O conteúdo do direito de propriedade: da absolutização à funcionalização

AutorRosângela Maria de Azevedo Gomes
Páginas65-115
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Capítulo 2
O CONTEÚDO DO DIREITO DE PROPRIEDADE:
DA ABSOLUTIZAÇÃO À FUNCIONALIZAÇÃO
A Constituição imperial de 182458 já indicava a
necessidade de elaboração de um Código Civil59. Um dos
sentidos de tal premência encontra-se na proteção à
propriedade particular trazida por uma codificação civil,
resguardando-a de possíveis intervenções do Estado na
esfera privada.
58 “(...) a Assembléia Constituinte contava com uma maioria ligada aos
interesses da aristocracia rural. Ao todo eram noventa membros, eleitos
por catorze províncias. Entre eles, 26 bacharéis em leis, dezenove
sacerdotes, sete militares e alguns médicos, proprietários rurais e
funcionários públicos. Naturalmente, a aristocracia rural pretendia
utilizar a Assembléia Constituinte como instrumento de seus interesses,
tentando impor ao Estado uma forma à sua imagem e semelhança. Cf.
KOSHIBA, Luiz, PEREIRA, Denise Manzi Frayze. História do Brasil.
São Paulo: Atual, 1996. p. 171. Entretanto, em 12 de novembro de
1823, D. Pedro I dissolve a Assembléia Constituinte, outorgando a
Constituição imperial em 1824. A hegemonia política da aristocracia
rural é quebrada, prevalecendo o “partido português”, adepto do
absolutismo imperial e da recolonização do país.
59 Art. 179, nº 18: Organizar-se-á, quanto antes, um código civil e
criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e eqüidade.
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No fim do período colonial, a autoridade local,
que defendia os interesses dos termos, vilas e comarcas,
é minada pelo poder régio. O processo de centralização
do poder foi consagrado na fórmula: dividir para
governar e centralizar, ou seja, os municípios foram
atomizados e à administração local restou a autonomia
para administrar pequenas obras (pontes e pequenas
estradas ligando uma vila ou comarca à outra). Assim, o
Estado português ganha força e gerência sobre as
populações locais. Entretanto, tal medida criou uma
dependência contida, pois os senhores territoriais,
temerosos de medidas arbitrárias, tornaram-se
adversários latentes do Estado.
“(...) O Estado não é sentido como o
protetor dos interesses da população,
o defensor das atividades dos
particulares. Ele será, unicamente,
monstro sem alma, o titular da
violência, o impiedoso cobrador de
impostos, o recrutador de homens
para empresas com as quais ninguém
se sentirá solidário. (...) Os senhores
territoriais, a plebe urbana cultivam,
na insubmissão impotente, um
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oposicionismo difuso, calado,
temeroso da reação draconiana.”60
O governo de D. Pedro I, após a independência,
consagrou-se pela centralização administrativa. O Poder
Moderador, que teve sua origem na obra do jurista suíço
Benjamin Constant61, centralizou nas mãos do Imperador
a política do Brasil independente62. Este poder absoluto
60 Cf. FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato
político brasileiro, São Paulo: Globo, 1998. p.165.
61 “Teoricamente, o poder moderador, tal como aparecia no Cour s de
Politique Constitutionelle, de Benjamin Constant, deveria ser um poder
neutro, que garantisse a harmonia dos três poderes. Entretanto, aplicado
como fórmula política, no Brasil converteu-se na residência do
verdadeiro poder. Exercido pelo imperador, Tornou-se instrumento de
sua vontade pessoal, de seu despotismo, enfim. ” Cf. KOSHIBA, Luiz,
PEREIRA, Denise Manzi Frayze. ob. cit. p. 173. O art. 98 da
Constituição de 1824 indicava as atribuições do Poder Moderador, e o
art. 10 o incluiu entre os poderes políticos. Para o teórico suíço (1767-
1830) a liberdade era o núcleo do seu sistema político, o poder
Moderador exerceria o papel de mediador entre os poderes, uma vez
que no quadro histórico em que foi gera do havia grande disputa entre
Judiciário e Executivo; Parlamento (que na verdade consistia em duas
Câmaras separadas e freqüentemente em conflito) e o Rei. Cf. PAIM,
Antonio. História do liberalismo brasileiro. São Paulo: Mandarim,
1998. pp. 60-61.
62 “Além do poder moderador, a Carta de 1824 adotou a clássica
tripartição de Montesquieu: o Executivo, exercido por ministério de
livre nomeação e demissão do Imperador; o Legislativo bicameral,
composto de Câmaras de base eletiva e temporária e Senado vitalício e
de nomeação imperial; e o Judicial, constituído do Supremo Tribunal

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