Alexis de Tocqueville: percepção jurídica e política da revolução francesa

AutorCesar Luiz Pasold
Páginas28-45

Page 28

Introdução e metodologia

O objeto do presente texto é a obra intitulada "O Antigo Regime e a Revolução" de autoria de Alexis de Tocqueville 1 2.

O seu objetivo é demonstrar aos leitores o resultado da minha releitura da obra objeto 3, agora tendo como referencial a percepção jurídica e política sobre as causas, bases e fundamentos da Revolução Francesa que Tocqueville evidencia no livro.

Para a composição foi utilizado o Método Indutivo tanto na Fase de Investigação quanto como base da lógica do Relato de seus resultados, aplicando a técnica da Análise na fase de tratamento dos dados, operacionalizando também as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. 4

Buscarei na sequência e após os balizamentos conceituais fornecer breve retrato biográfico, apresentar o draft do livro e, logo depois, resumir (sem que isto signifique compromisso com uma eventual redução de espaço textual) as informações, as constatações e os juízos de valor de Tocqueville na obra aqui trabalhada, da forma mais fiel possível à luz do referencial mencionado.

Encerrarei com Considerações Finais, contendo estímulos para reflexões, nas quais colecionarei três aspectos que considero efetivos incentivadores ao prosseguimento de pesquisas, estudos, debates e reflexões não só sobre a obra de Tocqueville, como também sobre a Revolução Francesa, tema que jamais será alcançado pela prescrição de interesse.

Com o presente texto procuro, sobretudo:

(1) permitir ao meu leitor que já leu "O Antigo Regime e a Revolução" que o releia para cotejar e conferir o conteúdo e retomar ou retocar as suas reflexões,

e /ou

(2) incentivar o meu leitor que não leu aquele livro que o faça, sob os meus mais vigorosos estímulos à verificação crítica do presente ensaio.

Descrita sucintamente a metodologia utilizada, anunciada a sua estrutura básica e os compromissos quanto ao seu objeto, à fixação de seus objetivos e às finalidades sob a demarcação de seu referencial, é momento de prosseguir cuidando de balizar conceitualmente algumas categorias (palavras ou expressões estratégicas) de sua lógica de conteúdo.

1 Balizamentos conceituais para o presente ensaio

É necessário, inicialmente, estabelecer um conceito operacional 5 para a categoria "percepção jurídica e política".

Faço-o em forma de conceito operacional dissertativo 6 assim proposto: percepção jurídica e política é o registro de (1) elementos do direito positivado e/ou de jurisprudência e/ou de doutrina; e (2) circunstâncias e fatos das relações humanas coletivas sob a égide do exercício do poder, quanto a um determinado fenómeno histórico ou contemporâneo, sendo o registro seguido ou imediatamente conectado com a emissão de juízo de valor, ou seja, de análise que culmina com opinião tanto sobre elemento jurídico, circunstância ou fato político quanto sobre o fenómeno como um todo. 7

Devo aduzir neste momento do meu texto duas observações importantes.

A primeira é que no conceito agora proposto compreendo a Política como: relações humanas coletivas sob a égide do Poder. E a segunda é que, neste conceito, estou optando, em termos de fundamento linguístico, pelo segundo significado atribuível à palavra Percepção que é, conforme Nicola Abbagnano, "um significado mais restrito, segundo o qual designa o ato ou a função cognoscitiva à qual se apresenta um objeto real" 8. No presente ensaio, como já mencionado ao início, o objeto real é a obra "O Antigo Regime e a Revolução". Page 29

No caso concreto do presente texto, fui buscar - em releitura muito atenta especialmente porque sob novo referente - a percepção jurídica e política constante numa obra publicada à distância cronológica de 67 anos do fenómeno histórico que ela examina e avalia. Tocqueville publicou a obra em 1856 e a Revolução Francesa, como é consabido, eclodiu em 1789.

Situando o início dos estudos, Daniela Mesquista Leutchuk de Cademartori registra que "depois de 1840, as preocupações de Tocqueville afastam-se do tema específico da democracia para se dedicarem cada vez mais à revolução." 9

Há quem possa dizer que a distância histórica é, ainda assim, muito pequena para uma análise peremptória e um julgamento terminante (o que Tocqueville apresenta em um significativo número de momentos), porque sequer um século teria se passado entre o fato histórico e a manifestação do analista.

Este argumento é de ser respeitado.

Entretanto, entendo ser conveniente ponderar que no caso concreto da obra sob exame, a análise de Tocqueville se fez, em grande parte, sobre as causas e os fundamentos do movimento revolucionário que, ao seu juízo, já estavam, em fortes aspectos, consolidados na vivência multissecular do Antigo Regime, portanto distantes, em certos aspectos, há mais de dois e três séculos da percepção do autor francês.

Enfim, penso que este tópico relacionado com a distância histórica do fenómeno frente à percepção do cientista político deve ser levado em consideração para as reflexões sobre esta obra de Tocqueville sem, contudo, tornar-se item determinante de peremptório juízo de valor quanto à perda de substância ou não da obra em tela. Mais adiante no presente texto o próprio autor argumentará a este respeito.

De outra parte, registro que há quem possa contestar e considerar inapropriada a designação de Revolução ao que se passou em 1789, pleiteando como adequada a denominação de Rebelião ou Revolta.

Este pleito esbarra em conceito operacional já consolidado na Teoria Política.

Jorge Grespan, enfatizando que "a Revolução Francesa não é um movimento unívoco e linear, marchando de modo inevitável para um resultado final", reconhece que, por causa dela, "a definição mesma de 'revolução', que estava se desenhando continuamente, sofre uma alteração crucial, decisiva para a posteridade até hoje em dia". 10

Neste diapasão, Gianfranco Pasquino 11 adverte que foi exatamente durante a Revolução Francesa que se consagrou uma modificação decisiva na concepção de Revolução, modificação esta que já se inserira no pensamento de autores iluministas que se haviam inspirado e "nutrido muitos dos líderes dessa Revolução". Assim, "da mera restauração de uma ordem perturbada pelas autoridades, se passa à fé na possibilidade da criação de uma ordem nova; da busca da liberdade nas velhas instituições, se passa à criação de novos instrumentos de liberdade; enfim é a razão que se ergue contra a tradição ao legislar uma constituição que assegurasse não só a liberdade, mas trouxesse também a felicidade ao povo." 12

Finalmente, registra Pasquino que Revolução "é a tentativa, acompanhada do uso da violência, de derrubar as autoridades políticas existentes e de as substituir,a fim de efetuar profundas mudanças nas relações políticas, no ordenamento jurídico-constitucional e na esfera sócio-política".

Não há como confundi-la com rebelião ou revolta, eis que esta se circunscreve a uma área geográfica determinada e é, o mais das vezes, isenta de modificações ideológicas, não propugna a subversão total da ordem constituída, mas o retorno aos princípios originários que regulavam as relações entre as autoridades, as políticas e os cidadãos, e visa à satisfação imediata das reivindicações políticas e económicas". Um exemplo de rebelião dentro do período histórico do próprio Antigo Regime (Ancien Régime) é a Fronda, que ocorreu no Século XVII, que é caracterizado por Georges Lefebvre como a "última revolta da aristocracia". 13

Também, ressalte-se, Revolução não se confunde com o Golpe de Estado, cuja configuração se faz somente "como uma tentativa de substituição das autoridades políticas existentes dentro do quadro institucional, sem nada ou quase nada mudar dos mecanismos políticos e sócio-económicos". 14 Page 30

A Revolução, portanto, caracteriza-se por uma tríade essencial, na medida em que "só se completa com a introdução de profundas mudanças nos sistemas político, social e económico." 15

Georges Lefevbre, um dos maiores especialistas em 1789, não tinha a menor dúvida sobre a condição de Revolução daquele evento, tanto que em "uma espécie de dramaturgia histórica" 16ele a percebe numa dimensão quadrífida: revolução aristocrática, revolução burguesa, revolução popular e revolução camponesa. 17

Registro que, para Norberto Bobbio, "por 'revolução' - no significado moderno da palavra, pelo menos desde a Revolução Francesa em diante - entende-se um determinado tipo de movimento e um determinado tipo de mudança". 18

E, encerrando este tópico, trago aqui à colação Nicola Abbagnano, cujo registro, peremptório, é o de que Revoluções "propriamente ditas foram a inglesa, a americana, a francesa e a russa." 19

Prosseguindo, considero que também merece balizamento semiológico inicial, para os efeitos do presente ensaio, a expressão Antigo Regime (Ancien Régime).

Ettore Rotelli registra que "por Ancien Régime se entende um certo modo de ser que caracterizou o Estado e a Sociedade francesa num período de tempo, bastante definido em seu termo final e menos definido em seu termo inicial". O período final é marcado pelos "anos 1789-1791". No que concerne ao período inicial, "os autores recorrem a diversas interpretações, não excluída uma, muito recente, que adota precisamente a data de 1648". Rotelli aduz que, "todavia, a opinião clássica que, definitivamente, é também a mais útil para compreender o Ancien Régime", situa-a como tendo início no período compreendido "entre a Guerra dos Cem Anos e a Guerra das Religiões", ao "final da Idade Média". O mesmo autor lembra que este conceito se firmou, por contraposição, tão somente...

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