Algumas considerações sobre o direito fundamental ao desenvolvimento humano e o projeto de lei de responsabilidade fiscal e social

AutorIvanilda Figueiredo
CargoDoutoranda em Direito e autora do livro Políticas Públicas e a Realização dos Direitos Sociais.Professora licenciada da Associação Caruaruense de Ensino Superior. Coordenadora da pesquisa
Páginas134-147

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1. Em busca de uma definição para o conceito “direito ao desenvolvimento humano”

O direito ao desenvolvimento é um direito humano internacionalmente assegurado1 e sua efetivação é um compromisso mundial assumido pelos 191 países signatários da Declaração do Milênio. Apesar disso, a rodada de discussões internacionais sobre a cooperação em prol do desenvolvimento suscita inúmeras controvérsias, notadamente, quando se confrontam os preceitos deste direito com os pressupostos da globalização. Por força dos novos parâmetros de relacionamento entre nações, “tanto Estados centrais, quanto periféricos, em diferentes graus precisam cooperar em um nível supranacional nas mais diversas áreas: econômica, militar, ambiental e de saúde, entre outras”.

Essa cooperação pode se dar em diversos níveis: desde a hipótese de países economicamente mais poderosos mascararem seus interesses colonialistas, em nome de uma cooperação com os Estados mais fracos destePage 135elo até o outro extremo, que, como forma de resistência, se reflete em par-cerias entre os diversos setores da sociedade civil organizada para garantir que a mitigação da Soberania e das fronteiras atuem de modo positivo, permitindo que a interação entre os países eleve o nível de vida dos cidadãos, constituindo o que se convenciona chamar de globalização contrahegemônica. É de um desenvolvimento que no plano internacional ajude a concretizar uma cooperação neste segundo sentido e internamente cola- bore para a melhoria da sociedade com um todo que se cogita quando se anuncia tratar-se de um direito ao desenvolvimento humano. Este estudo, em particular, irá considerar o tema do ponto de vista interno, especial- mente, a partir da possibilidade de inclusão do mesmo dentro do Projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal e Social. Pretende-se demonstrar que tal projeto além de assegurar o cumprimento das metas sociais pode fazê-lo dentro de uma perspectiva mais ampla orientada a concretizar o direito ao desenvolvimento humano.

O direito fundamental ao desenvolvimento está presente no ordenamento brasileiro através de diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, bem como tem sede constitucional entre os objetivos da República (Art. 3º, II). Ora, nenhuma norma constitucional pode ser analisada isoladamente. Portanto, uma rápida leitura do artigo 3º já dá a noção de que tipo de desenvolvimento está se referindo a Constituição, não é um mero desenvolvimento econômico. Trata-se de um direito ao desenvolvimento que assegure também uma sociedade, livre, justa e solidária, na qual não exista pobreza, marginalização, nem desigualdades regionais, nem tampouco preconceitos de raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Indo um pouco mais longe e analisando os direitos e garantias fundamentais, a ordem econômica e a ordem social, é possível notar que inexiste outro modo de desenvolvimento condizente com os preceitos constitucionais. No Brasil, o desenvolvimento tem de ser um desenvolvimento humano.

Discutir desenvolvimento apenas com base em conceitos econômicos não só é desconsiderar toda a teoria contemporânea sobre a necessidade de se conjugar diversos valores ao desenvolvimento como também é afrontar a Constituição e os tratados internacionais que o Estado se obrigou a respeitar. Reconhecer isso é um primeiro passo.

Acontece que embora se possa identificar a partir do que foi dito que quando se cuida de desenvolvimento humano está se tratando de um de-Page 136senvolvimento que respeite direitos humanos ainda há inúmeras controvérsias sobre os direitos que estariam abarcados nesse pressuposto: seriam todos os direitos civis, políticos, sociais e ambientais? Quais são todos estes direitos? Onde estaria o catalogo no qual eles estariam extensivamente enumerados? Logicamente, se sabe que é hoje impossível criar um rol fixo para dizer exatamente quais são tais direitos. Até mesmo os “clássicos” direitos, a vida e a liberdade ganham diferentes contornos a depender do narrador. Seria possível utilizar os parâmetros do Índice de Desenvolvimento Humano para formar tal rol? Mesmo que se achasse resposta a esses questionamentos e se formasse uma lista extensiva, ainda haveria uma indagação pairando: o direito ao desenvolvimento humano é tão-somente um cabedal de outros direitos interligados? Ou detém um conceito próprio?

Para responder a esses questionamentos primeiro é preciso esclarecer de plano: o Índice de Desenvolvimento Humano é um reducionismo criado para afastar uma análise ainda mais falha que se baseava tão só na renda dos indivíduos. O próprio Amartya Sen, um de seus criadores, já o reconheceu como insuficiente para aquilatar todos os matizes do desen-volvimento de uma sociedade2, pois o IDH se centra na educação e na saúde e tem uma abordagem centrada no homem sem devotar atenção às liberdades políticas, à participação cívica e à importância da ação coletiva. Como define Fukuda-Par, um grande estudioso da obra de Sen que atua diretamente com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento tentando preencher as lacunas do IDH:

Além dos limites impostos pelos dados, o índice está longe de incluir todos os aspectos do desenvolvimento humano. Nesse sentido, não se pode afirmar que, em todos os casos, a qualidade de vida das pessoas melhora com o aumento no valor do IDH. Embora o IDH possa ter crescido, é bem possível que se constate um aumento na repressão política, ou na taxa de violência, ou na discriminação racial. (...) O índice não inclui, explicitamente, três outras capacitações importantes: liberdades políticas, segurança pessoal e participação na vida da comunidade.

Já a segunda pergunta, se o direito ao desenvolvimento possui um conceito próprio. Primeiro é preciso dizer que do modo como diagramadoPage 137na Normativa Internacional3, especialmente na Declaração de Direito ao Desenvolvimento da ONU, este direito parece tão-somente abarcar em seu seio a interdependência entre direitos civis, políticos e sociais. Ocorre que ele se presta a mais que isso: é um direito autônomo. Arjun Segupta pronunciou-se afirmando que tal prerrogativa não eram tão somente “um direito guarda-chuva”, mas “o direito a um processo que expanda as capacidades ou liberdades individuais, para fomentar o bem-estar dos indivíduos e a capacidade de valorizá-lo”4. Veja-se que o conceito exposto pelo expert da ONU segue na mesma linha do defendido pelo Prof. José Maria Gómez, quando este, assevera partir “da premissa de que entre os direitos humanos, o desenvolvimento e a democracia não existem apenas uma compatibilidade desejável, mas uma interconexão intrínseca”.

Seguindo o mesmo raciocínio, reconhece-se aqui o direito ao desenvolvimento como um direito formal e materialmente autônomo, com conteúdo próprio, qual seja, o direito de todo indivíduo desenvolver, plenamente, sua capacidade de agente. “Capacidade de agente é a possibilidade dos indivíduos fazerem uso de funcionamentos (liberdades formais e materiais) que os permita realizar de modo consciente e liberto o tipo de vida que almejam e com razão”5.

A capacidade de agente se materializa com o desfrute das liberdades instrumentais ou funcionamentos, definidas por Amartya Sen, quais sejam:

  1. liberdades políticas (nelas inclusas, além do direito de voto, a efetivação dos direitos civis de liberdade); II. Facilidades econômicas (distribuição de rendas e de bens econômicos); III...

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