Breves Apontamentos sobre a 'Apelação por Instrumento': Valoração e Viabilidade

AutorRafael José Nadim de Lazari
CargoDoutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ? PUC/SP
Páginas25-32

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1. Linhas prolegominais

Mais uma vez é trazida à baila a Lei 11.232/05. Lá se vão quase sete anos desde seu advento, a "onda reformista" até já é outra (vide repercussão geral - Lei 11.418/06 -, recursos especiais repetitivos - Lei 11.672/08 -, novo CPC em elaboração etc), mas continua a supramencionada a produzir nos proces-sualistas pátrios relação de "amor e ódio" acerca de sua proficuidade/ inovação. Nada obstante, imperfeições à parte, inegável deve ser a consideração de seu caráter "revolucionário", ao transformar conceitos até então ditos imutáveis em "nada jurídicos" (vide alterações no antes autónomo processo exe-cutório, por exemplo), ou mesmo por sua percepção prévia do que virá a ser o novo Código de Processo Civil, ainda em fase de essência.

Isto posto, sem devaneios nem mais prolongamentos, este arti-

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go discorrerá sobre a viabilidade da "apelação por instrumento" no ordenamento pátrio, sobretudo em considerando o "novo" (?) conceito de sentença previsto no art. 162, § Io, do CPC. Observa-se que, antes decisão que encerrava a lide (com ou sem mérito), e que agora "implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 do CPC", ainda não deve ser o final da caminhada, já que, não é preciso obtemperar - a doutrina, em geral, já fez a cortesia -, situações dos arts. 267 e 269 do CPC não necessariamente findam o processo.

Neste rumo, depara-se, a título ilustrativo, com a problemática litisconsorte, em que uma decisão encerra o percurso de um caminhante, mas prolonga o dos demais. Seria algo como uma espécie de "pedágio", em cuja "hora da verdade" se define qual veículo prosseguirá pela estrada e qual precisará optar por uma via oblíqua. Entenda-se por "via oblíqua" aquela do recurso, que, com o perdão da linguagem metaforizada, não é claramente possível encontrá-la, afinal, se o processo terminou para alguém, mas continuou para outrem, importa a natureza da decisão para aquele que ficou obstado ou para aquele que prosseguiu? Em outras palavras, o processo deve ser analisado sob prisma estrito (a relação singular sujeito/feito), ou sob enfoque amplo (em que se acrescentam outras pessoas e elementos)?

É aqui que o artigo se divide: se o nobre leitor for adepto do primeiro entendimento, que não pare de ler o artigo por aqui, mas fique avisado que a conclusão não se amoldará perfeitamente à sua linha de raciocínio. Agora, se for adepto do segundo, ressalvados elementos nesta obra acrescentados, talvez pense em sintonia com este autor. Por questão didática, obviamente, os dois caminhos e as diversas combinações possíveis necessitam ser comentadas (e até mesmo criticadas), para que o trabalho não incorra no defeito da vaguidão.

2. Sobre o "novo" (?) conceito de sentença: variáveis sobre sua natureza

Antes da Lei 11.232, sentença era o ato pelo qual o juiz punha fim ao processo, decidindo ou não o mérito da causa. Tratava-se de período em que, conforme doutrina majoritária, mais valia "pôr fim ao processo" que decidir propriamente de forma definitiva ou terminati-va, para definir sentença. Sentença era momento, finalidade, ou topologia1, portanto.

A partir de 2005, diante do proclamado "simplismo" do conceito anterior, que não explicava, por exemplo, como o recurso dava continuidade ao processo, se a sentença deveria "findá-lo"2, ou como se coadunaria o "velho" conceito ante a "nova" sistemática sincréti-ca de cumprimento, sentença passou a ser o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 do CPC. De topoló-gica, então, sentença passou a ser conteudística3.

Diverge a doutrina, entretanto, acerca de um "novo" conceito de sentença. Para Bruno Silveira de Oliveira (2007, p. 136), pelo novo conceito admite-se a prolação de sentenças no curso do procedimento em primeiro grau, por não se exigir mais que esta espécie de ato decisório tenha a aptidão de extinguir o processo, nem que ponha termo ao procedimento em primeiro grau ou a alguma fase dele4. Em mesma sintonia, Teresa Arruda Alvim Wambier (2007, p. 253) afirma que sentença deve ser identificada como o ato do juiz que tem por conteúdo o que consta dos arts. 267 e 269 do CPC. Ainda, complementa a autora, normalmente sen-tença tem por efeito pôr fim ao processo, em primeiro grau ou mesmo se não houver recurso.

Em sentido diametralmente oposto, Gelson Amaro de Souza e Gelson Amaro de Souza Filho (2009, p. 23) afirmam que a reda-ção do art. 162, § Io do CPC, ao fazer referência aos artigos 267 e 269, "rodou e caiu no mesmo lugar", por estarem estes dois últimos dispositivos inseridos no capítulo III, do título VI, que cuida da extinção do processo. O capítulo III traz os artigos 267, 268 e 269, todos voltados à extinção do processo. Logo, para os autores, se a sentença é o ato que implica qualquer das situações dos arts. 267 e 269 do CPC, não paira dúvida de que se está cuidando de extinção do processo, como "expressamente" disposto no art. 267 e "implicitamente" no art. 269 do CPC. Ainda, acrescentando argumentos a essa posição, convêm as palavras de Carlos Augusto de Assis (2006, p. 94):

"Tendo em vista essa mudança de rumos em matéria de execução, o legislador entendeu que a definição do art. 162, § Io, que previa a sentença como fonte de extinção do processo não era mais adequada. A sentença condenató-ria não mais iria extinguir o processo, pois o cumprimento de seu comando (efetivação) passaria a se dar no mesmo processo. A intenção do legislador no sentido acima exposto se revela claramente na exposição de motivos, quando fala que 'a alteração sistemática impõe a alteração dos arts. 162, 269 e 463, uma vez que a sentença não mais põe fim ao processo'. Como se vê, não houve qualquer intenção de provocar mudanças no sistema recursal brasileiro. Procurou-se, apenas, sanar uma imperfeição técnica provocada pela nova sistemática de cumprimento de sentenças. Esse dado, por si só, é relevante e nos faria inclinar no sentido de que a sentença, para o CPC, continua sendo caracterizada pelo fato de ter a aptidão de pôr fim ao procedimento em primeiro grau (só que no tocante àfase de conhecimento)" (grifei).

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Postos os dois posicionamentos, convém o perfilhamento àquele que apregoa a inexistência de um "novo" conceito de sentença. Que não se fulmine, desde já consignando, o direito de uma definição doutrinária sobre sentença, mas o argumento tomado por este autor, complementar, para defender um "novo conceito velho de sentença", baseia-se na comparação entre conceito substituído e conceito substituto.

Ora, resta a impressão de que, quando se afirmava ser a sentença ato do juiz que "punha termo ao processo", se esquecia da continuação do conceito, qual seja, "com ou sem resolução do mérito", como se o mérito nunca tivesse constituído finalidade do ato. Tivesse antes o legislador se limitado, então, a definir sentença apenas como ato do juiz que "punha termo ao processo". Contudo, não bastasse a interpretação dispositiva anterior imperfeita, veio a nova definição, e do que mais ela tratou além de mérito? De absolutamente nada. Essa é a resposta. Então pode-se dizer que o "novo" conceito "olhou" para a "parte esquecida" do conceito anterior? É esse o caminho, ou é negável que "com ou sem mérito" não é sinónimo de "situação do art. 267 ou 269 do CPC"? Observa-se, pois, que tanto antes como agora sentença sempre foi finalidade mais conteúdo. Acontece que a equivocada interpretação literal do dispositivo no passado "esqueceu" o conteúdo do ato, como parece querer a equivocada interpretação literal do dispositivo na atualidade "se esquecer" da finalidade. Não se trata, pois, de conflitar os critérios, mas de agrupá-los num binômio complementar.

Enriquecedoras, neste prumo, as palavras de Eduardo Arruda Alvim e de Angélica Arruda Al-vim (2002, p. 21-22):

Veja-se, por exemplo, a alteração do § Io do art. 162. A conceituação de sentença, pela leitura isolada desse dispositivo, deve ter por base o conteúdo da decisão. Conforme tivemos oportunidade de expor com mais detença em outro trabalho de nossa autoria, como o legislador não alterou o § 2o do art. 162, quer nos parecer que o critério segundo o qual deve ser conceituado o que se entenda por sentença pode-se dizer misto, porque leva em conta não apenas o conteúdo, mas a circunstância de a decisão pôr fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição. Esse é o critério, ademais, que melhor preserva a harmonia do sistema recursal, deixando incólume o princípio da correspondência recursal, alicerce do Código de Processo Civil de 1973.

Também as opiniões de Gel-son Amaro de Souza e de Gelson Amaro de Souza Filho (2009, p. 375-376):

Fazer reforma pelo prazer de reformar em nada adianta, se na prática tudo continua como antes. Dizem os críticos que a redação anterior do art. 162, § Io, do CPC levava em consideração apenas o topus e não o conteúdo. Agora, a nova redação leva em conta o conteúdo e não o topus. Mero engano. Tanto antes como agora se leva em conta o topus e o conteúdo. Ao tratar da finalização do processo com sentença, já se está levando em conta estas duas vertentes. Considera-se como topus ao dizer que a sentença extingue o processo (art. 267 do CPC) e considera-se como substância ao indicar a sentença como ato de conteúdo extin-tivo da lide (art. 269 do CPC). Sendo ato extintivo da lide, será ato extintivo do processo, porque não se pode admitir processo sem lide.

Ademais, é preciso ressaltar que a função da sentença deve ser pôr fim ao processo, senão sentença não será, mas mera decisão. Dela dependem a coisa julgada e sua eficácia preclusiva, a ação rescisória e os honorários advocatícios, a título ilustrativo. Cabíveis, mais uma vez, as palavras de Gelson Amaro de Souza e Gelson Amaro de Souza Filho (2009, p. 23):

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