Apontamentos sobre a repercussão geral do recurso extraordinário

AutorGuilherme Kronemberg Hartmann
CargoMestrando em Direito Processual pela UERJ
Páginas311-327

Mestrando em Direito Processual pela UERJ. Pós-graduado em Direito Público e Privado pela UNESA/EMERJ. Professor da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro - EMERJ, dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Estácio de Sá - UNESA.

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1 - Considerações iniciais

Em franca compatibilidade com o princípio da razoável duração do processo (art. 5, inciso LXXVIII da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004), as últimas reformas legislativas tiveram a tônica de abreviar o tempo de litigância, para simplificar/reduzir o procedimento, tornando-o mais célere, com a préordenação de instrumentos processuais capazes de promover a efetiva tutela de direitos.

Tal preocupação permeia todo o sistema processual, passando desde a porta de entrada do Poder Judiciário, logo no início do feito - na admissão da intitulada sentença liminar de improcedência em demandas seriadas, prevista no art. 285-A, do Código de Processo Civil, nos termos da lei 11.277/06 -, como também já no topo da pirâmide, ao Page 312 final do processo, com a apresentação de modificações no procedimento recursal junto aos tribunais superiores, como aqui se pretende examinar.

Faz-se análise do instituto da repercussão geral, introduzido pela lei nº 11.418/2006, através da modificação do Estatuto Processual pátrio, para preencher a lacuna criada pela inserção do parágrafo 3º ao art. 102 do texto magno, através da Reforma do Judiciário, segundo a comentada emenda constitucional.

Nesse ponto, em contrapartida aos requisitos genéricos de admissibilidade dos recursos em geral, cujo preenchimento permanece obrigatório, sob pena de inadmissão, foi elaborado um novo requisito específico para o recurso extraordinário (WAMBIER; WAMBIER; MEDINA, 2007, p. 240) 1, autorizando o Supremo Tribunal Federal, de forma exclusiva, a recusá-lo, se não demonstrada a repercussão geral das questões constitucionais ali versadas (art. 543-A do CPC). Ainda, foram instituídas regras simplificadoras de outros recursos pendentes que veiculem igual controvérsia (art. 543-B do CPC).

Sem sombra de dúvida, o intuito da normatividade é racionalizar a atividade jurisdicional, para atenuar o crônico problema do abarrotamento das pautas de julgamento da Suprema Corte 2, em ataque frontal às causas seriadas - seu principal objetivo. Em apreço, a crise do recurso extraordinário, somada à grande porção de recursos conexos daí advindos.

Vale contextualizar em números a assertiva: composto por 11 ministros (art. 101 da Constituição Federal) 3, o STF recebeu, somente no ano de 2006, nada menos do que Page 313 127.535 processos, procedendo ao julgamento de 110.284 destes 4. Isso significa, numa simples operação matemática, que cada ministro julgou em torno de 10.025 processos num único ano, o que dá aproximadamente uns 27 julgamentos por dia, nos 365 dias do ano, sem descanso - e ainda em déficit no que se refere à entrada e saída de processos ativos. Portanto, não causa espanto o intento de reduzir o número de processos.

Por outro lado, cabe apresentar uma outra razão de ser da reforma produzida: o STF não constitui uma mera corte de revisão. Assim é que o recurso extraordinário nunca teve o desiderato último de proporcionar uma terceira (ou quarta) instância revisora de uma eventual injustiça ocorrida nas instâncias ordinárias, pelo contrário, sua finalidade tem delineamentos políticos, permitindo a Corte Suprema outorgar unidade ao direito constitucional, em proteção aos seus preceitos.

Explica-se, sem qualquer traço de novidade, que os recursos ordinários possuem um efeito devolutivo amplo a ensejar uma inteira revisão da matéria de fato e de direito daquilo que se decidiu no juízo a quo. Diferentemente, os recursos entendidos como extremos ou excepcionais (especial e extraordinário) possuem devolutividade restrita, limitada às questões de direito, não fitando a correção da injustiça da decisão - a modificação do julgado é mero efeito indireto do acolhimento do recurso -, já que servem à defesa do ordenamento jurídico, num trabalho de unificação de jurisprudência pelos tribunais superiores, para evitar que o direito positivo se disperse em diversas interpretações regionais. Por isso, são justificáveis as restrições ao seu processamento e julgamento - "excepcional" juízo de admissibilidade, como na exigência de prequestionamento da questão federal/constitucional, respectivamente -, inclusive pelas expressas hipóteses de cabimento (recursos de fundamentação vinculada), não bastando a mera sucumbência do recorrente.

Com efeito, pretendeu-se, basicamente, com a exigência da demonstração da repercussão geral, que as questões constitucionais debatidas em lides intersubjetivas individuais, sem qualquer projeção ultra partes ou erga omnes, sejam resolvidas, em Page 314 caráter definitivo, pelas instâncias ordinárias (CÂMARA, 2007, p. 141) 5, quiçá pelo STJ 6. Isso significa, conforme assinala Venturi (2008, p. 912), numa entrante "redefinição do próprio perfil do STF, agora não mais competente para o julgamento de causas que, embora constitucionais, não envolvam discussões de relevância social, quantitativa e qualitativamente aferida".

De todo modo, não se cuida de instituto cunhado sem nenhum precedente no direito estrangeiro 7 ou mesmo nacional. Quanto ao Brasil, refere-se ao mecanismo da "argüição de relevância da questão federal", concebido durante a ditadura militar e repelido pela Constituição Federal de 1988, com claro intuito de inclusão: tornar admissíveis recursos a priori incabíveis, não previstos na enumeração regimental da época. Havia dependência de instauração de incidente próprio no procedimento do recurso extraordinário, cuja decisão era proferida em sessão secreta, dispensada a fundamentação.

Ao revés, a repercussão geral reflete um elemento de exclusão, sendo exigível para qualquer apelo extraordinário. Dessa forma, o novel instituto visa pôr fora do conhecimento da Suprema Corte as causas que assim não se caracterizem, aprimorando a atividade judicante do STF como Corte Constitucional. Sua análise ocorre em sessão pública, com decisão motivada, em respeito aos princípios constitucionais vigentes (art. 5, inciso LX e art. 93, inciso IX, ambos da Constituição Federal), dando-se ciência ao recorrente do motivo de inadmissão do seu recurso extraordinário. Page 315

Destarte, torna-se inafastável reconhecer, ao menos, um grau de semelhança entre os dois institutos, mesmo que a sua criação tenha se dado em contextos distintos: o propósito de contenção do volume excessivo de recursos dirigidos ao STF.

2 - Contornos de Aplicação

O novo regramento tem aplicação somente aos recursos extraordinários interpostos a partir da vigência da legislação, exatamente em 18 de fevereiro de 2007 (art. 4 da lei 11.418/06), deixando de fora de tal sistemática os recursos então pendentes. Ainda, sendo específico do apelo extraordinário, não se cogita de qualquer extensão de sua imprescindibilidade para o recurso ordinário perante o STF (art. 102, inciso II da CF), bem como para as espécies recursais dirigidas a outros tribunais superiores.

Tratando-se de um conceito aberto, a delineação de "repercussão geral" deverá ser construída casuisticamente, conforme interpretação do STF. Evidencia-se a constatação de que o conceito de questão constitucional de repercussão geral não é integralmente mensurável pelo legislador, de forma abstrata e geral, dependendo, assim, da análise das circunstâncias concretas a que está inserida (MARINONI; ARENHART, 2008, p.576).

Entretanto, um parâmetro já foi dado pela legislação como indicador positivo de relevância - substituindo uma expressão genérica por outra de igual qualidade: serão admitidos os recursos extraordinários que tragam matérias constitucionais de repercussão nos planos, por vezes entrelaçados, econômico 8, político 9, social 10 ou jurídico 11, cujo Page 316 interesse ultrapasse o caso individual, transcendendo 12 os limites subjetivos da causa (art. 543-A, parágrafo 1º CPC). Isso significa que a questão constitucional deverá refletir uma perturbação geral na comunidade, fora do processo 13.

Ainda, todas as matérias sumuladas (ainda que não vinculantes) ou reiteradamente tratadas pelo STF têm repercussão geral (art. 543-A, parágrafo 3º CPC), já que possuem relevância jurídica. Cuida-se de mais uma faceta da tendência de valorização de precedentes jurisdicionais, o que não surpreende, pois o STF possui o papel de uniformizar a interpretação da Constituição, criando paradigmas. De fato, até um caráter pedagógico, aos diversos órgãos do Judiciário, pode ser extraído deste propósito de acolhimento generalizado dos seus precedentes.

3 - Processamento

Para melhor compreensão o tema, torna-se inevitável recordar que os recursos excepcionais estão sujeitos a um juízo de admissibilidade desdobrado ou bipartido. Assim é que, interposto o recurso, o tribunal de origem analisará previamente os pressupostos recursais, remetendo os autos ao tribunal superior para um juízo definitivo de admissibilidade, quando será analisada, então, a presença da repercussão geral. Page 317

3. 1 - Perante o tribunal de origem

Naturalmente, caberá ao recorrente demonstrar a existência da repercussão geral da questão constitucional por ele suscitada, em preliminar (MANCUSO, 2007, p. 2008) 14 do recurso extraordinário (art. 543-A, parágrafo 2º do CPC), interposto perante o presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido (art. 541 do CPC).

Cabe frisar, aliás, que o recurso extraordinário deverá conter um capítulo sobre a repercussão geral, sob pena de ausência objetiva de um requisito indispensável da peça recursal, implicando no reconhecimento de sua inépcia, no próprio juízo de admissibilidade realizado pelo órgão...

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