Arbitragem e Mediação, Hoje

AutorLuiz Antunes Caetano
Páginas109-132

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1.1. Introdução

A arbitragem, sistema entre nós codificado pela Lei nº 9.307/96, trata do modo, meio e forma de pessoas, empresas ou instituições particulares poderem (e deverem) dirimir, resolver e, assim, dar fim aos eventuais conflitos oriundos do relacionamento entre elas, sejam pessoais ou negociais, excluindo a atuação do Poder Judiciário.

Verdadeira justiça privada praticada por, para e entre particulares. Seu uso no mundo é muito antigo. Sua prática é muito anterior ao Estado como único provedor da Justiça, o que ocorreu após o advento da Revolução Francesa.

"Em Dalloz, podem-se ver textos que documentam haver recorrido à arbitragem povos como os hebreus, os hindus, os atenienses, os espartanos. Lembra Frances Kellor que a arbitragem comercial era conhecida dos caravaneiros do deserto ao tempo de Marco Polo e que também havia sido uma prática freqüente entre os mercadores fenícios e gregos."1Em nosso Direito positivo, a arbitragem já era referida no Decreto (Regulamento) nº 737, de 25 de novembro de 1850. Mas, desde então, entre nós, tornou-se impraticável pelo formalismo de homologação da sentença arbitral pelo Juiz de Direito para sua exeqüibilidade (v. art. 463 do Regulamento), bem como reservava às partes o direito de apelarem dela (v. art. 468, idem); assim era muito demorada a solução do conflito.

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Ocorria desinteresse pelo uso e prática da arbitragem. Era tanto quanto a mesma forma de solução de qualquer questão pelo Poder Judiciário.

Esses obstáculos de ordem processual legal perduraram até o advento de nossa atual Lei de Arbitragem, também denominada Marco Maciel, promulgada a 23 de setembro de 1996, que tomou o no 9.307, como o modo e meio mais prático e adequado de solução de conflitos e controvérsias entre particulares.

Essa nossa lei conferiu à sentença arbitral os mesmos efeitos da sentença judicial, bem como conferiu ao árbitro os poderes de juiz de fato e de direito, e ainda estatuiu que a sentença arbitral não está sujeita a recurso ou a homologação do Poder Judiciário.

A resolução dos conflitos mediante o procedimento arbitral realizado para e pelos particulares, na conformidade de nossa atual lei, passou a ter as propriedades de rapidez, oralidade, eficácia, sigilo, informalidade, economia e precisão, tal como igualmente prescreve a legislação internacional.

Assim, no Brasil, a arbitragem já pode e deve ser praticada como Justiça privada que é.

Nos contratos internacionais de comércio, a arbitragem é usada com total exclusividade para solução de seus conflitos ou controvérsias. Até mesmo quando uma das partes é brasileira.

Todavia, a aceitação de nossa Lei de Arbitragem, promulgada desde 1996, em nosso mundo jurídico e mesmo entre comerciantes, grandes ou pequenos, ou as pessoas em geral, não ocorre como seria desejável e necessário. Nem mesmo outros modos e meios alternativos de solução de conflitos ou controvérsias entre particulares, como a negociação, conciliação e mediação, têm recepção no público em geral.

Há organizações de projeção internacional, até centenárias, que atuam no campo da arbitragem, e, no Brasil, já não são poucos os órgãos, instituições e entidades especializadas, isto é, firmas ou empresas sob a forma jurídica do tipo sociedade simples, com ou sem fins lucrativos, ou mesmo associação civil, que prestam serviços de assistência, gerência e administração do procedimento arbitral.

A nós, todavia, falta, e muito, além da ignorância, no sentido próprio de desconhecer o tema, a cultura do uso dos meios alternativos de solução de conflitos, excluindo-se o Poder Judiciário.

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Ainda se tem em mente que a solução dos conflitos se resolve com a intervenção de advogados e perante o Poder Judiciário, na figura do Dr. Juiz de Direito, isto é, perante a autoridade constituída pelo Poder Público.

Daí nossa pretensão de oferecimento destas apreciações simples e diretas sobre os meios adequados de solução de conflitos entre particulares, despidas de qualquer academicismo, em especial a arbitragem e a mediação. Produto mais de vivência, experiência, algum estudo e reflexão.

Não há intenção mínima em alcançar os doutos, letrados, mestres e cultores do Direito. É dirigida a todos os cidadãos sem formação acadêmica ou jurídica que têm a humildade dos sábios de que pouco ou nada sabem. Mas têm curiosidade.

1.2. Nós, na arbitragem

A finalidade última da arbitragem é a de resolver, dirimir, dar fim aos conflitos surgidos ou que possam surgir entre as pessoas, físicas ou jurídicas, em suas relações negociais por e entre particulares.

Pela arbitragem, as partes excluem a jurisdição do Poder Judiciário, ou, ainda com a ação judicial em andamento, podem dela desistir para resolver sua controvérsia pelo Juízo Arbitral.

De comum acordo, têm de optar e contratar o procedimento arbitral para a solução de seu conflito, e a forma de escolha do(s) árbitro(s) que vai(ão) decidi-lo. Ou, antes, podem aceitar as regras ditadas no Regulamento de um órgão arbitral institucional, ou de uma entidade especializada.

Mas há de se investigar por que a aceitação da arbitragem ainda é incipiente, se bem já começa a florescer de maneira firme.

Até para discussão ou reflexão, vale expor qual é a nossa atuação, como agimos, nos portamos e comportamos diante da arbitragem.

O que é que pensamos, queremos ou pretendemos dos atores na arbitragem, que são os usuários/clientes, árbitros, os órgãos arbitrais institucionais ou entidades especializadas, assistentes, e principalmente os advogados.

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1.3. O cliente/usuário da arbitragem

Vamos admitir que o pretenso usuário da arbitragem tenha algum conhecimento dela, ou, pelo menos, "já leu, ou ouviu alguma coisa", e, então, vê-se diante da conflagração de um conflito com terceira pessoa e interessa-se pela sua pronta solução.

Há uma primeira dificuldade para adoção do Juízo Arbitral: superar a lembrança única de consultar um advogado, conhecer então da ação judicial que serve para tutelar seu direito, e assim recorrer ao Poder Judiciário. Daí a necessidade de divulgação do Juízo Arbitral.

Segunda dificuldade: desconhece se a outra parte entenderá ser conveniente e interessante a solução do conflito pela arbitragem. Assim, a parte, ou alguém por ela, tem de dirigir-se à outra parte para persuadi-la e convencê-la a aceitar a solução do conflito pela arbitragem.

Esse trabalho de persuasão e convencimento da outra parte em submeter o conflito ao procedimento arbitral, quando por terceiros, deve ser exercido pelo representante ou prepostos dos órgãos arbitrais institucionais ou entidade especializada, que são conhecedoras do Juízo Arbitral. Se dissenso ocorrer entre as partes, certo que, a solução do conflito restará ser levada ao conhecimento do Poder Judiciário para a sua resolução.

Com o início do processo judicial, pelo ato da ciência da ação pelo Oficial de Justiça, ou mesmo pelo correio, as partes tornam-se adversárias, são verdadeiramente litigantes. Isso porque a parte pas-siva tem o dever de defender-se, contratar seu advogado, apresentar contestação, sob pena de serem presumidos como verdadeiros os fatos alegados pelo autor. Pior ainda são os trâmites do procedimento judicial: (a) contratação dos advogados, pagamento dos honorários e adiantamento de custas e despesas judiciais; (b) após algum tempo -, totalmente indeterminável, que varia de seis a oito anos -, conseguir a decisão judicial então transitada em julgado, para ser ainda e finalmente executada.

Há aí um grande caminho a ser percorrido. A ação judicial principia pela distribuição da petição inicial, no foro competente. Tem contestação; réplica; tréplica; especificação de provas; produção das

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provas; eventual perícia técnica; razões finais; sentença de 1º grau; apelação ao tribunal superior; contra-razões da apelação; distribuição da apelação; nomeação do relator; remessa ao revisor; data de julgamento do recurso de apelação; pronunciamento do Acórdão (decisão do Tribunal); eventual interposição de Embargos de Declaração; seu julgamento; interposição de Recurso ao Superior Tribunal de Justiça e/ou ao Supremo Tribunal Federal junto ao Tribunal recorrido; despacho de aceitação ou denegatório de recebimento do recurso; interposição de recurso de Agravo de Instrumento ao STJ e/ou STF no caso de negativa, etc.

Além, há recursos outros dispostos nos regimentos internos dos Tribunais superiores.

Todos esses atos judiciais, formais, dispostos no Código de Processo Civil, como não podem deixar de ser, obedecem ao princípio do contraditório, ou seja, as partes igualmente têm o direito de manifestar-se e contrariar, querendo, todo ato no processo praticado pelo adverso, dentro de prazos variáveis de 5 (cinco), 10 (dez) ou 15 (quinze) dias, às vezes 24 ou 48 horas, de obediência só pelos srs. advogados. Prazos esses contados da publicação em Diário Oficial da intimação de despacho dado no processo ou de publicação da sentença judicial ou do Acórdão.

Por tudo isso, e até por bom senso, é de rigor que as partes busquem a solução do conflito pelo meio adequado e alternativo da arbitragem. É rápido, informal, sigiloso, eficaz e econômico. Na relação custo/benefício, não há comparação.

Quem já passou por um processo judicial, ou por ele respondeu, tem presente que, enquanto ele dura, a vida pessoal fica consideravelmente perturbada por tensões oriundas de sentimentos negativos de ira, punição, suposição, desconfiança e expectativas, estas quase sempre falsas.

Parece-nos que óbice principal à aceitação da arbitragem é o fato de as partes não superarem os resquícios de uma antipatia ou inimizade oriunda do conflito, mas, se concordarem na solução pela arbitragem e para tanto dialogarem o suficiente para, também, de comum acordo...

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