A antinomia de segundo grau e o novo Código Civil Brasileiro

AutorVitor F. Kümpel
CargoProfessor de Hermenêutica da Faculdade de Direito Prof Dwnâsio de Jesus (FDDJ)
Páginas22-23
pr
cv
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cnc i
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o, e m últi ma anúl isc, é firmado com a própria
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Se é verdade que
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instituída
com o fim exclusi vo
el
e fo rma r fundo previde nciário para
co
mpleme nt ar a do seu trab a
lh
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(da
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zad or (art.
33,
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c fech ada (art. 35, p ar.
2"); c c) os aclmini slra
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r.
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rela
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a
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a
entidade
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operadora
c a
patrocinadora.
o
que
jus
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ou
assis
ti
dos dos
pl
anos) de
ações
inc
lu
am am bas no
p(>io
passivo
da
demanda
. Regis tre-se
que
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o
que tem
ocorr
ido na prá
ti
ca
f
orense.
N
OT
A S
I
Art
. 2"
da
Lei
Complementar n. 109,
de
29 de maio
de
2001,
que so bre o Regime de Previdência
Complementar, regulamentando o
Cil
fJIII
do
art . 202
da
CF.
2 Além
Lci
que
as
entidades abertas
são constituídas
uni
ca
mente
so
b a
ror
ma
Je sociedades anônimas
(art. 36).
3
As
relações entre
as
cntiJadcs previde nciárias c seus
patrocinadores públicos estão Jcfinidas
na
Lei
Complementar
n. 108,
de
29
de maio
de
2001. que regulamentou o parágrafo 4"
do
a
rt
. 202
da
CF
(na
rctl<11;ão
da
EC
20,
de
1
5.
12.98).
4 Par.
4"
do
art. 2002
da
CF.
5
Na
dcli nição oferecida
pe
lo art.
X",
in
es
. I c
11
,
da
Lei
Co
mpleme
nt
ar I 09 , participante é a pessoa física que aderir aos
planos
de
enquanto que assistiJo é o part icipante
ou
se
u bencfici;íriocm gozo
Jc
benefício
de
prestação
co
ntinuaJa.
6 O a
rt
.
68
da
Lei
Complementar I 09 reproduz o par.
2"
do
art. 2002
da
CF
(na redação
da
Emenda Constitucional
n. 20, de 1
5.
1
2.98),
de
segui
nt
e teor:
..
As
co
nt
ribuições do
empregador,
os
benefícios c
as
condições contratuais previstas
n
os
es
tatutos, regu lamen tos c p lanos de benefícios das
en
tid
ad
es
de previdência privada não integra m o co
nt
ra
to de
trabalho dos participantes ,
as
s
im
como,;) exceção dos benefícios
concedidos, n
ão
integr
am
a remuneração dos participantes,
n
os
ter
mos
da
lei
".
A ANTINOMIA DE SEGUNDO GRAU E O NOVO CÓDIGO CIVIL
BRASILEIRO
Um
dos temas qu e mais ato
rm
entam o es
tu
dioso do
Dire
it
o C i vi I no novo milê
ni
o, em deco
rr
ênc ia da e ntrada em
vi
gor da Le i n . I 0.4 06/2002 (novo Código Civ
il
bras
il
e
ir
o),
sem sombra de vida, é a aplicação
el
o novo o rdena mento
em
co
njunto com as
v
ri
as le is especia is e ex travaga
nt
es até
então e m
vi
gor , por meio do
fen
ôme no chamad
o:
antino
mi
a.
A do utrina concc itua a antin o
mi
a
ju
r
íd
ica como
se
nd
o a opos ição que ocorre e ntre duas ou ma is no
rm
as
(lotai o u
parcialm
ente
co
ntra
dit
ó
ri
as), e manadas de
a
ut
orid ades comp ete
nt
es num mes mo âmbito no
rm
a
ti
vo
, as
qua is co locam o des tinatá
ri
o numa pos ição
in
suste
nt
ável
dev
id
o à auncia ou
in
con sistê ncia de crité
ri
os ap tos a
permitir-
lh
e uma sa
íd
a nos q uadros de
um
o
rd
ena me
nt
o
dad
o1 Entre a s v
<1
ri
as c lassifi ca
ções
das antin o
mi
as,
podemos destacar a existên cia de antin omias rea is, isto é,
antino
mi
as
in
so
ve i
s,
para as quais não h
á,
no o
rd
ename
nt
o,
qualqu er regr a pro
nt
a para a so
lu
ção do caso conc ret
o.
lsso
não sig nifica que
in
cide o JWIIliqu er para a
hi
tese, apenas
que cada caso prec isa ser dec idid o de forma pa
rti
c
ul
ar. As
antino
mi
as apare
nt
es, po r s ua vez, são aquelas para as quais
o o rdename
nt
o en contra fo
rm
a sis
mi
ca de
22
Vitor
F.
Kümpel
P
rofessor
de 1/ er
me
u
tica
da
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de
D
ireito
Pr
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D
wnâsio
de
J
es
us (
FD
/JJ)
Entre os crité rios de so
lu
ção das antino
mi
as, te mos:
-O
critér
io
hierárq
ui
co, por meio do br
ocardo
/ex
super
i
or
derogar
/egi
inferiori
(norma sup
erior
r
evoga
in
fer ior), de forma a sempre prevalecer a lei superio r no
confl it
o.
- O crit é
ri
o crono l 6gico, por in tcrm éd i o d o brocardo
/
ex
pos
t
erio
r
derogal
legi
priori
(no rma posterior r
evoga
a
nt
er
io
r
),
conforme expressame
nt
e prevê o a
rt
.
da Le i de
Introdu ção ao Código Civil.
-O
crité
ri
o da especial idade, por meio do post ulado
/
ex
spec
i
alis
de rogar l
egi
genemli
(nor ma espec ial r
evoga
a geral
),
visto que o legis lador, ao trata r de m anei ra
especí
fica
de um determ
in
ado
te
ma faz isso, pres umidame
nt
e,
co
m
ma ior p recisão.
As
an
tinomias aparentes são faci lmen te solúveis
por in tc
rm
éd i o dos c
ri
térios j:í c nu n
ciados'
, porém a g rande
dificu
ld
ade es tá na solução das antinomias reais, e ntre as
quais es tão as de segundo gra
u.
Podemos conce
it
ua
r a
antinomia de seg
un
do g rau
como
aq
uel a cu
jos
critérios de
abaixo enumerados são insuficientes para a
do co
n.fl
ito, lendo e m vista o fato d e ele envolver dois
REVISTA
BONI.JURIS-
A
no
XVI-
N"
4!!7
-.Junho/2004
cntenos
simu
lt
âneos de solw,:ão , como
no
caso de uma
norma superior anterior con
fi
itar com uma norma inferior
posterior.
O
sistema
estú
aparelhaJo
a
solucio
nar
prontamente apenas a
an
tinomia simples ou antinomia de
primeiro grau , que é aquela cujos critérios são suficientes
para a solut,:ão do caso concreto. As antinomias de segund o
grau, portanto, implicam o conflito entre os
tr
ês critérios de
solut,:ão.
cabendo
desde j;í
afirmarmos
que o critério
hierúrquico é soberano
no
conflito com os demais4. Isso
sign
ifi
ca que a norma superior prevalece semp re. O grand e
di
lema est;Í
no
caso de uma norma geral posterior con
fi
itando
com a norma especial anterior, exatamente o caso
Jo
novo
Código Civil, o qual, no conflito com as leis especia is,
prevalece no critério cronol(>gico, mas
o no critéri o da
especial idaJc.
O problema é
o ;írido que os
estudi osos, normalm
en
te, esquivam-se
procurar,
segundo
o critério da
incompatibilidade
, as
disposições
re
vogadas . Por isso, Planiol reputa inteiramen te
inúti I
a precaução usual de declarar revogadas as disposições
em con
tr
á
ri
o:
'c'
e
si
par/e r
pou
r rien di r
Solucionando as antinomias de segundo grau do
novo Código Civil, podemos concluir:
I
0) Prevalecem sempre as regras do novo
Código
Civil, por ser lei posterior, a não ser que fira alguma norma
hierarquicamente superi o
r.
Com essa primeira conclusão,
por exemplo,
o podem casar-se os colaterais em terceiro
grau
(t
i
o-
sobrinha), por força do art. 1.521 ,
IV
, do
Código
,
por ter revogado os arts. I o c
do Dcc
.-
Lei n . 3.200/41, que
autorizava tal ação mediante laudo médico, contrariando
alguns doutrinadores7
2°)
O Código Civil não revoga leis
especiais compatíveis, por força do art.
da Lei de Introdução ao Código Civi l em
dele
ou
procuram ignorara dúvida. Maria
Helena DiniJ: nos ensina: "Não
h;í
uma
"O
sistema está apa relhado seus parágrafos. Podemos citar como
exemplo o próprio Dcc. n. 3.200/41 (Lei de
Proteção da Família) quando trata de
abonos
familiares (a rt. 28), não
revogação por não haver incompatibilidade
com o Código.
regra Jcl'inida , pois, conforme o caso,
havcrú suprema cia ora de
um
, ora
de
outro critério"-'.
a solucionar
pr
on
ta
me
nt
e
apenas a antinomia simples
ou antino
mi
a de
Da
nossa parte, cremos que o
c
ri
tério cro
nol
(>g
ico prevalece sobre o
cri
ri
o da espec ialidade por vúrias
razões.
prim
eiro g rau , que é
aquela cujos c
rit
érios 3°) O
Código
Civ
il
pode
expressamente determinar a preva lência
de
lei
especial. Podcmoscitarcomoexemplo
o art. 1.377,quemantém vigcntcodirc
it
odc
superfície, quando constituído por pessoa
jurídica de Direito Público, aplicando não
Em primeiro lugar, porque a
Lei de Introdução ao
CóJigo
Civil
previu o critério cronológico. Para essa
aferição, basta a simples leitura do art.
são suficie
nt
es p
ar
a a
solu ção do caso
con
cr eto."
o qual
apresenta
a r
evogação
expressa c
cita no co pu! c
no
I
0,
estabelecendo,
no § 2°,
que,
com
a
ausê
n
cia
de
i
nc
ompati
bi
I idaJc, a le i nova
(q
ualquer que seja a s
ua
natureza)
se harmoniza c
o revoga a anterior, passando ambas a
incidir no
sistcmaj
urídico .
Em segundo
lu
gar, porque as no rmas gerais, os
Códigos, tais com o o C i
vi
I, o Penal, o Processual, por tratarem
de ramos do orde namen to , ao entrarem em vigor, não podem
nascer csf'acclad os ante a impossibilidade de revogação de
normas especiais
ex istc
nt
es c q uc pc
tri
ficariam o sistema.
Podemos citar como
exemp
lo
um
novo Código Penal o qual
não pudesse, a não ser de forma expressa, revogar crimes
previstos no
Código
de Trânsito.
Em
ter
ce
iro
lu
gar,
porque
,
caso
houvesse
a
prevalência da l
ei
especial anterior sobre a geral posterior,
obrigaria o legislad or a conhecer todas as le is especiais
anteriores, para revogú-
la
s expres same
nt
e, sob pena de cr iar
letra natimorta de I
c
i.
Em quarto
lu
gar, a presunção
scgunJo
a qual o
legislador, ao tratar das leis especiai
s,
faz isso com maior
acuidade é acadêmica, sem qualquer previsão sistêm ica.
Por
f'im
, aplica-se sempre a f(mnula "revogam-se as
disposit,:õcs em co ntrúrio" . No cscôlio de Vicente Rúo
aprendemos: "Que é que sig nifica revogar disposições em
contrário, senão revogar
as
disposit,:ücs
Jas
leis anteriores,
inconciliüvciscom a
lei
posterior'' O
ra
, a revogac,:ão túcita não
é outra coisa ; resulta da inc(?mpatibilidade entre a lei antiga c
a
lei
nova. Aqui lo q
uc
a fúrm'tda
di
J:
é,
c
fct
i vame
nt
c, isso c nada
mais.
Se
o não dissesse, o efeito se
ri
a idêntico; porque , ainda
assim, estariam ,
na
ve
rdade, revogadas todas as disposiçücs
em co ntrü
ri
o.
Em suma,
h;í
uma
rc
.vogação, mas é preciso
ir
REV ISTA
llONIJURIS-
Ano
XVI-
N"
4H7-
Junho/2004
o Código, e sim a Lei
n.
I 0.257/200 I, para
essa
hipó
t
ese
específica.
Caso
não
houvesse a ressa lva, estaria revogado o
Estatuto da Cidade nessa matéria.
4°) O Código Civil incorporou os insti
tu
tos civis de
leis especiais mistas , por força do seu art. 2 .043,
como
em
matéria de adoção, até então regulada pe lo Esta
tu
to da
Criança c do Adolescente.
5°) As omissões do Código em relação ao ant
er
ior,
por expressa revogação (art. 2.045), implicam não-recepção.
Podemos exemplificar ao citar que a omissão do ar
t.
I o do
Código anterior implica que as normas de Dire
it
o Civil n ão
es o mais I imitadas quanto ao seu a lcance,
como
ocorria no
sistema anterior.
Esperamos
t
er
contr
i
buído,
com
essas
breves
considerações, nas
di
versas disc ussões sobre a incidência
das normas do novo Código C i vil no ordenamento jurídico,
a fim de gerar a tão almejada pacificação social.
NOTAS
I A
TINOMIA
.
/n
: EneiclopédiaSaraivado
Direito.
Coord.
Rubens
Lirnongi
França.
São
Paulo:
Saraiva,
1977
.
vol.
7,
p.
1
4.
2
FERRAZ
JR.
, Tércio
Sampaio.
!turoduçlío ao estudo do
Direit
o.
2a.
ed
.
São
Paulo:
Atlas,
1994.
p.
212.
3
DI
I
Z,
Maria
Hel
ena.
Compêndio de introdução à ciência
do Direito. 13
a.
ed.
São
Paulo:
Saraiva,
200
I.
p.
472.
4
BOBB
IO, Norberto. D
es
critcr
es
pour résoudre
les
antinornies
.
In
:
PERELMAN,
C.
Lesantinomies du Droit. Bruxelles:
Editions
Bruylant,
1965.
p.
250.
5
Op.
cit.
p.
475.
6 O Direito e a vida dos Direitos.
5a.
ed.
São
Paulo:
Revista
dos
Tribunais, 1
999
.
p.
340-34
1.
7
Vide
Maria
He
lena
Diniz:
"(
...
)c,
por
isso,
recepcionada
pelo
n
ovo
Código
C i
vil,
apcsardcanterioraclc" (Curso de Direito Civil
brasileiro.
17
a.
ed.
São
Paulo:
Saraiva,
2002.
p.
72).
23

Para continuar a ler

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