A análise da (in)constitucionalidade da pesquisa com células-tronco embrionárias no Supremo Tribunal Federal - ADI 3510 - voto da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha(*)

AutorAnelise Rigo de Marco
Páginas209-223
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TRABALHOS FORENSES/CASE STUDIES
A ANÁLISE DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA PESQUISA
COM CÉLULAS-TRONCO E MBRIONÁRIAS NO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL — ADI 3510 — VOTO DA MINISTRA
CÁRMEN LÚCIA A NTUNES ROCHA(*)
ANALYSIS OF THE (UN)CONSTITUTIONALITY OF
RESEARCH WITH EMBRYONIC STEM CELLS
IN THE BRAZILIAN SUPREME COURT
Anelise Rigo de Marco(**)
O homem moderno, em sua sede de conhecer e dominar, por meio da
ciência e utilizando a razão, empreende métodos que lhe permitem os mais
surpreendentes avanços científicos e tecnológicos, como é o caso das
pesquisas e terapias com células-tronco embrionárias.
A Lei de Biossegurança n. 11.105, de 2005 permite, através do seu art.
5º, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias
obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados
após completarem três anos, contados a partir da data de congelamento.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal brasileiro apreciou a
(in)constitucionalidade do art. 5º da referida Lei através de um debate
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(*) Nota do editor: O voto completo da Ministra do Supremo Tribunal Federal Cármem Lúcia Antunes
da Rocha está disponível em
adi3510CL.pdf>. Assim, todos os trechos deste voto elencados no decorrer deste comentário
podem ser consultados no endereço eletrônico mencionado.
(**) Advogada, mestre em Direito; professora da Universidade de Caxias do Sul e da Faplan/
Anhanguera — Faculdade Planalto em Passo Fundo. E-mail: .
Recebido em 16.10.08. Revisado em 12.08.09. Reenviado para revisão do autor em 15.04.10.
Aprovado em 20.04.10
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interdisciplinar. No julgamento da ADIN 3510, destaca-se o voto proferido
pela Ministra Cármem Lúcia Antunes Rocha, o qual merece ser analisado.
A ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármem Lúcia Antunes Rocha,
ao proferir seu voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510, enfatiza a
importância das descobertas no âmbito da biomedicina, especialmente com
a utilização de células-tronco embrionárias, uma vez que elas podem:
[...] tornar-se diferentes tecidos do organismo e são elas que podem
conduzir a novos patamares de pesquisa em benefício de todas as
pessoas, em especial das que padeçam de doenças degenerativas
(mal de Alzheimer, mal de Parkinson, esclerose múltipla, diabetes,
distúrbios cardiovasculares, dentre outras). E não são poucas as
pessoas que sofrem destes males e que têm nas pesquisas a
possibilidade — conquanto ainda não a certeza — de poder resgatar
a sua condição de saúde ou, ao menos, de melhoria das condições
para o viver digno.
Por outro lado, estas mesmas técnicas têm causado riscos e incertezas
para a sociedade, havendo a necessidade de refletir com certa urgência e
preocupação as inúmeras possibilidades para que não contemplem atos
abusivos em desfavor do ser humano e de sua dignidade. Diante destas
contradições, muitos dilemas éticos tornam-se visíveis com estes novos
tratamentos. Assim, busca-se a (re)construção de limites éticos e jurídicos,
tais como o princípio da dignidade humana e a responsabilidade ética, a fim
de reduzir os riscos advindos das pesquisas científicas.
Nesse contexto de avanços biotecnológicos, a bioética(1) surge como
um novo ramo das ciências que têm discutido a inesgotável capacidade
humana de produzir coisas sempre novas. As culturas humanas se
realimentam continuamente, isto é, os seres humanos destacam-se pela
habilidade em produzir novidades. Através dessa dinâmica, o homem é capaz
de adaptar-se diante das situações novas que produz, permitindo o aumento
de conhecimentos, o alargamento das possibilidades de um bem-estar maior;
entretanto, traz o risco do imponderável, do imprevisível, da agressão à
natureza e à própria espécie humana e de uma irresponsabilidade no exercício
de sua criatividade(2).
A bioética enquanto processo interdisciplinar se destaca na sua
conexão com a saúde, pois se trata de uma ciência que evoluiu em
consequência, também, da preocupação social com o aspecto sanitário
(1) Na perspectiva etimológica, bioética consiste no esforço em estabelecer um diálogo entre a ética
e a vida — em grego, bíos significa vida e éthiké significa ética. SAUWEN, Regina Fiúza; HRYNIEWICZ,
Severo. O direito in vitro: da bioética ao biodireito. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1997. p. 7.
(2) SAUWEN, Regina Fiúza; HRYNIEWICZ, Severo. O direito in vitro: da bioética ao biodireito. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 1997. p. 13.
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inerente à sobrevivência humana e à qualidade de vida. De outra forma, a
saúde está entrelaçada com a biologia, uma vez que esta também é uma
ciência que se ocupa da saúde do ser humano.(3) Considerando que a
pesquisa com células-tronco embrionárias é uma das possibilidades de
estudo da bioética, a Ministra Carmem Lúcia, ao proferir seu voto, enfatiza a
interdisciplinaridade do assunto ao afirmar que:
[...] que as manifestações sobre as ideias relativas à questão do uso
das células-tronco embrionárias em pesquisa são legítimas e
desejáveis. Afinal, pesquisa científica diz com a vida, com a dignidade
da vida, com a saúde, com a liberdade de pesquisar, de se informar, de
ser informado, de consentir, ou não, com os procedimentos a partir dos
resultados. Logo, diz respeito a todos e todos têm o legítimo e
democrático interesse e direito de se manifestar.
A Ministra faz referência que a pesquisa científica envolvendo células-
-tronco deve refletir sobre aspectos que relacionam-se com a vida humana,
com a saúde do ser humano, à informação e ao consentimento do paciente
e a liberdade de pesquisar. Tal afirmação demonstra as relações entre a
biologia, a ética, o direito e a saúde do ser humano.
Além desses aspectos, outra problemática que surge com a utilização
de células-tronco embrionárias em pesquisas e terapias é a diferença entre
clonagem reprodutiva e terapêutica. A primeira tem como finalidade a criação
de embriões para transferência uterina, gestação e nascimento de um novo
ser, sendo condenada pela maioria dos cientistas; a segunda, por sua vez,
tem como finalidade a criação de embriões para a obtenção de células-
-tronco e, a partir destas, obter material para pesquisa ou tratamentos. Dessa
forma, a discussão sobre as possibilidades de benefício da técnica, ou mesmo
de seus usos em humanos, perpassa a reflexão sobre a moral arraigada ao
pensamento científico e suas práticas.
O uso de células-tronco humanas oriundas de linhagens do exterior e
as dos chamados “embriões excedentes” constitui o ponto de debate, embora
muitas questões ainda permaneçam em aberto. Três alternativas existem
para a utilização dos embriões excedentes: liberá-los para pesquisa,
encaminhá-los para adoção ou eliminá-los. Com isso, o destino dos embriões
excedentes constitui séria questão que assume contornos éticos, sociais e
jurídicos.
Os principais argumentos contrários à clonagem terapêutica podem
ser resumidos nos seguintes: a vida começa com a concepção: utilizar
embriões para fins terapêuticos é destruir uma vida; os embriões são pessoas
e têm direitos; como são pessoas vivas, não se poderia subtrair-lhes o direito
(3) DOERDELEIN, Germano André. Bioética e risco. Revista Justiça do Direito, Passo Fundo, v. 1,
n. 15, p. 76, 2002.
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de viver; o embrião humano tem o direito absoluto de nascer; não podem ser
usados para quaisquer propósitos, devido ao fato de que não se pode obter o
consentimento informado de um embrião e não há necessidade de usar
embriões, pois as células-tronco adultas podem ser utilizadas com excelentes
resultados para a ciência.
De outro lado, os defensores da utilização de embriões em pesquisas
consideram que: os embriões não são pessoas; os embriões pré-implantados
são um conjunto de células totipotenciais que crescem in vitro e que, quando
são transferidos ao útero, têm potencialidade para converter-se em ser
humano; os embriões merecem todo o respeito e cuidado como se fossem
pessoas, o que não é o mesmo que dizer que o sejam efetivamente; o descarte
pelas clínicas do material embrionário, produzido a mais, durante a
fecundação assistida, não é considerado crime; que como a morte do ser
humano é coincidente com a morte encefálica, então, se a morte coincide
com o término da atividade do sistema nervoso, é licito supor o início da vida
humana com o estabelecimento dos três folhetos embrionários; em
comparação com as células-tronco adultas, as células-tronco embrionárias
são as únicas com potencial para recuperar doenças neurológicas incuráveis,
e somente através das pesquisas é que se poderia fazer células adultas se
comportarem como embrionárias.
Considerando que as células-tronco embrionárias podem originar todos
os tipos de tecidos, e não pode ainda ser substituídas, destaca-se o argumento
da Ministra Carmem Lúcia:
Diferentemente do que foi carreado aos autos quanto às células-tronco
adultas, não há dados científicos a mostrar poderem elas ser utilizadas
para que se transformem em neurônios, o que é necessário para que
se tenha o tratamento de doenças denegerativas. O seu aproveitamento
é assegurado em tratamentos para doenças do sangue, como leucemia
e talassemia, sendo comuns os procedimentos que delas se valem
para a recuperação de músculo e ossos. Com mais de três décadas de
pesquisa, as células-tronco adultas são utilizadas frequentemente nos
procedimentos voltados à renegeração daqueles tecidos. Aqui no Brasil,
a Rede Sarah, por exemplo, utiliza célula-tronco adulta mesenquimal
para o reparo de tecidos que acometem o aparelho locomotor, ossos e
músculos há mais de dez anos. Mas elas não se transformam em
neurônios, portanto não servem para reabilitação de problemas
neurológicos como lesão cerebral, medular (paraplegia, tetraplegia) e
doenças neurodenegerativas (como, por exemplo, mal de Alzheimer,
Parkinson, miopatias, neuropatias periféricas, dentre outras).
Portanto, conclui que a alegação de que não há necessidade de
pesquisas com células-tronco embrionárias em virtude da possibilidade da
utilização de células-tronco adultas, não tem embasamento científico, afinal,
há muito que se pesquisar e conhecer.
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A resposta não está em perguntar quando se inicia a vida humana ou
o ser humano ou a pessoa, uma vez que, qualquer posição que queira definir,
esse momento é sempre passível de questionamentos e argumentações
contrárias, pois também depende de reconhecimento ético. E, ainda, não há
como abordar o problema do começo da vida humana a não ser através da
interdisciplinaridade. Nesse sentido, afirma a Ministra Carmem Lúcia no
julgamento acerca da (in)constitucionalidade da pesquisa com células-tronco
embrionárias que,
[...] para o específico fim de se ter a resposta à questão de saber se são,
ou não, constitucionalmente válidas as normas enfocadas na presente
ação, tenho que se há de afirmarem os princípios constitucionais e a
sua aplicação ao caso, sem que se tenha, necessariamente, de afirmar,
juridicamente, o momento de início da vida para os fins de garantia de
direitos ao embrião ou ao feto.
Portanto, o estabelecimento do momento do início da vida depende de
uma análise entre profissionais e teóricos de várias áreas. Entretanto, a
respeito da constitucionalidade do art. 5 da Lei de Biossegurança, o que é
necessário é a aplicação dos princípios constitucionais nas pesquisas
científicas envolvendo células-tronco embrionárias.
Ainda, a discussão acerca do assunto no Supremo Tribunal Federal
apresenta uma importância para a sociedade, como bem exposto pela
Ministra Carmem Lúcia,
Também manifesto nestas ponderações iniciais, Senhor Presidente, a
minha preocupação com as expectativas que parece ter sido suscitadas
na sociedade quanto aos efeitos práticos e imediatos deste julgamento.
A esperança é um direito natural que as pessoas têm e que não podem
perder, para continuar a ter força para lutar pelo que cada um e todos
mais precisam. Mas não se há confundir a esperança de cura com a
ilusão de uma imediata cura. Nem está no Direito, nem neste Tribunal,
nem no resultado desta ação o bálsamo curador de quem mais precisa
dos efeitos de novas terapias, que têm grande chance de poderem
surgir em algum tempo (ainda não precisado pela ciência) se as
pesquisas, liberadas, chegarem aos resultados hoje esperados pela
comunidade científica dedicada ao tema. Mas que nem se use desta
ação para impedir as pesquisas, nem para falsear ilusões que não
podem ser garantidas agora a quem quer que seja, conforme a unânime
opinião das pessoas sérias e responsáveis que trabalham com a
matéria versada neste processo.
Dessa forma, verifica-se a importância da decisão da votação da Adin
para a sociedade, uma vez que um dos aspectos centrais da bioética reside
exatamente no reconhecimento da pluralidade de opções morais que
caracteriza os conflitos existentes na sociedade atual, em propugnar pela
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necessidade de um acordo mínimo por meio dos quais os indivíduos possam
considerar-se ligados por uma estrutura ética comum, que permita a solução
dos conflitos com um suficiente grau de acordo.
Por isso, os filósofos contemporâneos procuram demonstrar que a ética
contemporânea exige uma fundamentação nova que podem ser encontradas
através dos direitos humanos. A bioética é uma das principais manifestações da
busca em se estabelecer as relações entre a crise cultural e a conscientização
moral crescente da sociedade(4). Pode-se constatar que: “não existem fundamentos
teóricos comuns para os direitos humanos, mas exclusivamente uma concordância
em torno de critérios mínimos que abarcam diferentes posições ideológicas e que
são formalmente aceitos em diferentes sistemas jurídicos nacionais”(5).
Dessa maneira, os limites de caráter ético que devem orientar o uso
adequado ou correto das ciências biomédicas e genéticas molecular estão
diretamente relacionados com os direitos humanos que, por sua vez, têm um
denominador comum: a dignidade humana.
Assim, para possibilitar um maior controle em relação às ações
biomédicas, especialmente, envolvendo pesquisa com células-tronco
embrionárias, torna-se necessário estabelecer quais os valores que correm
o risco de serem atingidos pelas novidades da biotecnologia. As
possibilidades abertas pelos avanços da biotecnologia causam um receio
especial porque estão ligadas às pulsões básicas do ser humano: Eros e
Thanatos — vida e morte. A pergunta clássica na esfera da bioética: até onde
se pode ir? Aborda constantemente a questão dos limites: o limite entre o
começo e o fim da vida humana; o limite entre a coisificação ou não da
pessoa; o limite entre o eugenismo e a manipulação ética do gene, etc.(6)
Nesse sentido, a Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha comenta:
A ciência que pode matar, é certo, também pode salvar, é mais certo
ainda. E se o direito ajusta o que a ciência pode melhor oferecer para que
viva melhor àquele que mais precisa do seu resultado, não há razões
constitucionais a impor o entrave desse buscar para a dignificação da
espécie humana.
Diante deste contexto de incertezas, por mais que as sociedades
tendam a conter os excessos do progresso, é necessário que se estabeleçam
diretrizes éticas e jurídicas para sua orientação em direção ao bem-estar
individual e social, tendo em vista a complexidade e a contingência, inseridas
no contexto biotecnológico. Assim, o voto da Ministra demonstra que, partindo
do estabelecimento dessas diretrizes, não há motivos constitucionais para
impedir as pesquisas científicas que busquem a dignificação do ser humano.
(4) BARRETTO, Vicente de Paulo. Bioética, biodireito e direitos humanos. In: TORRES, Ricardo
Lobo. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 392.
(5) Id. Ibid., p. 512.
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Deve-se refletir sobre o papel do direito na tentativa de evitar a utilização
indiscriminada da ciência. A partir dos princípios constitucionais e normativas
internacionais, é possível oferecer alguns subsídios para a reflexão que visam
assegurar a proteção da vida humana, da saúde e de condições dignas de
sobrevivência. Dessa forma, o princípio da dignidade humana é a base ou o
fundamento de todo o pensamento bioético e constitui o ponto de partida
para a formulação das leis.
No decorrer do julgamento da Adin n. 3510, indagou-se: que legitimi-
dade teria o Poder Judiciário para afirmar inconstitucional uma lei que o
Poder Legislativo votou, o povo quer e a comunidade científica apóia? A
Ministra Carmem Lúcia, se manifesta neste sentido:
No Estado Democrático de Direito, os Poderes constituídos desempenham
a competência que lhes é determinada pela Constituição. Não é exercício
de poder, é cumprimento de dever. [...] É com o só compromisso com a
Constituição que há de atuar esse Supremo Tribunal, neste como em
qualquer outro julgamento. O juiz faz-se escravo da Constituição para
garantir a liberdade que ao jurisdicionado nela é assegurado.
Portanto, verifica-se que o Direito deve acompanhar os avanços da
sociedade, assim como o Supremo Tribunal Federal tem o dever de
resguardar os direitos e garantias constitucionais, das violações ocorridas
em textos infraconstitucionais.
A Constituição Federal Brasileira, no art. 5º, caput, assegura a
inviolabilidade do direito à vida e o art. 2º, do Código Civil, põe a salvo desde
a concepção os direitos do nascituro. Entretanto, como destacado
anteriormente, a Lei de Biossegurança n. 11.105, de 2005 permite, através
do seu art. 5º, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco
embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in
vitro e não utilizados após completarem três anos, contados a partir da data
de congelamento.
A problemática que emerge no que se refere às pesquisas com células-
-tronco embrionárias envolve o significado conceitual da palavra vida no
contexto da legislação brasileira. Nesse sentido, diversas são as
possibilidades, podendo ser citadas algumas. Se a vida tem início a partir do
momento da concepção, utilizar células-tronco embrionárias nas pesquisas
poderia representar um aborto. No caso de embriões congelados por muitos
anos, o potencial de vida não existe e acabam se tornando inviáveis e são
descartados, sendo assim, poderia ser permitido o seu uso para pesquisas
para descobrir quais são os benefícios e riscos da terapia celular, que é o
que a atual Lei de Biossegurança autoriza.
Conforme se pode verificar, a proposta da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 3.510 perante o Supremo Tribunal Federal, se deu,
dentre outros fatores, face a complexidade presente na relação entre a referida
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Lei de Biossegurança e o conceito de vida estabelecido pelo Código Civil
atual, o qual entende que a vida humana começa com a concepção.
Não se pode proteger a dignidade humana sem considerar um dos
valores fundamentais que é a vida. Entretanto, para que a vida seja respeitada
e manifestada, existem outros valores interligados indispensáveis para a sua
concretização, tais como, a saúde, a qualidade de vida,(7) a educação, o trabalho
e o lazer, ou seja, a qualidade de vida em todas as suas formas. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 25, inciso I, afirma o seguinte:
Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a
si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário,
habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e
direitos à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez,
velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em
circunstâncias fora de seu controle(8).
Assim, a palavra “vida” não possui apenas um significado. Num primeiro
sentido físico ou natural, têm-se uma conceituação da palavra, em seu sentido
etimológico; já num outro sentido cultural, histórico, apresenta-se uma valoração
do que seria “vida”. Cada pessoa, assim como a sociedade, possui valores, não
sendo possível conceituar vida, qualidade de vida e morte, sem situá-las dentro
do sistema e do processo histórico. É quase impossível separar-se o sentido
biológico e científico de vida de sua conceituação geral e filosófica. Assim, a
Ministra Cármem Lúcia destaca a importância da Declaração ao proferir seu voto:
A Declaração vem estatuir para todas as sociedades que o homem tem
status fundamental jurídico e político que o faz ser dignificado em seus
direitos fundamentais pela sua só natureza. A humanidade afirmada,
no caso daquele documento, com o nascimento faz reconhecer-se e
assegurar-se o status de liberdade e igualdade em dignidade e direitos
a todos os homens.
A Constituição Federal Brasileira assegura esses direitos no art. 6º(9).
Para que a dignidade exista, precisa da vida para se manifestar e, essa por
(6) SAUWEN, Regina Fiúza; HRYNIEWICZ, Severo. op. cit., p. 8-9.
(7) Como critério auferidor do que seja uma vida saudável, parece apropriado utilizar os parâmetros
estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde, quando se refere a um completo bem-estar
físico, mental e social, parâmetro este que, pelo seu reconhecimento amplo no âmbito da comunidade
internacional, poderia igualmente servir como diretriz mínima a ser assegurada pelos Estados.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60.
(8) DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM. Disponível em:
direitos/deconu/textos/integra.htm>. Acesso em: 15 jan. 2007.
(9) "Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência
da República. Casa Civil. Disponível em:
Constitui%E7ao.htm>. Acesso em: 15 jan. 2007.
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sua vez, só consegue propalar a sua expressão através da saúde, da
educação, do trabalho e do lazer”(10). Nesse sentido, “a valorização da vida
humana é a pedra de toque e o ponto de referência primordial da bioética.
Mas, para entender o significado da vida humana, não se pode reduzi-la a
um puro fato biológico; ela é, antes de mais nada, um evento pessoal”(11).
Ainda, referindo-se à complexidade da utilização de células-tronco
embrionárias em pesquisas científicas, verifica-se que o Código Civil dedica
normas específicas às pessoas naturais, ao nascituro e à prole eventual.
Ocorre que os embriões não são pessoas naturais, porque ainda não
nasceram com vida; não são nascituros, porque não se encontram in utero;
e, como prole eventual, também não se caracterizam, eis que já concebidos,
já existentes, o que parece afastar a eventualidade pretendida pelo legislador.
Os embriões concebidos in vitro necessitam de proteção jurídica
específica, posto que não se enquadram na definição de pessoa natural,
mas também se distanciam da subordinação aos interesses econômicos dos
titulares de direitos, caracterizado dos bens. Nessa ordem de ideias, é
possível afirmar que a codificação civil reflete um distanciamento entre o
direito e a realidade biotecnológica dos embriões in vitro.
Embora, não havendo consenso sobre o estatuto jurídico do embrião,
ressalta-se a necessidade do sistema jurídico buscar dar conta dos fatos
novos criados pelo progresso da ciência, precisando reavaliar e rever muitos
de seus instrumentos metodológicos e epistemológicos. Os códigos
cristalizados em determinado momento da história foram funcionais, mas
muitos de seus componentes não atendem a todas as possibilidades que
emergem da realidade biotecnológica.
Nesse sentido, existe o desejo de introduzir na legislação um conceito
moderno de respeito à vida. A evolução dos tempos e as mudanças dos
valores humanos e sociais estão se direcionando no sentido de considerar a
vida, não com um significado puramente biológico, mas, uma busca de proteção
para que a vida seja dotada de uma perspectiva de existência digna.
Na busca do direito acompanhar a evolução da ciência biomédica,
especialmente, na proteção da vida humana, surge o biodireito constitucional
como um ramo do direito público, cujo objetivo é regrar a conduta humana
relacionada com as pesquisas científicas que manipulam a vida. Nesse
contexto, o biodireito posiciona-se como meio de transição do discurso ético
da conduta humana no desenvolvimento da atividade científica para a ordem
jurídica, estabelecendo um limite — dignidade da pessoa humana — e um
fim — qualidade de vida.
(10) DIAFÉRIA, Adriana. Clonagem: aspectos jurídicos e bioéticos. Bauru: Edipro, 1999. p. 55.
(11) JUNGES, José Roque. Bioética: perspectivas e desafios. São Leopoldo: Unisinos, 1999. p. 71.
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A respeito da dignidade da pessoa humana, a Ministra Cármem Lúcia
Antunes Rocha fundamenta o seu argumento com o pensamento kantiano.
Para Kant, o grande filósofo da dignidade, a pessoa (o homem) é um fim,
nunca um meio; como tal, sujeito de fins e que é um fim em si, deve tratar
a si mesmo e ao outro. Aquele filósofo distinguiu no mundo o que tem um
preço e o que tem uma dignidade. O preço é conferido àquilo que se pode
aquilatar, avaliar até mesmo para a sua substituição ou troca por outra de
igual valor e cuidado; daí porque há uma relatividade deste elemento ou
bem, uma vez que ele é um meio de que se há valer para se obter uma
finalidade definida. Sendo meio, pode ser rendido por outro de igual valor
e forma, suprindo-se de idêntico modo a precisão a realizar o fim almejado.
Em relação à discussão acerca da (in)constitucionalidade da pesquisa
com células-tronco embrionárias, respeitosamente, conclui que:
(...) na espécie em apreço, a célula-tronco embrionária põe-se, na
legislação examinada, como uma dignidade, não havendo como lhe
atribuir um preço. Ao contrário. A busca tão apaixonada dos
pesquisadores pela manutenção de liberdade de pesquisa com ela é
exatamente por ser cada uma delas insubstituível e, por isso, na
compreensão da dignidade que lhe é dado conferir e realizar, põe-se
ao cuidado do cientista para realizar o único fim agora para ela
vislumbrada, não implantável no útero como se terá tornado. Até porque,
se assim não fosse, não seria ela aproveitável para os fins previstos na lei.
Portanto, não há como questionar a reflexão filosófica realizada pela
Excelência. Ao demonstrar a compreensão da dignidade da pessoa humana
como valor diretamente relacionado e alcançado na utilização das células-
tronco embrionárias nos moldes previstos pela Lei de Biossegurança, destaca-
-se que a bioética transforma-se na fonte mais recente de direitos humanos.
Em relação aos princípios éticos que devem ser obedecidos nas
pesquisas, a Ministra Cármem Lúcia destaca que:
(...) a liberdade de expressão da atividade intelectual e científica é
considerada um dos fundamentos constitucionais do art. 5º, da Lei n.
11.105/05. Bem assim o desenvolvimento científico e a pesquisa que
podem servir à melhoria das condições de vida para todos. A
compatibilização de tais regras com os princípios magnos do sistema,
aí assegurada, sempre e em todo e qualquer caso a dignidade humana,
dota-as do necessário fundamento constitucional, de modo a não se
reconhecer nelas qualquer ponto de invalidade.
Neste contexto, não se pode deixar de mencionar o problema da
possibilidade de estabelecer restrições à própria dignidade da pessoa.
Considerando pelo menos em nível teórico e em caráter por ora especulativo
se, para assegurar a dignidade e os direitos fundamentais de uma determinada
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pessoa — neste caso, o embrião — se acaba, por vezes, afetando a dignidade
de outra pessoa — o portador de uma doença grave a espera de cura —
cuida-se de saber até que ponto a dignidade da pessoa pode ser efetivamente
tida como absoluta, isto é, completamente infensa a qualquer tipo de restrição
e/ou relativização. Desde logo:
Sendo todas pessoas iguais em dignidade (embora não se portem de
modo igualmente digno) e existindo, portanto, um dever de respeito
recíproco (de cada pessoa) da dignidade alheia (para além do dever
de respeito e proteção do poder público e da sociedade), poder-se-á
imaginar a hipótese de um conflito direto entre as dignidades de pessoas
diversas, impondo-se — também nestes casos, o estabelecimento de
uma concordância prática (ou harmonização)(12).
Dessa forma, se o estatuto do embrião in vitro está sujeito a uma
avaliação ética gradualista, a proteção do embrião é orientada pelo princípio
da proporcionalidade. Um embrião in vitro, excluído de um projeto parental,
deve ser mantido em condições de cultural e de crioconservação ótimas,
mas o seu destino é perecer, pelo que é impossível dar proteção total à sua
vida. Usá-lo para pesquisa, da qual possa resultar benefícios para outros é
eticamente aceitável, segundo o princípio da proporcionalidade, porque, sendo
a morte do embrião inevitável, a morte por motivo de pesquisa produz um
benefício(13). Em relação a esse argumento, a Ministra Carmem Lúcia elucida:
A utilização de células-tronco embrionárias para pesquisa e, após o
seu resultado consolidado, o seu aproveitamento em tratamentos
voltados à recuperação da saúde não agridem a dignidade humana,
constitucionalmente assegurada. Antes, valoriza-a. O grão tem de morrer
para germinar. Se a célula-tronco embrionária, nas condições previstas
nas normas agora analisadas, não vierem a ser implantadas no útero
de uma mulher, serão elas descartadas. Dito de forma direta e objetiva,
e ainda que certamente mais dura, o seu destino seria o lixo. Estaríamos
não apenas criando um lixo genético, como, o que é igualmente
gravíssimo, estaríamos negando àqueles embriões a possibilidade de
se lhes garantir, hoje, pela pesquisa, o aproveitamento para a dignidade
da vida. A sua utilização é uma forma de saber para a vida,
transcendendo-se o saber da vida, que com outros objetos se alcança.
Conhecer para ser. Essa a natureza da pesquisa científica com células-
tronco embrionárias, que não afronta, mas busca, diversamente, ampliar
as possibilidades de dignificação todas as vidas.
Diante dessa constatação,
O que exigimos é que os seres humanos sejam capazes de diferenciar
o certo do errado mesmo quando tudo o que têm para guiá-los seja
(12) SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 121.
(13) SERRÃO, Daniel. Estatuto do embrião. Revista Bioética, Brasília, v. 11, n. 2, p. 112, 2003.
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apenas seu próprio juízo, que, além do mais, pode estar inteiramente
em conflito com o que eles devem considerar como opinião unânime
de todos a sua volta(14).
Em relação à Lei de Biossegurança, o art. 5º e parágrafos estabelecem
que o objeto do procedimento legalmente permitido são embriões produzidos
in vitro, inviáveis ou congelados há três anos ou mais, na data da publicação
da lei ou que, já congelados naquela data, venham a completar três anos,
contados a partir da data do congelamento. Ainda, devem ser utilizados para
fins únicos da pesquisa e a terapia, exigindo o consentimento dos genitores,
a aprovação prévia do comitê de ética da entidade pesquisadora, sendo
vedada a comercialização de embriões, células ou tecidos; a engenharia
genética em célula germinal humana, zigoto e embrião, bem como a clonagem
humana. O que o texto autoriza é a utilização para fins de pesquisa e não de
terapia. Dessa maneira, a Ministra esclarece em relação a utilização para
fins de terapia que:
(...) não há pesquisa sobre células-tronco embrionárias terminadas ou
assentadas em sólidas bases científicas que pudessem admitir tal
conclusão.
Em curso há apenas uma década, tais pesquisas não podem ainda ser
consideradas validadas para fins de utilização como terapia, porque
então não se teria tratamento, mas mera experimentação com seres
humanos. Tanto não se compatibiliza com o princípio da dignidade da
pessoa humana.
Pode-se afirmar que há necessidade de se interpretar a norma, quanto
à terapia, como dotada de conteúdo estrito e coerente com a regra
constitucional. Assim, segundo a Ministra, o direito à terapia como forma de
tratamento deve ser “a partir de bases e resultados científicos consolidados
e aceitos pelos órgãos e instituições competentes”. Portanto,
(...) cumpre realçar a distinção entre tratamento, cuja remissão consti-
tucional é expressa como forma de acesso aos cuidados com a saúde,
direito fundamental da pessoa (art. 6º, 199, § 4º, da Constituição), e
terapia. Palavras geralmente tomadas como sinônimas, a terapia pode
ser tida como a adoção de práticas e procedimentos que conduzam a
formas de tratamento. Entretanto, há terapias experimentais, o que
poderia indicar, se adotado aquele conteúdo normativo sem o confor-
mar aos princípios constitucionais, que também nestes e para estes
casos estaria a lei validando a imediata utilização de embriões e o que
é pior, a utilização das pessoas submetidas a tais procedimentos. Tera-
pias feitas a título de experimentação com o uso do ser humano não se
compatibilizam com os princípios da ética constitucional, em especial,
(14) ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 318.
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com o princípio da dignidade da pessoa humana. E neste caso, nem
tanto pela utilização dos embriões, mas porque se utilizariam pessoas
como verdadeiras cobaias, serventes que seriam à experimentação de
técnicas ainda sem qualquer amparo em bases científicas e resultados
concretos obtidos nas pesquisas.
A partir dessas possibilidades e do risco de não poder prever as
consequências futuras das ações do homem, que ocasionam debates éticos,
cabe ressaltar a importância em relação ao controle e fiscalização das
entidades responsáveis pela pesquisa envolvendo células-tronco
embrionárias. Nesse sentido, a Ministra do Supremo Tribunal Federal,
Carmem Lúcia, afirma que talvez há um:
déficit de constitucionalidade, pois o atendimento do disposto no art.
225, § 1º, inc. II, que outorga ao poder público o dever de “fiscalizar as
entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético”
reclama maior severidade no regramento das formas de controle das
instituições de pesquisa e dos serviços de saúde que as realizem.
Estes dados encarecem o resguardo pretendido quanto à observância
dos princípios da responsabilidade ética que há de marcar tais pesquisas
e, futuramente, as terapias que vierem a poder ser adotadas em
benefício de doentes.
Nesse sentido, a Constituição Federal brasileira estabelece que deve
haver responsabilidade ética na realização das pesquisas, mas que,
principalmente, deve haver fiscalização por parte do poder público nas
entidades responsáveis.
Dworkin escreve sobre esses avanços biotecnológicos e faz uma
referência em relação às incertezas e riscos, afirmando que “o terror que
muitos de nós sentimos com o pensamento da engenharia genética não é
um medo do que é errado; antes, é o medo de perder nossa segurança sobre
o que é errado”(15). Por isso, a importância da fiscalização e controle com
mais severidade nesta área da biomedicina, conforme a Ministra destacou
em seu voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade.
A discussão acerca da (in)constitucionalidade da utilização de células-
tronco embrionárias para fins de pesquisa no Supremo Tribunal Federal
brasileiro, foi um marco histórico face ao debate interdisciplinar ocasionado,
especialmente, pela realização da audiência pública na Suprema Corte.
O destaque merecido ao voto da ilustre Ministra Carmem Lúcia que
julgou constitucional o art. 5 da Lei da de Biossegurança, autorizando a
utilização das células-tronco embrionárias para fins de pesquisa nos moldes
da referida lei, teve por fundamento a inexistência de razões constitucionais
(15) DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. p. 446.
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a impor o entrave a desse buscar para dignificação da espécie humana.
Destaca, ainda, que a liberdade com responsabilidade ética da pesquisa
científica deve ser um fator que merece a atenção da sociedade.
Neste contexto de inseguranças, o cientista, o pesquisador e o jurista
precisam realizar um trabalho acompanhado por reflexões de caráter moral.
A responsabilidade ética dos agentes responsáveis pelas decisões refere-
-se aos cuidados que estes têm que ter ao analisar os benefícios e os
malefícios da pesquisa e, dessa forma, os primeiros têm sempre que ser
superiores aos segundos.
Ressalta-se, ainda, a necessidade do sistema jurídico buscar dar conta
dos fatos novos criados pelo progresso da ciência, precisando reavaliar e
rever muitos de seus instrumentos metodológicos e epistemológicos. Os
códigos cristalizados em determinado momento da história foram funcionais,
mas muitos de seus componentes não atendem a todas as possibilidades
que emergem da realidade biotecnológica. A evolução dos tempos e as
mudanças dos valores humanos e sociais estão se direcionando no sentido
de considerar a vida dotada de uma perspectiva de existência digna.
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2000.
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Advogado, 2001.
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2003.
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