Apropriedade: uma análise histórico-jurídica

AutorRosângela Maria de Azevedo Gomes
Páginas19-63
19
Capítulo 1
A PROPRIEDADE:
UMA ANÁLISE HISTÓRICO-JURÍDICA
A propriedade imobiliária, de longa data, é a
representação do poder para o homem na sociedade. Nos
tempos do nomadismo o ser humano encontra na terra a
fonte primeira de sua subsistência, adquirindo a terra,
com o processo de sedentarização, o papel de geradora de
riquezas. Nesse momento, ela passa a simbolizar o poder
na esfera social, pois representa o predomínio de um
grupo social os proprietários sobre a sociedade como
um todo1.
1 No século VII a C., na Grécia, a ostentação da r iqueza torna-se uma
das formas de prestígio dos gene. Como observa Vernant, surge “um
tipo de proprietário de bens de raiz que vela pelo rendimento de suas
terras, que torna sua cultura especializada, procura aumentá-las”
visando a uma reserva. Há a concentração da terra em poucas mãos,
apenas os nobres são proprietários. Cf. VERNANT, Jean-Pierre. As
origens do pensa mento grego. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992.
p.51.
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A apropriação das melhores áreas representou o
poder social. Assim foi desde a época das conquistas,
sobressaindo as romanas. Entretanto, a partir dos séculos
XII e XIII (d.C.), com o surgimento da burguesia, a
propriedade da terra passa a ser a representação do poder
econômico.2
Os “privilegiados moradores das cidades” – como
Norbert Elias3 denominou a classe burguesa deram à
terra e à moradia uma importância diversa daquela
encontrada no mundo feudal. Para o burguês (habitante
do burgo), propriedade da terra não se limitava apenas à
possibilidade de livremente produzir o seu sustento, o de
sua família e investir no bem econômico que melhor lhe
aprouvesse sem estar sujeito aos limites impostos pelo
senhor feudal. Para a população urbana, a terra também
representava a garantia de crédito no mercado financeiro
através da hipoteca.
2 Desde os primeiros séculos da Idade Média, já vinham sendo travadas
lutas entre nobreza, clero e príncipes motivadas, sobretudo, pelo
controle e aproveitamento da terra. Cf. ELIAS, Norbert. O proce sso
civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. vol. II. p. 25 e ss.
3 Cf. ELIAS, Norbert. ob. cit. p.15.
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Inúmeras mudanças foram reivindicadas e obtidas
pelos burgueses ao longo de séculos tribunais mais
céleres, impostos diferenciados e justos, legislação
específica para as práticas mercantis, etc. Tais mudanças
traduziram um novo modo de valoração da propriedade
imobiliária. Foi com este perfil que ela ingressou nos
tempos modernos e permanece até os dias de hoje.
O modelo jurídico de proteção dos interesses
vinculados à propriedade imóvel ainda era o indicado
pelas regras aportadas do Direito Romano, mas à Igreja
coube o papel de direcionar as legislações das sociedades
vinculadas ao mundo romanístico, inserindo conceitos e
valores de cunho social.
Com a formação dos Estados Modernos, o
contexto bélico inicial pela apropriação dos melhores
espaços modifica-se; embora continuem, as lutas passam
a ser travadas, sobretudo, no campo econômico. A
propriedade da terra, ao lado de outras formas de
apropriação de riqueza, ainda é a simbolização do poder
social4.
4 Quando o Estado monopoliza a violência física, isto é, quando lhe
coube o comando das forças armadas, a solução bélica se transporta

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