Alimentos Provisionais

AutorGelson Amaro de Souza - Gelson Amaro de Souza Filho
CargoDoutor em Direito Processual Civil (PUC/SP) - Advogado e jornalista
Páginas6-17

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Introdução

Um dos temas mais intrigantes no sistema jurídico pátrio está na tutela do direito aos alimentos provisionais, muito embora, por vezes confundido com o direito à tutela provisória de alimentos (alimentos provisórios)1. Tanto na doutrina como nos meios forenses, vez por outra aparece a utilização da palavra alimentos provisionais como se se tratasse de alimentos provisórios2.

Os direitos aos alimentos provisórios e aos alimentos provisionais, muito embora parecidos, não podem ser confundidos. Os dois constituem-se em direito a alimentos, mas, com natureza e objetividades jurídicas diferentes. Trata-se de direitos (alimentares) diferentes, com origens e obrigações diferentes, bem como também diferentes as objetividades jurídicas a serem protegidas. Disto resulta que a tutela a ser buscada pela via judicial também deve ser diferente. Por isso, o sistema jurídico brasileiro consagra a via cautelar para a tutela dos alimentos provisionais (arts. 852 a 854 do CPC) e a via especial (Lei 5.478/68) e a ordinária (arts. 732 a 735 do CPC) para a tutela do direito aos alimentos provisórios.

Procurar-se-á demonstrar que se trata de direitos alimentares, mas que são diferentes, implicando diferentes consequências, de forma tal que não se pode confundir uma espécie com a outra3.

São diferentes no procedimento, no conteúdo, na origem e na natureza. Os alimentos provisórios caracterizam tutela antecipada e têm natureza de direito material, enquanto os alimentos provisionais são caracterizados como tutela cautelar e têm natureza processual. Os alimentos provisórios destinam-se a se tornar definitivos após o encerramento do processo, enquanto os alimentos provisionais jamais se tornam definitivos, porque se extingue a obrigação de provê-los assim que o processo é encerrado4.

1. Alimentos

Ao se falar em alimentos, dáse a ideia de que são apenas as substâncias necessárias para a sobrevivência do ser humano. É verdade que o termo ‘alimentos’ está diretamente ligado ao controle da fome e à forma de se manter a pessoa alimentada. No entanto, sob o ponto de vista jurídico, não se pode limitar à simples satisfação da fome, senão incluir na expressão ‘alimentos’ outros itens que completam a necessidade humana.

No passado, talvez se pudesse ver os alimentos como simples meio de saciar a fome, mas hoje precisa-se ir mais longe e adicionar outros elementos, entre eles a liberdade. A expressão liberdade que alimenta o espírito humano representa o estado psíquico de viver da sociedade com liberdade para agir. Isto somente acontece quando a pessoa recebe uma porção de benefícios que vão muito além dos simples alimentos para matar a fome5.

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Em verdade o ser humano não tem fome só de comida, mas a de aprender, do saber6, exercer, executar atividades, trabalho, lazer e atividades sociais, morar, vestir, proteção à saúde etc. Isso só se alcança quando se interpreta a necessidade de alimentos de forma extensiva. O direito a alimentos vai muito além da simples comida: esta alimenta apenas o corpo, mas o ser humano precisa também de alimentos para o espírito.

Hoje, a expressão direito a alimentos já não mais condiz com a realidade, pois, para a sobrevivência, o ser humano precisa de muito mais para suprir as necessidades básicas, entre elas vestuário, moradia, estudos, atividades sociais. Melhor seria que esta expressão fosse subs-tituída por outra mais abrangente, tal como "direitos à satisfação das necessidades básicas" ou, então, por "direito de socorro"7.

A concessão de alimentos consistente somente no fornecimento de comida pode, no muito, alimentar o corpo, mas certamente não alimentará a alma. O maior alimento da alma é a liberdade e esta somente se conquista com o estudo, aprendizado e fruição do mínimo existencial necessário ao exercício da cidadania. Sem o exercício da cidadania não há liberdade e sem liberdade não há vida digna. Para uma vida digna é preciso a fruição do mínimo existencial necessário.

Em se tratando de alimentos provisionais, a legislação processual brasileira amplia o leque dos benefícios anunciados, passando a integrar na expressão ‘alimentos provisionais’ as despesas processuais (art. 852, parágrafo único, do CPC). Deve ficar bem claro que a expressão ‘despesas processuais’ abrange custas judiciais, porte de remessa e retorno, despesas com diligências, tais como, perícias avaliações, citações, intimações entre outras, bem como, honorários advocatícios8 contratados pela parte necessitada para a propositura da ação ou de defesa, que nada têm a ver com as verbas sucumbências ao final.

2. Obrigação alimentar

Toda obrigação nasce da lei9.

O direito existe mesmo sem lei, mas a obrigação é imposta por lei. Mas a lei aparece como representação do direito objetivo (abstrato e geral), exigindo para a sua complementação uma razão fática para transformar o direito abstrato (objetivo) em direito concreto (direito subjetivo).

Como toda obrigação nasce da lei, assim também se dá com a obrigação alimentar, que deve ser imposta por lei, somada a uma circunstância fática10. A obrigação de alimentos deriva sempre da lei que prevê uma determinada situação fática de necessidade na qual se encontra uma pessoa que não pode prover à sua manutenção11, o que se acrescenta também a necessidade da existência fática de uma situação favorável ao obrigado, colocando-o em condições de prestar alimento.

A obrigação alimentar pode ter caráter definitivo quando oriunda do direito de família ou de ato ilícito, o que significa que tem origem em direito substancial, como aqueles previstos no Código Civil ou na lei especial de alimentos. Também existe obrigação alimentar de natureza processual e de caráter tipicamente transitório, que tem duração limitada e vinculada à existência do processo, desaparecendo quando o processo principal é extinto. É originária do direito processual (arts. 852-854 do CPC), nascendo com o processo e se encerrando com a sua extinção, constituindose nos chamados alimentos provisionais12.

Os alimentos provisionais são sempre transitórios e somente são devidos durante a existência de outro processo que será o principal. Por isso têm natureza processual, não se exigindo vínculo de parentesco nem a prática de ato ilícito. Sua origem é tipicamente processual, servem para a manutenção da parte durante o processo principal, por isso, serão concedidos sempre pela via cautelar incidental. Exigese ação cautelar própria, porque o juiz não pode concedê-los de ofício sem o pedido da parte.

3. Necessidade alimentar sem obrigado

Pode acontecer, em determinadas situações, de alguém precisar de alimentos provisionais para a sua mantença com vida digna e não existir um obrigado civil a lhe prestar alimentos. Existem situ-ações em que, mesmo não tendo obrigação civil de prestar alimentos, a parte contrária pode se tornar obrigada a prestar alimentos processuais (provisionais), para o custeio das despesas processuais da parte adversária.

Um dos elementos caracterizadores da obrigação alimentar comum é a necessidade de alimentos por parte do postulante e a possibilidade de pagamento por parte do obrigado e o vínculo familiar ou a ocorrência de ato ilícito. Para os casos de alimentos civis é necessário o vínculo familiar ou a autoria de ato ilícito por parte do obrigado. Para estas espécies de alimentos são necessárias a obrigação alimentar e a existência de alguém que seja obrigado a prestar alimentos civis para uma pessoa necessitada.

Hipótese bem diferente se apresenta nos casos de alimentos provisionais, que em princípio, dispensam o vínculo familiar ou a existência de ato ilícito, bem como

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o direito a alimentos civis pela pessoa necessitada.

A pessoa, mesmo não tendo direito alimentos civis (não sendo familiar ou vítima de ato ilícito), possuindo condições para a sua mantença no dia a dia, pode precisar de alimentos processuais, para suportar as despesas do processo principal na qual está envolvida como autora ou como requerida. De outro lado, a parte contrária, que não está obrigada a pagar alimentos civis, poderá ser obrigada a pagar os alimentos processuais (provisionais), para que a outra não sofra prejuízos nem fique em desvantagem processual durante a tramitação do processo principal13.

Nesta configuração, pode-se dizer que ocorre necessidade alimentar apenas processual e não civil; também, que a parte contrária é obrigada a prestar alimentos processuais, sem ter obrigação de prestar alimentos civis. Ocorre, neste caso, situação curiosa. Há, de um lado, necessidade e direito aos alimentos processuais (provisionais) sem a necessidade e direito aos alimentos civis; de outra parte, existe obrigação de prestar alimentos processuais (provisionais), sem que exista obrigação de prestar alimentos civis. Por isso, os alimentos provisionais são devidos somente durante a existência do processo principal. Encerrado o processo principal, extingue-se o direito aos alimentos provisionais, bem como encerra-se a obrigação alimentar da outra parte.

Essa circunstância impede a confusão entre os alimentos processuais (provisionais) e os alimentos civis. Mesmo aquele que não tem obrigação de prestar alimentos civis pode estar obrigado a prestar alimentos provisionais14; também a parte que não tem direito a alimentos civis, pode ter direito aos alimentos processuais...

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