estado do Rio de Janeiro, Advogado integrante do Projeto de Presos Provisórios da Associação para Revisão Prisional, Rio de Janeiro.

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Introdução

Por força da limitação para um objeto de estudo mais focado, selecionou-se o recurso que substituirá o atual Recurso em Sentido Estrito, qual seja, o Agravo, presente no Projeto de Lei 156/2009 podendo ser na forma de Instrumento ou Retido.

O Recurso em Sentido Estrito, dentro de nossa codificação ditatorial e autoritária limita o direito recursal do acusado para alguns casos imprescindíveis de re-análise recursal para a defesa, o que gera o alargamento da utilização do habeas corpus que deveria ser estreita.

Dessa forma, estudou-se o Agravo, e sua repercussão quanto a elasticidade dada atualmente no ação autônoma de impugnação em comento. Nesse sentido, foi de especial relevo chamar a atenção para o não seguimento da paridade de armas existente no recurso em sentido estrito, que a primeira vista parece estar mais equilibrada pelo Projeto 156/2009.

Outra análise que se depreendeu do objeto de estudo foi repercussão do agravo no habeas corpus prevendo uma limitação em sede de legislação infraconstitucional caso vigore com o texto original quanto ao exercício do direito de ação se houve recurso com efeito suspensivo previsto, o que pende para inconstitucionalidade.

1 O recurso em sentido estrito e sua vinculação ditatorial

Para que haja a possibilidade de se tratar da modificação que trata o Projeto 156/2009, sobre a Reforma Global do Código de Processo Penal, no que se refere ao Agravo de Instrumento ou Retido, é imprescindível tratar um paralelo acerca do contexto histórico do atual Código de Processo Penal de 1941 e sua motivação ditatorial.

Sabe-se que a necessidade dos princípios atinentes a um Estado Democrático de Direito é sempre evidente e imprescindível, principalmente quando se trata de Direito Processual Penal, para que haja a possibilidade de um processo que siga a forma dialética, Page 769 permitindo a desconstituição da tese acusatória pela defesa, o que impede o Estado de atuar arbitrariamente contra o acusado.

Apesar de sempre ressaltado é necessário asseverar que o Código de Processo Penal foi instituído em um governo autoritário, a Ditadura de Getúlio Vargas, em 1941. Esse governo autocrático tinha especificamente uma vinculação direta com o Fascismo que existia na Europa.

A menção acerca da fonte legislativa utilizada no Código de Processo Penal é expressa na exposição de motivos do mesmo. Foi utilizado o Código editado pelo Ministro da Justiça do Governo de Mussolini, Rocco. Com isso, pode-se buscar identificar a finalidade a que se propõe tal norma processual.

A identificação da finalidade do processo, dentro de um Estado possibilita que se analise e se busque entender como resolver dúvidas ou incongruências legislativas.

O atual código é oriundo de um momento fascista de uma Itália antes da Guerra Mundial, num contexto em que esta ideologia era de extrema direita, preocupada em manter a base social inabalada, que se preocupa em conservar o sistema sócio-econômico e o benefício da parcela dominante da sociedade. 1

Havia o controle da opinião pública, tanto no Brasil como em todos os outros países no qual o fascismo se implantara. Tudo isso no sentido de influenciar a população a fim de que não se questionasse o governo.

Francisco Campos, signatário da exposição de motivos já define que para a coordenação de um "Código único para todo o Brasil, impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinquem". 2

Dentro do momento fascista do estado brasileiro, não resta dúvida de que o Processo Penal era justamente o locus ideal para que se efetivasse a ação repressiva do Estado, ou seja, aplicar a lei ao caso concreto, sendo necessário restringir o "tão extenso Page 770 catálogo de garantias e favores que a repressão se torna necessariamente defeituosa e retardatária". 3

Identificar a atuação do advogado e vinculação das garantias ao réu já foi visto em outro momento histórico, de grande relevo, qual seja, a inquisição, nela, a presença do Advogado estava incluído no capítulo que trata a respeito dos Obstáculos à rapidez de um processo 4, tal qual o atual Código de Processo Penal.

Essa digressão é imprescindível para verificar a finalidade do processo, e qual o papel do Estado dentro dessa divisão, ao que tudo indica, tanto pela exposição de motivos quanto pelos resquícios claramente inquisitoriais presente no mesmo código, a finalidade do processo penal era efetivar o aparato repressivo penal, buscando-se a máxima verdade real, não importando o resguardo de garantias, apesar de verdade só existir na cabeça de quem busca algo para legitimar sua fúria inquisidora.

O Recurso em Sentido Estrito, que é o atual foco para a comparação com seu provável substitutivo do projeto segue essa linha ditatorial e arbitrária, diminui a amplitude da defesa, impede, na maioria das vezes, que a defesa se insurja contra atos manifestamente nulos.

Quando se trata do recurso em sentido estrito fica evidente que há grande aviltamento da paridade de armas, note-se que as decisões que a) não receber a denúncia; b) concluir pela incompetência do juízo; c) julgar procedente exceção; d) não conceder requerimento de prisão preventiva; e) revogar prisão preventiva; f) conceder liberdade provisória; g) relaxar prisão em flagrante; h) absolver o réu; i) que anular processo; são recursos adstritos somente à acusação.

Se só a acusação poderá recorrer em sentido estrito no caso do não-recebimento da denúncia e a defesa fica impedida de recorrer por força do recebimento da denúncia, é claro que há uma quebra da paridade de armas, insuperável.

A análise deste recurso permite perceber que há manifesta intenção de conferir ao recebimento da denúncia uma normalidade, ou seja, é a regra. Assim, quando houvesse Page 771 uma acusação, o usual e esperado é que ela fosse recebida, pois, pela sistemática do atual código seria possível o juiz modificar tanto a tipificação quanto a narrativa fática do que estaria sendo processado, isso já na sentença, sem nem mesmo importar a defesa neste processo.

A expectativa é vinculada à uma presunção e normalidade, essa "expectativa antecipa um preenchimento (...) que, até indicação em contrário será sempre o preenchimento projectado a partir do que se presume expectável, a partir do que convém à noção de normalidade" 5.

Portanto, é mais que evidente que o atual Código de Processo Penal, não só faz com que a busca da verdade pelo juiz ocorra, mas até que seja o recomendável, impedindo que se escoe a substância do processo, nos moldes da sua exposição de motivos, que é efetivamente alcançar um decreto condenatório.

A finalidade proposta ao processo penal dentro de tal codificação é a de ser diretamente eficaz, com alto índice de condenações, conforme vimos normalidade é que quando denunciado seja condenado.

Vencendo a idéia de que o Processo Penal é o locus para se discutir a questão da impunidade, passando para o ideário que permeia um Estado Democrático de Direito, é necessário que a liberdade seja a regra. E da mesma forma, não ser processado é a regra. Por isso passar a faculdade de recorrer da decisão que recebe a denúncia será de grande mudança para o espectro inquisitorial presente no Código atual, já que atualmente não poderá se utilizar o Recurso em Sentido Estrito para tal.

No sistema atual, permeado pela ideologia legitimada do Estado Novo de Getúlio, na qual a regra deveria ser condenar, somente...

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