Da eliminação de animais em centros de controle de zoonoses

AutorVanice Teixeira Orlandi
CargoPresidente da UIPA
Páginas135-160

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1. Da ineficácia da política de extermínio

Da ultrapassada e criminosa política de saúde adotada pelo poder público decorre o crescente número de cães e gatos, que pelas ruas vagam, padecendo de fome e de sede, das doenças e dos maus-tratos de que se tornam alvo os animais abandonados.

Pretendem as municipalidades controlar as zoonoses e a população de animais abandonados, adotando para tal o simplista e inclemente método de eliminação sistemática e indiscriminada de qualquer animal encontrado solto nas ruas que não seja reclamado em poucos dias.

Era o que, em síntese, recomendava o 6º Informe Técnico da Organização Mundial de Saúde, datado de 1973, em desuso na maior parte do mundo pela sua ineficácia e indignidade, o qual recomendava a captura e o sacrifício de cães errantes como único método efetivo de controle da população canina.

Entretanto, a Organização Mundial de Saúde, analisando a aplicação do método de sacrifício em vários países, concluiu pela sua ineficácia no tocante ao controle da população canina e

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ao combate da raiva, preconizando, em seu 8º Informe Técnico, datado de 1992, o controle de natalidade de cães e gatos e a educação da comunidade. É o que conclui o Informe no Capítulo 9.3, p.57:

A pesquisa realizada pela OMS entre 1981 e 1988, como parte do projeto AGFUND/OMS no combate à raiva humana e canina nos países em desenvolvimento, revelou que:

(...)

- os programas de eliminação de cães, em que cães vadios são capturados e sacrificados por métodos não humanitários, são ineficazes e caros.

Essa conclusão é reiterada pela OMS, no item 9.4, p. 59, do aludido Informe:

Não existe nenhuma prova de que a eliminação de cães tenha gerado um impacto significativo na densidade das populações caninas ou na propagação da raiva. A renovação das populações caninas é muito rápida e a taxa de sobrevivência delas sobrepõe facilmente à taxa de eliminação (a mais elevada registrada até hoje gira em torno de 15% da população canina).

Corroborando esse entendimento, esclarece o Instituto Pasteur, em seu Manual Técnico, nº 6, p. 20:

A apreensão e a remoção de cães errantes e dos sem controle, desenvolvidas sem conotação epidemiológica, sem o conhecimento prévio da população e segundo técnicas agressivas e cruéis, têm mostrado pouca eficiência no controle da raiva ou de outras zoonoses e de diferentes agravos, devido à resistência imediata que suscita e à reposição rápida de novos espécimes de origem desconhecida que, associadas à renovação natural da população canina na região, favorecem o incremento do grupo de suscetíveis.

Tendo em vista que uma só cadela pode originar, direta ou indiretamente, 67.000 (sessenta e sete mil) cães num período de 6(seis) anos, segundo as publicações de Thornton (Thornton, G.W. Pet overpopulation: Why is a solution so illusive? Urban Animal Management Discussion Papers, v. 18, 1993, e Thornton,

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G.W. The welfare of excess animals: status and needs. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 200, nº 5, p. 660, 1992), e que um macho, antes de ser conduzido ao extermínio, já inseminou várias fêmeas, não é difícil deduzir que matar não soluciona o problema.

O método atualmente adotado, além de ineficaz, é altamente dispendioso, uma vez que o poder público investe consideráveis somas para que sejam os animais apreendidos, confinados e eliminados, sem que desse proceder resulte qualquer valia para a saúde pública, o que revela má gestão dos interesses públicos.

As verbas destinadas à eliminação deveriam ser aplicadas em efetivo programa de esterilização, para que seja a natalidade controlada, uma vez que essa é a única forma eficaz de se reduzir a população de animais, como enfatiza o Informe, no anexo 4, p. 124:

O método mais simples e mais amplamente empregado para o controle da reprodução consiste em impedir o cruzamento através da restrição da liberdade de movimento ou do confinamento das cadelas no cio. Outros métodos (injeções de hormônios e esterilização) são muito caros. A captura e a eliminação de cães não são mais consideradas medidas de controle eficazes, se bem que se possam obter benefícios indiretos através de eliminação seletiva de cães não vacinados, que não estejam em conformidade com as normas de controle e costumam se amontoar nos restos de mercados, matadouros e fábricas de alimentos. A eliminação desses animais deve ser considerada somente se puder impedir que outros cães ocupem seu lugar ecológico.

Cumpre esclarecer que a menção à onerosidade da esterilização se deve ao fato de que o informe data de 1992, quando os valores eram os estipulados por médicos veterinários, uma vez que ainda não se cogitava de castrações a baixo-custo. Atualmente, graças a novas técnicas cirúrgicas e às campanhas de esterilização a baixo-custo, já se reconhece a esterilização como método menos dispendioso do que o extermínio.

A OMS apenas recomenda a eliminação naquelas específicas situações de animais não vacinados, que não terão seu espaço

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ocupado por outros, após serem mortos, o que não é o caso dos animais que vagam soltos pelas vias públicas, que tem seu espaço ocupado tão logo sejam capturados.

Estima-se que o método de extermínio de animais teria eficácia se 80% (oitenta por cento) dessa população fosse eliminada em 60 (sessenta) dias, período correspondente à gestação de uma cadela, e os 20% (vinte por cento) restantes esterilizados dentro desse mesmo período de tempo, o que representa tarefa impossível de ser cumprida em qualquer parte do mundo.

Conclui-se que há mais de dez anos, desde que a OMS editou o último informe, caiu por terra o argumento técnico pretensamente justificador da eliminação de animais saudáveis errantes pelo poder público. As autoridades em saúde pública e os agentes dos centros de controle de zoonoses (CCZ’s), ávidos por submeterem os animais ao que chamam de "eutanásia", termo de gritante eufemismo, já não encontram respaldo para praticá-la.

Se os argumentos de ordem legal e moral contra a eliminação de animais saudáveis foram relegados até então, é inaceitável que as autoridades públicas adotem a mesma postura quanto aos fundamentos técnicos baseados em experiências de diversos Estados e estudos da Organização Mundial de Saúde, agindo em desacordo com as mais elementares regras que devem nor-tear o controle da natalidade e a prevenção do vírus rábico entre outras zoonoses.

2. Do controle da raiva

Quanto ao controle da raiva, importa esclarecer que a vacinação em massa é o meio próprio e suficiente ao controle do vírus rábico, conforme asseverou Albino J. Belotto, coordenador do Programa de Saúde Pública Veterinária da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS, Washington, D.C., USA), em palestra intitulada "Situação Epidemiológica da Raiva - Panorama Mundial", ministrada em simpósio internacional so-

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bre "Controle de Zoonoses e as Interações Homem - Animal", conforme consta dos anais, p. 26:

A principal ação de controle da raiva urbana em todo o mundo tem sido a vacinação de cães. Essa é uma estratégia mundialmente aceita e de eficácia indiscutível. Alguns países colocam muita ênfase na captura e na eliminação de cães. Essa estratégia utilizada, de forma isolada, apresenta resultados limitados e é difícil de ser mantida a longo prazo, pelo alto custo e pela não-aceitação social, embora num primeiro momento possa-se ter um efeito rápido. A vacinação sistemática de cães nas áreas de risco, o controle populacional, por meio da captura e esterilização, aliados à educação para a posse responsável de animais são as estratégias aceitas mundialmente com diferentes níveis de implementação para cada região do mundo.

O palestrante citou vários exemplos de países que reduziram drasticamente a incidência da raiva humana e canina unicamente com a vacinação, como a China, Sri Lanka, Tunísia, dentre outros:

O México é um país que obteve grande sucesso no controle da raiva nesta década. Em 1990, registrou-se no país 60 casos de raiva humana. Para um quadro de 7 milhões de cães vacinados no mesmo ano, registrou-se cerca de 6 a 7 mil casos de raiva canina. Em 2000, eles vacinaram 14 milhões de cães e a raiva canina baixou para menos de 200 casos. Houve apenas dois casos de raiva humana, sendo que nenhum deles transmitido por cão. Quando se aplicam as medidas no país inteiro, como no caso do México, com 100 milhões de habitantes, se observa o resultado positivo num curto espaço de tempo.

E assim conclui:

O conceito é esse: se vacinar, controla. A nossa conclusão é a de que raiva humana transmitida por cão é falta de vontade política, falta de compromisso com a saúde pública, porque realmente nós temos muitos problemas de difícil solução, mas a raiva canina não é. Temos que lidar com outras formas de raiva por animais silvestres, que são muito mais difíceis de controlar, são quase acidentes. Mas no que se refere à raiva canina, nós temos todas as informações disponíveis, a tecnologia, o conhecimento epidemiológico, técnico e científico para

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