Substituição tributária no ICMS. A aplicação do princípio da anterioridade tributária à substituição tributária do ICMS. O princípio da segurança jurídica em sua manifestação de previsibilidade e organização do sujeito passivo

AutorAldo de Paula Jr.
CargoDoutorando e Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP
Páginas193-205

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1. Descrição do cenário e delimitação do objeto

Desde 1.7.2009 o Estado de São Paulo exige o ICMS sob o regime de substituição tributária em relação aos fabricantes, importadores e arrematantes de aparelhos eletrônicos no Estado de São Paulo e em relação aos estabelecimentos paulistas, independentemente de sua atividade, que adquirem tais produtos de estabelecimentos localizados em outras unidades federativas.

Tal exigência baseia-se na Lei estadual 13.291/2008 (DOE 23.12.2008), no Decreto estadual 54.338/2009 (DOE 16.5. 2009), que prescreve quais os produtos eletrônicos submetidos ao regime, e na Portaria CAT-95, de 22.5.2009, que define as margens de valor agregado/MVAs a serem aplicadas ao valor de venda do substituto.

Como a identificação dos produtos submetidos ao regime de substituição, e conseqüentemente dos sujeitos passivos, somente ocorreu em 16.5.2009, e a definição da MVA deu-se em 22.5.2009, o sujei-to passivo teve menos de três semanas para preparar seus sistemas de Informática (controle de estoques, precificação, fatura-mento, apuração, Livro Registro de ICMS etc.), treinar pessoal e, quando substituído, principalmente, programar seu fluxo financeiro para o desembolso antecipado do ICMS, para se dizer o mínimo, já que se presume que a substituição tributária não implicaria aumento da carga fiscal suportada pelo sujeito passivo.

Este curto período de adaptação e a complexidade dos procedimentos a serem adotados pelos agentes envolvidos (substitutos e substituídos) levaram algumas empresas a buscar no Poder Judiciário prote-ção contra a aplicação imediata do regime de substituição tributária.

O Judiciário paulista de primeira1 e segunda instâncias2 reconheceu em deter-

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minados casos individuais a necessidade de um prazo mínimo para adaptação dos sujeitos passivos, com fundamento na ra-zoabilidade, ou aplicou a anterioridade tributária em sua versão nonagesimal aos casos concretos.

O Estado de São Paulo, por sua vez, manejou suspensão de segurança no TRF (SS 3.926-6-SP) e obteve, em 5.8.2009, medida liminar que cassou as liminares dos processos que compunham seu objeto, por entender que "a lei que ampliou a lista de mercadorias submetidas ao regime de substituição tributária foi editada há quase seis meses e que do processo de definição das mercadorias a serem submetidas à nova sistemática participaram entidades representativas de todos os setores afeta-dos. Por conseguinte, em mero juízo de de-libação, revela-se infundada a tese dos impetrantes de violação ao princípio da não-surpresa tributária" (pp. 5-6 da liminar).

Esta a moldura fática e normativa que nos interessa.

A partir deste quadro, analisaremos no presente trabalho: (i) a aplicação imediata da substituição tributária no ICMS; (ii) prazo mínimo de adaptação; (iii) aplicação do princípio da anterioridade tributária à substituição tributária no ICMS; e, (iv) e em caso positivo, se a substituição tributária do ICMS sobre aparelhos eletrô-nicos instituída pelo Estado de São Paulo atende aos prazos mínimos de adaptação.

Para solucionar estes problemas, partiremos da qualificação jurídica da substituição tributária como sujeição passiva, e como tal obrigação tributária principal, e analisaremos a extensão do princípio da anterioridade tributária (art. 150, III, "b" e "c", e art. 195, § 6o, da CF/1988) como desdobramento do postulado da segurança jurídica, para ao final apresentarmos como conclusões que tal postulado se aplica a esta modalidade de sujeição passiva e a substituição tributária sobre aparelhos ele-trônicos no Estado de São Paulo não atende aos seus preceitos.

Vejamos.

2. A substituição tributária no ICMS como modalidade de sujeição passiva

Prescreve o art. 121 do CTN:

"Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

"Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e di-reta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei."

O art. 128 do CTN reforça os requisitos para instituição da responsabilidade tributária: (i) atribuição por meio de lei; (ii) ser terceiro vinculado ao fato gerador; (iii) exclusão da responsabilidade do contribuinte; (iv) ou atribuição de responsabilidade supletiva em relação ao contribuinte, verbis: "Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação".

Estes dispositivos tiveram "como raiz o magistério de Rubens Gomes de Souza, que por muito tempo vingou na Dogmática brasileira. A teoria de que falamos vislumbrava no sujeito passivo aquela pessoa que estava em relação econômica com o fato jurídico-tributário, dele extraindo vantagens. Seus escritos esclarecem, entretanto, que, por vezes, tem o Estado interesse ou

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necessidade de cobrar o tributo de pessoa diferente: dá-se então a sujeição passiva indireta. A sujeição passiva indireta apresenta duas modalidades: transferência e substituição; por sua vez, a transferência comporta três hipóteses: solidariedade, sucessão e responsabilidade".3

Para Alfredo Augusto Becker: "Existe substituto legal tributário toda vez que o legislador escolher para sujeito passivo da relação jurídica tributária um outro qualquer indivíduo, em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-sig-no presuntivo. Em síntese: se em lugar daquele determinado indivíduo (de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é signo presuntivo) o legislador escolheu para sujeito passivo da relação jurídica tributária um outro qualquer indivíduo, este outro qualquer indivíduo é o substituto legal tributário".4

O substituto legal tributário desta feita é o sujeito passivo da relação jurídica tributária que não tem relação econômica pessoal e direta com o fato gerador mas tem relação (econômica ou não) indireta com este fato; ou seja, ele é colocado no pólo passivo da relação por motivos de conveniência do legislador (ao invés de criar a prescrição contra aquele que tem relação pessoal e direta com o fato gerador).

Como alertado por Paulo de Barros Carvalho, "a substituição de que falam os Mestres, ou que registram os textos prescri-tivos, dista de ser fenômeno jurídico em que um sujeito de direitos cede lugar a outro sujeito de direitos, sob o pálio de determinado regime, como sugere o termo. A modificação se produz antes que o texto seja editado, em tempo que antecede o aparecimento da disciplina jurídica sobre a matéria. Estamos diante de algo que se opera em intervalo meramente político, quan-do o legislador prepara sua decisão e a norma ainda não logrou entrar no sistema".5

O importante, neste ponto, é destacar que o substituto é sujeito passivo de obrigação tributária e "absorve totalmente o debitum, assumindo, na plenitude, os deveres do sujeito passivo, quer os pertinentes à prestação patrimonial, quer os que dizem respeito aos expedientes de caráter instrumental, que a lei costuma chamar de 'obrigações acessórias'. Paralelamente, os direitos porventura advindos do nascimento da obrigação ingressam no patrimônio jurídico do substituto, que poderá defender suas prerrogativas, administrativa ou judicialmente, formulando impugnações ou recursos, bem como deduzindo suas pretensões em juízo, para, sobre elas, obter a prestação jurisdicional do Estado".6

Tanto o substituto quanto o contribuinte são sujeitos passivos e devedores de obrigação tributária própria, não de terceiro. São eles que realizam os eventos previstos no antecedente da regra-matriz de substituição e da regra-matriz de incidência tributária.

Como expressamente disposto no art. 121 do CTN, esta obrigação tributária é principal porque tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária, verbis:

"Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

"§ 1o. A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

"§ 2°. A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

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"§ 3o. A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária."

Portanto, quando se institui a substituição tributária em relação a determinada operação, se institui obrigação principal a determinado sujeito que passa a ser seu sujeito passivo, tendo que prestar, como ob-jeto desta relação, o tributo e as respectivas obrigações acessórias dele decorrentes.

A circunstância de ser este substituto contribuinte do imposto também pela realização de operações próprias, na técnica de substituição tributária para frente, não desqualifica esta constatação; muito pelo contrário, é seu pré-requisito.

Para que o sujeito seja posto na condição de substituto tributário na substituição para frente no ICMS é imprescindível que ele esteja na cadeia produtiva para que possa atender ao princípio da capacidade con-tributiva (lato sensu) e promover a repercussão jurídica da incidência...

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