Algumas considerações sobre a atuação ilícita no sistema financeiro nacional

AutorHaroldo Malheiros Duclerc Verçosa - Renato S. Pelizzaro
Páginas110-127

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1. A competência do Banco Central do Brasil e o conceito de instituição financeira A instituição financeira irregular (de fato) ou por equiparação

De acordo com o art. 10, inciso IX da Lei n. 4.595/1964, compete ao Banco Central do Brasil (BCB) fiscalizar as instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas.

O conceito de instituição financeira, por sua vez, é dado pelo art. 17 do mesmo texto legal, como sejam, "as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, in-termediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros".

Embora tenha havido e ainda se mantenha uma discussão no âmbito teórico,1 a melhor doutrina, à qual aderimos, assentou há muitos anos que o exercício de qualquer das atividades acima caracteriza isoladamente uma empresa como instituição financeira, afastada a conjugação de duas ou mais delas e, mais do que isto, completa-mente desconsiderada a idéia de sua cumu-latividade. Basta, portanto, insistimos, que seja praticado isoladamente algum tipo de operação de coleta, intermediação ou aplicação de recursos próprios ou de terceiros ou, ainda, a custódia de valor de propriedade de terceiros para que o agente se qualifique como instituição financeira.

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A própria história do Sistema Financeiro Nacional - SFN (nascido em 1964) corresponde à sua construção a partir de instituições financeiras especializadas em determinados segmentos de atuação. E algumas daquelas empresas simplesmente não foram concebidas para a atuarem no campo da intermediação de recursos financeiros, como foi o caso das distribuidoras de títulos e valores mobiliários. Estas efe-tuam a intermediação na oferta pública de valores mobiliários, mas jamais de recursos financeiros em espécie. Tais empresas também não aplicam recursos no mercado.

Somente muito mais tarde no tempo, por meio da Resolução 2.099, de 1994, editada pelo Conselho Monetário Nacional - CMN surgiram os bancos múltiplos, que podem operar por meio de suas carteiras nas diversas áreas do mercado financeiro desde que, para tanto, destaquem o capital mínimo necessário para cada uma delas.

Sabe-se, ainda, que atualmente as sociedades de crédito, financiamento e investimentos (as antigas financeiras) não mais contam com a emissão de letras de câmbio ao portador para o levantamento de recursos no mercado, como se dava até a extinção desses títulos no direito brasileiro, determinada a partir da promulgação do chamado Plano Collor. Sua capitalização se dá fundamentalmente por meio da negociação de Certificados de Depósito Interbancário - CDIs, com base no lastro do seu capital próprio e não mais de terceiros

Além disto, tem-se conhecimento que a posição recente do BCB contra a atuação das empresas administradoras de cartões de crédito mostra justamente o oposto da idéia de cumulatividade das operações previstas no art. 17 dan. 4.595/1964. Estas empresas, como se sabe, do lado de suas operações passivas não fazem a captação de recursos públicos enquanto que em relação a suas operações ativos financiam o titular dos cartões, seja pelo prazo concedido entre a data econômica de sua utilização e o pagamento da fatura corresponden-te, seja, em eventual acréscimo de tempo pelo parcelamento dos valores da mesma fatura. Além disto, as empresas em questão cobram dos seus clientes quando se dá o parcelamento, as chamadas taxas de juros de mercado (ou até mesmo fixadas em patamares mais elevados e abusivos), típicas de instituições financeiras, vedadas aos particulares ou a outros tipos de empresas.

O conceito vertente se complementa pela constatação de que as atividades relacionadas no art. 17 da Lei n. 4.595/1964 devem ser exercidas a título de objeto social, seja ele principal ou acessório. Não se cuida, portanto, de um acidente na vida da empresa, mas do próprio exercício do seu negócio, mesmo que decorrente de algum desvio de objeto determinado pelos seus administradores.

De outro lado, a lei volta-se no parágrafo único do aludido art. 17 para a equiparação às instituições financeiras às "pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual". Trata-se de um tema que não nos interessa abordar no momento.

Tendo em vista, ainda, a competência do BCB, a lei equipara às instituições financeiras, no parágrafo único do mesmo art. 17, as pessoas físicas que exerçam as atividades inerentes àquelas, de forma permanente ou eventual.

A prática permanente das atividades próprias de instituição financeira por parte de quem não o seja regularmente (o que depende de prévia e expressa autorização do BCB) implica na caracterização do agente como instituição financeira irregular ou de fato, à qual o legislador estendeu os efeitos da legislação apropriada, inclusive no campo das penalidades aplicáveis, correspondendo a infração, precisamente, ao fato de sua atuação irregular ou de fato.

Esclareça-se, por oportuno, a diferença entre os conceitos de instituição financeira irregular e de fato. No primeiro caso, encontra-se aquela que não cumpriu

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em sua totalidade os requisitos para autorização do BCB ou que deixou de atendê-los a partir de determinado momento. Pode ser caracterizada, ainda, por atuar em área para a qual não recebeu a devida autorização, como seria o caso de um banco múltiplo em relação a alguma de suas carteiras. Já a instituição financeira de fato exerce a atividade completamente à margem da legislação pertinente, invadindo de forma absoluta a competência privativa das empresas regulares.

A diferença de tratamento jurídico entre a primeira e a segunda das situações acima reside na possibilidade de ser sanada a irregularidade da instituição financeira regular em casos concretos, para tanto se dando efeito retroativo à decisão favorável do BCB. Quanto às instituições financeiras de fato, não haverá como sanar a sua irregularidade genética.

Os agiotas, sejam pessoas naturais ou estejam disfarçados em pessoas jurídicas com objetos sociais diversos, claramente se colocam na segunda situação acima, formando parte do chamado mercado marginal, contra o qual o BCB já agiu em tempos passados, mas que desde muitos anos deixou de ser uma de suas preocupações. Mas a competência é expressa e o dever legal de fiscalização e punição indeclinável.

O uso do termo eventual, decorrente de um evidente erro do legislador, levaria em uma interpretação simplória a caracterizar como equiparada às instituições financeiras qualquer pessoa que, por exemplo, viesse a efetuar uma operação de empréstimo para um amigo necessitado. A jurisprudência, aliás, tem se equivocado freqüentemente em tal sentido, como este autor já teve oportunidade de observar em alguns comentários de acórdãos publicados anteriormente nesta mesma RDM ns. 115/142 e 117/163.

Portanto, as instituições financeiras regulares são aquelas sociedades cujo ob-jeto corresponde a uma ou mais das ati-vidades relacionadas no art. 17 da Lei n. 4.595/1965 e que obtiveram do BCB a devida autorização para funcionamento em um ou mais campos de sua competência.

Em contraposição reafirme-se que, evidentemente, as instituições financeiras irregulares ou de fato são as sociedades que exercem alguma(s) da(s) atividade(s) presente(s) na relação do art. 17, mas o fazem extravasando a sua competência ou à revelia de qualquer autorização do BCB, atuando estas últimas de fato no mercado como empresas daquela natureza. Aplicando-se o conceito em pauta, deve-se ater ao fato de que o seu objeto social das instituições financeiras de fato, seja principal ou acessório, é correspondente a uma ou mais das atividades próprias de instituição financeira.

2. As conseqüências da atuação irregular ou de fato como instituição financeira nos planos do Direito Tributário, Bancário Administrativo e Penal Bancário
2. 1 O Direito Tributário

Considerando-se que o Direito Tributário prevê o pagamento de impostos por operações de empréstimos realizados por sociedades não financeiras, como veremos abaixo, ainda assim, não se pode argumentar que ele teria autorizado operações de crédito praticadas por empresas não financeiras. Esta é matéria que escapa à sua competência.

Neste sentido, verifica-se que na esfera tributária, são devidos impostos sempre que ocorrido o fato gerador, independentemente do fato de ser a atividade regular ou irregular. Para este efeito, o Direito Tributário mostra-se realista, conforme se pode verificar pelas disposições próprias do Código Tributário Nacional (CTN):

Art. 118 do CTN:

A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:

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I - da validade jurídica dos atos efe-tivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;

II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.

Ressalte-se, no entanto, que...

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