ALGUMAS BATALHAS ESTÃO SENDO PERDIDAS. PERDEREMOS A GUERRA?

AutorSueli Gandolfi Dallari
Páginas7-22
Editorial
R. Dir. sanit., São Paulo v.18 n.2, p. 7-17, jul./out. 2017
DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v18i2p7-17
ALGUMAS BATALHAS ESTÃO SENDO
PERDIDAS. PERDEREMOS A GUERRA?
Já conversamos neste espaço sobre as disputas ocorridas nos primeiros anos
desta década a respeito dos sistemas públicos universais de saúde e da chamada cobertura
sanitária universal1. O fato é que a saúde passou a ser tema de interesse na Assembleia
Geral da Organização das Nações Unidas (ONU)2.
Essa história começou em 2009, quando, na Organização Mundial da Saúde
(OMS), foi iniciado um movimento para conter a disseminação das doenças não trans-
missíveis, naquele momento encabeçado pela International Diabetes Federation, pela
World Heart Federation e pela Union for International Cancer Control. Tais organiza-
ções avocavam a primazia na convocação de uma cúpula das Nações Unidas sobre as
doenças não transmissíveis. Começava, então, o debate mais acirrado entre aqueles
que defendiam a simples extensão da cobertura de serviços de assistência médica e os
detratores dessa ideia, que armavam que tal solução não seria capaz de atender aos
muitos outros programas de saúde pública, indispensáveis para assegurar “uma visão
mais ampla, com um conjunto de objetivos com metas e indicadores de prevenção,
tratamento, determinantes sociais, sistemas de saúde, mudanças climáticas e equidade,
entre outras preocupações”3. (Tradução livre.) Assim, os argumentos variaram da neces-
sidade de “estabelecer e estimular uma agenda sanitária global para o acesso universal a
medicamentos e bens de saúde. [...] sublinhando o importante papel dos medicamentos
genéricos na realização do direito à saúde”4 (tradução livre), até a armação de que os
programas de ajuste, levando os governos a diminuir gastos públicos e ao desenvolvi-
mento de um setor privado que visa ao lucro, dentro de uma lógica de mercado, não
produziriam “saúde. Esse debate permeou a 67ª Sessão Plenária da Assembleia Geral
1DALLARI, Sueli Gandolfi. Editorial. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 7-9, out.
2012. Disponível em: 7>. Acesso em:
15 nov. 2017. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v13i2p7-9 e Id. Editorial. Revista de Direito
Sanitário, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 7-10, jun. 2013. Disponível em:
article/view/56620/59637>. Acesso em: 15 nov. 2017. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9044.
v14i1p7-10.
2UNGA. Political Declaration of the High-level Meeting on the Prevention and Control of Non-communicable
Diseases. Sixty-sixth session. Disponível em:
3       The Lancet, v. 380, n. 9854, p. 1632, 10 Nov.
2012. Acesso em 13 out. 2017. Disponível em: extImages?pii
=S0140-6736%2812%2961932-1>. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(12)61932-1.
4No original: “We agree to establish and encourage a global health agenda for universal access to affordable
medicines and health commodities.” [...] we underlined the important role of generic medicines in the realization
of the right to health.” BRICS Health Ministers’ Meeting -- Beijing Declaration (11 July 2011). Disponível em:
67-brics-health-ministers-meeting>. Acesso em:
13 out. 2017.
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Dallari S. G.
R. Dir. sanit., São Paulo v.18 n.2, p. 7-17, jul./out. 2017
da ONU, que terminou aprovando um documento de consenso que encorajava os
governos a planejar ou prosseguir a transição para o acesso universal a serviços de
saúde acessíveis e de qualidade5.
Entretanto, no ambiente de construção dos novos objetivos do milênio6,
é possível perceber a repartição dos interesses entre os defensores da resposta às
doenças não transmissíveis e aqueles que agora claramente defendem a cober-
tura sanitária universal. Na revisão da ONU sobre as doenças não transmissíveis,
evoluiu-se para o reconhecimento da necessidade de comprometimento e atuação
no nível dos Estados-Membros. Além disso, ao ser adotada a Agenda 2030 para o
desenvolvimento sustentável, o objetivo 3º – “Assegurar uma vida saudável e promo-
ver o bem-estar para todos, em todas as idades.7” – incluiu a redução de um terço
da mortalidade prematura por doenças não transmissíveis por meio da prevenção
e do tratamento a ser vericada no coeciente atribuído à doença cardiovascular,
ao câncer, à diabetes ou à doença respiratória crônica (meta e indicadores 3.4.18).
Por outro lado, foi criado um grupo de pressão que reivindicava, na 65ª
Sessão do Comitê Regional da 52ª Reunião do Conselho Diretor da Organização
Pan-Americana de Saúde, ser necessário “priorizar o acesso universal à saúde, enten-
dida como a garantia do direito à saúde, respondendo não apenas à cobertura dos
serviços de saúde, mas também às intervenções nos determinantes sociais da saúde,
como o objetivo prioritário a ser apresentado na Agenda de Desenvolvimento pós-
2015. Propõe-se, também, [...] impulsionar a cobertura universal, que deve incluir o
acesso a todas as intervenções importantes, e fortalecer os sistemas de saúde, como
meta s”9. A Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, no mesmo objetivo 3º,
deniu como meta e indicadores: “alcançar a cobertura sanitária universal, incluindo
a proteção do risco nanceiro, o acesso aos serviços essenciais de atenção à saúde
5UNITED NATIONS. General Assembly. GA/11326. Adopting consensus text, General Assembly encourages
member states to plan, pursue transition of national health care systems towards universal coverage. Dec
12, 2012. Disponível em: .
6Na Assembleia Geral da ONU, em 2014, foi apresentada a proposta - discutida no Intergovernmental
Negotiations on the Post 2015 Development Agenda (IGN), entre janeiro e agosto de 2015 - e a Agenda
2030 para o desenvolvimento sustentável, denominada “Transformando nosso mundo” em setembro
de 2015. UNITED NATIONS. Disponível em: .un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/
RES/70/1&Lang=E>. Acesso em: 13 out. 2017..
7BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: .gov.br/images/ed_desenvsust/
Agenda2030completoportugus12fev2016.pdf >. Acesso em: 13 out. 2017.
8UNITED NATIONS. General Assembly. Resolution adopted by the General Assembly on 6 July 2017. Seventy-

9ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. 52º Conselho Diretor. 65ª
Sessão do Comitê Regional. Os objetivos de desenvolvimento do milênio e as metas de saúde na região das
américas. Disponível em:
ad=rja&ved=0CJcBEBYwCQ&url=http%3A%2F%2Fwww.paho.org%2Fhq%2Findex.php%3Foption%3Dcom_
docman%26task%3Ddoc_download%26gid%3D22651%26Itemid%3D270%26lang%3Dpt&ei=hLw6UuanO
9O04AP8rYGYCg&usg=AFQjCNHLO_abVXBi-p6Q2_R4IOph8D9EvA&sig2=8SZtfn6l14ytFkUzj2fP_g&bvm=bv
.52288139,d.dmg>. Acesso em: 13 out. 2017.

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