Análise da ineficácia do poder judiciário brasileiro no que concerne a proteção dos direitos humanos específicos dos negros

AutorJurandir Antonio Sá Barreto
CargoProfessor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Doutor em Estudos Étnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia E-mail: jurandirbarretojr@yahoo.com.br https://orcid.org/0000-0001-9783-3794
Páginas241-265
Revista Direito.UnB |Revista Direito.UnB | Setembro-Dezembro, 2021, V. 05, N. 03 | ISSN 2357-8009 | pp. 223-239 Setembro-Dezembro, 2021, V. 05, N. 03 | ISSN 2357-8009 | pp. 223-239
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de familiares impedidos de realizar os ritos fúnebres e de exercer seu direito ao luto. de familiares impedidos de realizar os ritos fúnebres e de exercer seu direito ao luto.
É importante destacar que desde sua primeira sentença, no caso Velasquez Rodrigues É importante destacar que desde sua primeira sentença, no caso Velasquez Rodrigues
vs. Honduras, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) afirma o caráter vs. Honduras, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) afirma o caráter
pluriofensivo do desaparecimento forçado de pessoas, que:pluriofensivo do desaparecimento forçado de pessoas, que:
[...] constitui uma violação múltipla e continuada de numerosos direitos
reconhecidos na Convenção [...]. A prática dos desaparecimentos, enfim, tem
resultado, com frequência, a execução dos presos, em segredo e sem submetê-
los a julgamento, seguida da ocultação do cadáver com o objetivo de apagar
todos os vestígios materiais do crime e buscar a impunidade daqueles que o
cometeram, o que implica uma brutal violação do direito à vida, reconhecido no
artigo 4 da Convenção” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
1988: par. 155-157).
A ausência de corpo ou restos mortais e a inexistência de informações tornam-se A ausência de corpo ou restos mortais e a inexistência de informações tornam-se
modos de perpetuar o sofrimento. Pois, a angústia da morte anônima, presumida, mas modos de perpetuar o sofrimento. Pois, a angústia da morte anônima, presumida, mas
não confirmada, impede que se inscreva simbolicamente a existência das pessoas em não confirmada, impede que se inscreva simbolicamente a existência das pessoas em
um ciclo fechado de vida. Ao lidar com a presença de uma ausência, o que se configura é um ciclo fechado de vida. Ao lidar com a presença de uma ausência, o que se configura é
uma interrogação diante do vazio que se coloca entre a morte e a vida: o anacronismo de uma interrogação diante do vazio que se coloca entre a morte e a vida: o anacronismo de
um luto sempre adiado. Daí, “a categoria desaparecido representa esta tripla condição: um luto sempre adiado. Daí, “a categoria desaparecido representa esta tripla condição:
a falta de um corpo, a falta de um momento de luto e a falta de uma sepultura” (CATELA, a falta de um corpo, a falta de um momento de luto e a falta de uma sepultura” (CATELA,
2001: 150), impondo um legado de dor e sofrimento permanente ao círculo familiar do 2001: 150), impondo um legado de dor e sofrimento permanente ao círculo familiar do
desaparecido.desaparecido.
3. Conclusão
Nesse contexto de grave crise de saúde pública, de violação sistemática de direitos Nesse contexto de grave crise de saúde pública, de violação sistemática de direitos
humanos e de matança em grande escala, que segue em curso nos espaços prisionais, humanos e de matança em grande escala, que segue em curso nos espaços prisionais,
é preciso efetivar medidas urgentes de desencarceramento. A exigência de medidas é preciso efetivar medidas urgentes de desencarceramento. A exigência de medidas
judiciais céleres, no sentido da redução da superlotação e da observação rigorosa das judiciais céleres, no sentido da redução da superlotação e da observação rigorosa das
garantias de direitos fundamentais, é premente. Se as pessoas privadas de liberdade garantias de direitos fundamentais, é premente. Se as pessoas privadas de liberdade
têm direito, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), “às mesmas condições de têm direito, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), “às mesmas condições de
prevenção e assistência que o restante da população, conforme dispõe a Constituição prevenção e assistência que o restante da população, conforme dispõe a Constituição
Federal, a Lei de Execução Penal, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Federal, a Lei de Execução Penal, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de
pessoas privadas de liberdade e dispositivos internacionais, tais como as Regras Mínimas pessoas privadas de liberdade e dispositivos internacionais, tais como as Regras Mínimas
das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos” (SÁNCHEZ das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos” (SÁNCHEZ ET ALET AL., 2020: 2), como é ., 2020: 2), como é
possível que se siga adensando o punitivismo que nega direitos básicos de sobrevivência possível que se siga adensando o punitivismo que nega direitos básicos de sobrevivência
à população prisional? à população prisional?
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Na contramão de diretrizes e recomendações internacionais, o Brasil prossegue Na contramão de diretrizes e recomendações internacionais, o Brasil prossegue
com sua com sua necropolítica carcerária. necropolítica carcerária. O contingente crescente do número de encarcerados O contingente crescente do número de encarcerados
e a indiferença hedionda no que diz respeito às políticas de saúde penitenciárias, nesse e a indiferença hedionda no que diz respeito às políticas de saúde penitenciárias, nesse
cenário, culminam no endurecimento de medidas autoritárias, no tratamento cruel e cenário, culminam no endurecimento de medidas autoritárias, no tratamento cruel e
desumano e na tortura de pessoas sob a custódia do Estado, bem como de proposições desumano e na tortura de pessoas sob a custódia do Estado, bem como de proposições
inexequíveis ante a realidade do cárcere no Brasil. Medidas desencarceradoras em inexequíveis ante a realidade do cárcere no Brasil. Medidas desencarceradoras em
contextos pandêmicos não devem ser entendidas como benesses do Estado aos presos, contextos pandêmicos não devem ser entendidas como benesses do Estado aos presos,
mas como fundamentais para um plano de contingência responsável para as prisões, em mas como fundamentais para um plano de contingência responsável para as prisões, em
consonância com políticas de assistência e vigilância epidemiológicas. consonância com políticas de assistência e vigilância epidemiológicas.
As normativas brasileira e internacional respaldam medidas de liberação As normativas brasileira e internacional respaldam medidas de liberação
condicional e substituição da prisão provisória por medidas alternativas à privação condicional e substituição da prisão provisória por medidas alternativas à privação
de liberdade. Manter o encarceramento preventivo daqueles que ainda não foram de liberdade. Manter o encarceramento preventivo daqueles que ainda não foram
condenados implica, no contexto pandêmico, além do risco de contágio, em uma demora condenados implica, no contexto pandêmico, além do risco de contágio, em uma demora
processual desproporcional à decisão definitiva e, consequentemente, na antecipação processual desproporcional à decisão definitiva e, consequentemente, na antecipação
ilegal da pena. Dessa forma,ilegal da pena. Dessa forma,
Uma das medidas para descongestionar as prisões, que deveria resultar em
menos controvérsias às autoridades de justiça, no contexto da pandemia, é a
liberação das pessoas cuja situação jurídica não tenha sido definida, já que a
demora judicial transforma a prisão preventiva em uma sentença antecipada,
em contravenção ao direito internacional. “Para as pessoas que não tenham sido
condenadas, a regra deve ser esperar a sentença em liberdade, em congruência
com o princípio fundamental da presunção de inocência”, consagrado na
Declaração Universal de Direitos Humanos (art. 11), e no Pacto de Direitos Civis e
Políticos (art.14(2)). Neste sentido, nem no contexto de emergência do COVID-19,
nem em circunstâncias normais, colocar em liberdade pessoas em prisão
preventiva deveria despertar preocupações de impunidade ou alarme social. Se a
situação jurídica do indivíduo não tem resolução em um tempo razoável, a falha
é do Estado (DRUMMOND; HINESTROZA; MÉNDEZ, 2020: s.p. Tradução nossa).
Ademais, dado que nos atuais espaços superlotados de confinamento é impossível Ademais, dado que nos atuais espaços superlotados de confinamento é impossível
a garantia de acesso às medidas de prevenção do contágio da população carcerária, a garantia de acesso às medidas de prevenção do contágio da população carcerária,
desrespeitando a obrigatoriedade de cumprimento às normas de igual acesso à saúde, desrespeitando a obrigatoriedade de cumprimento às normas de igual acesso à saúde,
recomendam-se a efetivação do programa de soltura prévia ou livramento condicional recomendam-se a efetivação do programa de soltura prévia ou livramento condicional
da população de risco, a progressão de pena daqueles que já fazem jus ao benefício da população de risco, a progressão de pena daqueles que já fazem jus ao benefício
e só aguardam o exame criminológico, além daqueles que se encontram em regime e só aguardam o exame criminológico, além daqueles que se encontram em regime
semiaberto e aberto. Indica-se que seja documentado, junto à gestão prisional, os casos semiaberto e aberto. Indica-se que seja documentado, junto à gestão prisional, os casos
que se enquadram na Recomendação n. 62 do CNJ, de 17 de março de 2020, no que que se enquadram na Recomendação n. 62 do CNJ, de 17 de março de 2020, no que
tange à vulnerabilidade de pessoas presas maiores de 60 anos ou com comorbidades tange à vulnerabilidade de pessoas presas maiores de 60 anos ou com comorbidades
prévias.prévias.

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