Alguns aspectos que envolvem a nacionalidade das sociedades comerciais

AutorLeonardo Medeiros Régnier
Páginas86-99

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Justificativa

Trata-se, o presente artigo, de parte de um estudo maior ("Os Blocos Económicos e a Nacionalidade das Sociedades Comerciais", Capítulo Terceiro) orientado pelo Professor Doutor Fábio Ulhoa Coelho, na oportunidade em que concluíamos pós-gra-duação em Direito Empresarial oferecida pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1996. Daí que, para essa Revista, optamos tão-somente por repassar alguns conceitos e teorias relacionados com a nacionalidade das sociedades comerciais.

Da leitura, pois, dos parágrafos seguintes, anteriores à tentativa de definição do sentido de nacionalidade, ficará clara a doutrina com a qual nos identificamos, que de pronto é trazida à baila. Entretanto é de se atentar para o fato de que os capítulos, itens e subitens excluídos neste artigo - mas que fazem parte da monografia completa - que serviam para justificar e sustentar o posicionamento adotado, não prejudicam a compreensão do texto ora selecionado e adaptado.

Sobre o assunto, então, específico de nacionalidade, manifestaram-se alguns autores: Comme Vindividu est national d'un pays et sujet de droit de Vordre juridique propre à ce pays, de même une société est rattachée à un Etat, et présuppose Uexis-tence d'un ordre juridique qui Ia recon-naisse, auquel elle soit subordonnée, et qui lui permette d'invoquer des droits.1

"As sociedades comerciais têm nacionalidade, cujo reconhecimento é necessário para os efeitos extraterritoriais".2

"No que tange à questão da nacionalidade das pessoas jurídicas, o problema, segundo nós, desdobra-se nesses dois pontos: l9 - se a natureza da pessoa jurídica comporta o atributo da nacionalidade; 29 - no caso afirmativo, qual o critério determinador dessa nacionalidade. Para nós afigura-se-nos indenegável a presença de uma nacionalidade na pessoa jurídica".3

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As sociedades, portanto, como pessoas jurídicas que são (ao menos em sua maioria), e, assim, como sujeitos de direitos e obrigações, estão sempre a mercê de um ou mais ordenamentos jurídicos, e a delimitação da sua nacionalidade é que irá definir sob qual regramento estará subordinada. Com efeito, esse o centro do presente estudo.

I Conceito de nacionalidade

Para, todavia, pensarmos em nacionalidade das sociedades, somos compelidos a, inicialmente, contemplar questão de essência, como seja o conceito de nacionalidade, que, segundo António M. dos Santos,4 é entendido "na sua acepção mais lata, como vínculo jurídico-político de pertença de um sujeito de direito a um Estado, corresponde a uma realidade sociológica, factual, que lhe está subjacente e que, por isso mesmo, é extrajurídica".

Para Villegas5 nacionalidad es el término que designa, hasta por antonomásia, ai sujeto que pertenece a Ia entidadpolítica nación; y en tal sentido expresa Ia idea de un vínculo jurídico que une a tos miem-bros de un Estado.

De modo que para ambos a nacionalidade representa o vínculo de união entre um indivíduo e sua nação de origem.

Por sua vez, Lagarde6 atribui duas dimensões à nacionalidade em sentido amplo. A primeira seria uma dimensão vertical - também chamada por ele de dimensão jurí-dico-política - isto é, a ligação (o elo, o vínculo) do indivíduo com o Estado a que pertence, que, segundo Lagarde, lembra a relação do vassalo com o suserano, e que encerra, assim, uma série de obrigações para com o Estado (a exemplo do exercício militar), e deste para com o indivíduo (proteção diplomática em território estrangeiro). A segunda seria uma dimensão horizontal - ou sociológica-que faz do indivíduo membro de uma comunidade, da população que integra o Estado ao qual é nacional.

De tudo, então, pode-se concordar, ainda que de forma ligeira, que nacionalidade é uma condição ou qualidade de quem ou do que é nacional7 (ou nationalité8).

2. A nacionalidade das pessoas físicas

Outro ponto cuja abordagem é imperiosa antes de entrar na questão da nacionalidade das sociedades, é o que diz respeito às pessoas físicas ou naturais, pois, como bem colocou Guiomar de Freitas, "as normas são, na maioria das vezes, elaboradas para elas e depois aplicadas às sociedades".9 Como exemplo citou Harry Henn:10 The corporation, for purposes of júris -diction over the person, ifdomestic, istrea-ted like the resident natural person.

As pessoas físicas, portanto indivíduos, quando não apátridas, estão sempre vinculados a um país, e sua nacionalidade - de acordo com os entendimentos supra mencionados - é o laço jurídico de união entre eles.

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Da mesma forma que existem critérios para aquisição de nacionalidade por uma sociedade, também existe com relação a essas pessoas físicas, que a adquirem através de um fato jurídico, podendo ser: o nascimento (que é a nacionalidade originária, natural, através dojus sanguinis ou jus soli); o benefício de uma lei; a naturalização; ou pela conquista e incorporação de um território por um Estado (que são nacionalidades secundárias ou derivadas).

Guiomar de Freitas, em sua dissertação, lembra ainda de outras formas de aquisição da nacionalidade, menos comuns, mas presentes em vários países, como o jus domicilii e o jus laboris:11 "houve quem defendesse o domicílio como critério autónomo para aquisição de nacionalidade, como um usucapião aquisitivo, a favor de quem se encontrasse em um país por tempo determinado. Entretanto, o que se admite na prática é o uso do domicílio como elemento subsidiário na aquisição da nacionalidade, tanto originária como secundária". Por outro lado, "há legislações que admitem o serviço em prol do Estado como elemento favorecedor e facilitador para a consecução da naturalização".12

Por fim não é demais lembrar os preceitos estabelecidos na Convenção de Haia de 1930, que dispôs, em seu artigo primeiro, um princípio de competência para definir a nacionalidade, segundo o qual cabe a cada Estado determinar, por sua legislação, quais são os seus nacionais. Em seguida, no artigo segundo, completa dizendo que toda questão relativa ao ponto de saber se um indivíduo possui a nacionalidade de um Estado será resolvida de acordo com a legislação desse Estado.

De todo modo, apesar de oportunos os juízos sobre a nacionalidade das pessoas físicas, certo é que diferem bastante da nacionalidade das pessoas coletivas. Concordamos, nesse aspecto, com os ensinamentos de Yves Guyon: il existe des différences entre Ia nationalité despersonnes physiques et celle des sociétés .... Ia nationalité des sociétés est moins riche de conséquences que celle des personnes physiques, En effet, Ia société, mêmefrançaise, nejouitpas des droits civiques etpolitiques. La nationalité d'une société ne produit guère dyeffets que sur leplan de lajouissance ou de Vexercice des droits prives.13

3. Teorias que negam a nacionalidade das sociedades

Quando entramos propriamente na questão sob o ponto de vista das pessoas coletivas, veremos que as teorias que admitem ou negam a nacionalidade das sociedades, de algum modo assemelham-se, mutatis mutandis, às teorias que admitem ou negam a personalidade jurídica.

A esse respeito, destacamos para análise algumas teorias principais que não aceitam a nacionalidade das sociedades (um tanto numerosas, mas, par contre, bastante menos convincentes); e, por lado diverso, outras que a consideram. Começamos, então pelas negativistas.

  1. Teoria da Ficção14 - Essa teoria enfatiza que a pessoa jurídica, e, portanto, a sociedade, é uma abstração criada pelo Direito, não se lhe permitindo, dessa forma, o atributo da vontade própria, e assim não podendo agir livremente.

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    Segundo esse modo de ver, compartilhado e levado às últimas consequências pelo jurista belga F. Laurent, as pessoas jurídicas são pura criação do Direito, que não repousam em qualquer substrato fático e não têm suporte no mundo real. São, desse modo, puros conceitos formulados que levam a simples abstrações. Elas não têm vontade nem, tampouco, existência real, visto não viverem além do plano das normas jurídicas que as criaram.

    Desse posicionamento, o mestre português, António M. dos Santos15 concluiu que: "Para quem considera, como Laurent, que as pessoas colectivas são uma pura criação do legislador, sem qualquer ligação com a realidade, forçoso será tirar as duas consequências seguintes: - em primeiro lugar, visto que os entes colectivos são uma criação ex nihilo do legislador (ou da lei - e, como tal, acidental e arbitrária), eles têm um carácter puramente territorial e deverão ser re-criados pelos legisladores estrangeiros, sempre que as suas actividades cruzem as fronteiras do ordenamento que lhes atribuiu a sua fictícia individualidade. A segunda consequência, ..., é que não é sequer concebível, a esta luz, falar de nacionalidade das pessoas colectivas".

    Agora, saindo da esfera teórica e pesquisando mais a fundo o lado prático da questão, veremos que existe abundante jurisprudência baseada na teoria da ficção para negar o conceito de nacionalidade às sociedades, da qual, a primeira decisão que se tem notícia foi a sentença proferida pelo juiz Marshall, da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, em 1809, no caso Bankofthe United States v. Deveaux.16

    Para concluir, podemos dizer que aos adeptos da teoria da ficção, a nacionalidade é um atributo reservado exclusivamente aos indivíduos (enquanto pessoas físicas), não sendo admitida sua extensão às pessoas jurídicas.

  2. Teoria do Controle - Existe-t-il vraiment une nationalité des sociétésl Essa a questão proposta pelo jurista francês Niboyet em artigo célebre publicado na Revue de Droit International Prive, no ano de 1927, dando continuação à teoria por ele formulada, que acabou sendo a grande corrente contrária à...

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