Uma análise da contribuição de intervenção no domínio econômico. Condecine-licença (caput do art. 32 da MP 2.228-1/2001) à luz do princípio da proporcionalidade

AutorVinícius Alves Portela Martins
CargoOcupante do cargo efetivo de Especialista em Regulação da Ancine.
Páginas147-161

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Ocupante do cargo efetivo de Especialista em Regulação da Ancine. Professor sobre Legislação de Cinema/Audio visual. Pós-Graduado em Direito Público e Tributário - UCAM-2010. Pós-Graduado em Regulação da Atividade Cinematográfica e Audiovisual pela UFRJ-IE-2009. Pós-Graduado em Gestão Estratégica - UCAM/AVM-2006. 3a Colocado no IV Prémio SEAE 2009.1

1. Características básicas do setor cinematográfico/audiovisual

O mercado de cinema/audiovisual, entendendo esse como um mercado de entretenimento, é marcado pela compra e venda de direitos sobre os filmes produzidos para exibição. Leonardo Barros (2009) ensina que "(•••) o business do mercado audiovisual é a compra e venda de direitos de adaptar, de distribuir, de reproduzir ou duplicar, de veicular, de exibir, etc. e só existe destaforma porque os países reconhecem a propriedade intelectual (Direitos de Autor2) (...)".3

Esses direitos são negociados por meio de contratos privados entre os entes que compõem a cadeia do audiovisual que, de forma simplificada, é composta pelos produtores, distribuidores e exibidores de conteúdo (tendo os programadores e radiodifusores como principais/i/ayers no mercado de TV fechada

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e aberta respectivamente). Os distribuidores fazem o elo entre o produtor e exibidor, sendo os responsáveis pelo lançamento comercial, propaganda e marketing das obras audiovisuais, representando, assim, o setor crucial de todo o negócio, pois interliga os dois outros entes, além de representarem a verdadeira essência do setor que é produzir público e não filmes.

As maiores empresas do setor de distribuição de filmes no mundo (aquelas onde as receitas do setor estão fortemente concentradas) como a The Walt Disney Com-pany, Sony Pictures, Paramount, Twentieth Century Fox, Warner Bros e Universal,4 são, na verdade, ligadas aos conglomerados de mídias, com a formação de enormes gigantes transacionais como os grupos Time-Warner (HBO, Turner, Warner, Cartoon, etc), News Corp (Fox e Sky), Viacom (Paramount, CBS, MTV, Nickelodeon, Dreamworks), Disney (ABC, Buena Vista, Disney, ESPN, Pixar, Miramax), Sony (Columbia, Tristar, MGM, Screem Gems, Sony-Bmg), Universal (NBC, Universal, USA) entre outros.5

Com relação ao mercado cinematográfico brasileiro, percebeu-se desde o início do século passado a existência de ciclos de produção locais e passageiros, impulsionados por movimento de idealizadores e empreendedores que buscavam, de alguma forma, criar no país a concepção de indústria cinematográfica. Entretanto, não se formou, até hoje, uma indústria nacional forte e autos-sustentável. Isto se deve, em parte, ao grande poder económico da indústria americana, problema que é comum a grande maioria dos países produtores. Uma citação retirada do trabalho Economia da Cultura - MINC (1998, p. 35) corrobora esta afirmação: "(•••)

As causas das dificuldades da indústria cinematográfica brasileira são várias, antigas e complexas. Dentre elas destaca-se o poderio económico e a concorrência do cinema americano no mercado doméstico (...) desde os primórdios do cinema, Hollywood se impôs pela capacidade de explorar economias de escala e escopo nas esferas da distribuição (...) alega-se, ademais, que o controle mono-polístico das grandes distribuidoras americanas sobre o setor de exibição seria o grande responsável pela carência de telas para os filmes brasileiros (...)".

Assim, no Brasil, optou-se por intervir no domínio económico por meio da modalidade de incentivo, prevista no art. 174 da CF/1988,6 tanto com a criação de mecanismos de renúncia fiscal previstos em lei como com a criação de uma contribuição Ínterventiva que objetiva tanto custear atuação da União (receita destinada ao FSA- fundo que investe no setor cine/audiovisual) tendo ainda um caráter extrafiscal (v. o caso da incidência da Condecine sobre programadores estrangeiros e o mecanismo do art. 39, X7). Aprofundaremos esses temas mais a frente, especialmente no que tange a CIDE-Condecine. Porúltimo, há de se considerar ainda que compõe o mercado audiovisual o serviço de radiodifusão de sons e imagens, o qual compete a União e é explorado por meio de concessão, permissão

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ou autorização,8 mas que tem uma relação íntima com a veiculação de produtos audiovisuais (filmes, séries, novelas, etc).

Em outros países, os recursos para o financiamento do cinema e do audiovisual (EUA é a grande exceção) são obtidos com ajuda governamental: impostos, na Austrália e Canadá; loterias, na Inglaterra; tributação sobre as bilheterias ou broadcasters de TV, na França. Um dos argumentos utilizados para o financiamento público da atividade audiovisual, notadamente a produção, diz respeito às peculiaridades do produto audiovisual com relação ao seu consumo, que pode ser visto tanto como atividade cultural e/ou como uma atividade de diversão (entertainment). Quando entendido como uma atividade cultural, a característica do produto é diferente, pois, neste caso, vê-se a presença de externalida-des9 positivas, cuja ocorrência implica que as decisões do consumidor individual não são feitas respeitando a igualdade entre custos e benefícios sociais do consumo (benefícios excedendo os custos). Caracteriza-se, portanto, como uma falha de mercado10 que justificaria a intervenção do governo para estimular o consumo desses bens. Para além dos benefícios privados, o consumo e também a produção doméstica de produtos audiovisuais sobre temas nacionais trazem benefícios à sociedade que não necessariamente estão refletidos no quanto o espectador paga pelo seu consumo.11 Quando visto como uma atividade de entretenimento, a atividade, o produto e o consumo de audiovisual competem com outras que, aparentemente, não possuem relação com o audiovisual, tais como esportes, parques temáticos, etc. Torna-se um negócio como outro qualquer em busca de público e espectadores que financiem a continuação do mesmo.

Dada essas considerações básicas sobre o mercado cinematográfico e audiovisual, suas características e formas de intervenção do Estado no Brasil e no mundo (por meio principalmente do incentivo), vamos tratar da QDE-Condecine, a qual intervém no mercado brasileiro de cinema e audiovisual.

2. Contribuições interventivas e a Condecine
2. 1 Contribuição de Intervenção no Domínio Económico - Aspectos gerais

A Contribuição de Intervenção no Domínio Económico - QDE é uma espécie prevista na Carta Magna em seu art. 149.12

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Como é afeto à ordem económica, deve obediência tanto aos princípios tributários previstos a partir do art. 145 (Título V - Da Tributação e do Orçamento Público, Capítulo I - Do Sistema Tributário Nacional) como aos previstos na ordem económica, a partir do art. 170. Gustavo Miguez Mello (2002, p. 186)13 corroborando a hipótese ao descrever que: "(•••) neste particular merece ser posto em relevo que a Lei Maior consagrou diversas finalidades económicas em seu art. 170. ACIDE deverá favorecer, jamais poderá contrariar as finalidades económicas visadas pelo art. 170 da Carta Política (...)".

Assim, o domínio económico corresponde ao âmbito de atuação dos agentes económicos de modo que eventual intervenção da União terá, necessariamente, que estar voltada para a alteração da situação com vista à concretização de tais princípios. Os princípios estabelecidos no Título VII da Constituição Federal "Da Ordem Económica" delimitam, pois, as finalidades que amparam a instituição das Contribuições de Intervenção no Domínio Económico - ODE. Observa--se ainda a impossibilidade de instituição de CIDEs por parte de Estados, Distrito Federal e Municípios. Esses entes só podem instituir contribuição para o custeio de sistemas de previdência e assistência social de seus servidores. São as únicas contribuições em que a Constituição permitiu a criação por esses entes políticos. Assim, com relação ao serviço de gás canalizado, o qual é controlado e regulado pelos Estados,14 por exemplo, não poderá ser criada uma contribuição interventiva para atuar neste domínio económico, pois não há competência constitucional para criação deste tributo porparte dos Estados-membros (v. que o art. 149 só cita a União),15 ainda que o Estado possa constituir uma agência reguladora para regular esse serviço.

As CIDEs possuem algumas características comuns e sem grandes posições contraditórias em termos doutrinários. Uma delas é a destinação da receita da exação e sua relação com a finalidade de existência da mesma. Assim, a finalidade apontada na lei instituidora de uma determinada contribuição é verificada pela destinação legal do produto da arrecadação desta. O professor Tácio Lacerda Gama (p. 130) cita que "(...) o critério que permite identificar as contribuições interventivas, separando-as das demais espécies, é a finalidade especial prescrita para o produto de sua arrecadação (...)",16 o que corrobora nossa afirmação. A contribuição é um instrumento de atuação da União em uma das áreas elen-cadas, a que se chama de finalidades, na qual a atuação implicará ações do governo, servido a contribuição como fonte de financiamento para tanto. Aliás, considerando-a como fonte de financiamento para intervenção da União num dado domínio, vê-se o seu papel no que se refere ao incentivo do setor sobre o qual incide a CIDE. E neste caso, surgem algumas divergências doutrinárias. Ou seja, CIDE pode ser instituída como instrumento de incentivo a um determinado setor?

Douglas Yamashita (2002, p. 329) considera que a hipótese de instituição de CIDE como instrumento de fomento a um...

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