Arresto

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas2509-2532

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1. Nótula histórica

Informa Theodor Müther que o arresto já era conhecido pelo Direito romano (Sequestration un Arrest. p. 303/304). A afirmação do ilustre jurista alemão se baseia em certa disposição do Digesto (L. 10, § 16, D., quae infraudem creditorum facta sunt, ut restituantur, 42, 8). Na verdade, a providência aí prevista apenas se assemelhava ao arresto dos tempos modernos; ao arresto como instituto processual. É aconselhável reproduzir a advertência feita por Pontes de Miranda, no sentido de que, “com o expediente de simples cata de frases, encontraríamos nos textos romanos tudo o que desejássemos” (ob. cit., p. 108).

Não se nega que os romanos, atendendo às exigências da vida social e jurídica da época, tenham concebido medidas similares ao arresto atual, como a missio in possessionem e a sequestratio. Ainda na lição de Pontes de Miranda, “sociologicamente, cada cultura vai revelando pretensão à segurança e dando, com as diferenças de espaço e de tempo, em que se manifestam os seus pendores e a sua técnica processual, as soluções que lhes parecem melhores, ou que as condições de eficiência legislativa permitiram” (ob. cit., p. 109).

Os registros históricos demonstram que as origens do arresto se localizam no direito medieval italiano e no direito alemão; não nos parece correto afirmar que o direito germânico tenha trazido da Itália o arresto, que já era praticado. Mostra Rosenberg que o arresto alemão advém do procedimento que o direito daquele país estabelecia em relação ao criminoso que era capturado em flagrante. Os alemães consideravam também ladrão o devedor que não tinha condições de satisfazer a obrigação e que havia fugido; quando encontrado, poderia ser preso pelo credor.

É o que se chamava de arresto do fugitivo. Já no crepúsculo do século XIII, permitia-se a prisão do devedor sempre que suspeito de fuga. No século seguinte, a suspeita em questão se configurava pelo simples fato de o devedor não possuir condições de pagar. O mesmo tratamento se dispensou aos estrangeiros que se manifestassem desinteressados no pagamento das dívidas assumidas; daí a existência do arresto de estrangeiros, na Alemanha (ROSENBERG. Tratado de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: EJEA, 1955. p. 260).

Curiosamente, essa medida extrapolava da pessoa do próprio estrangeiro devedor, pois se a comunidade, a que ele pertencesse, negasse o direito, os seus integrantes poderiam ser também aprisionados. Era o arresto de represália muito difundido naquele país. O

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sistema alemão admitia, aliás, o arresto do cadáver (embargo de sucessão); por intercessão da Igreja, contudo, esse embargo passou a ser realizado apenas em relação à herança.

Podemos dizer, com apoio em Von Meibom, que o processo de arresto, no direito germânico, derivou do processo de execução (Das Deutsche Pfandrecht, p. 147 e segs.). Certo é, entretanto, que o arresto não proveio da penhora, uma vez que ambos se originaram da prenda privada, onde havia um conteúdo de satisfatividade e de cautelaridade, cujos elementos foram acentuando-se e diferençando-se, “à medida em que (sic), passando ao Estado a função de prendar, as ações e sentenças tiveram conteúdo preciso (executivo, na penhora; mandamental, no arresto)” (MIRANDA, Pontes de, ob. cit., p. 110).

De início, no direito alemão os processos principal e de arresto estavam integrados em um só procedimento, razão pela qual se realizava audiência única, para ambos; mais tarde, determinou-se a separação de ambos os processos, passando a haver audiências distintas.

Importa ressaltar que o arresto, antes destinado à apreensão de pessoas (como medida tendente a garantir o pagamento da dívida), passou depois a ter como objeto bens móveis e imóveis.

No direito português, o arresto aparece nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, com o nomen iuris de “sequestro”.

No Brasil, a Consolidação de Ribas tratou dessa figura no art. 898. Joaquim Inácio Ramalho, em sua obra sobre a “Praxe Brasileira”, discorreu sobre o assunto em menos de cinco páginas.

O Regulamento n. 737, de 25 de novembro de 1850, disciplinou, em melhor técnica, a matéria, precisando a natureza do título que rendia ensejo ao arresto (art. 332, § 1.º) e estabelecendo, casuisticamente, as situações que caracterizavam o perigo na demora (art. 321, § 1.º). Prosseguindo no aprimoramento da disciplina, os diversos códigos estaduais passaram a exigir, como requisito à concessão do arresto, a certeza e a liquidez da dívida, requisitos que foram mantidos no primeiro Código de Processo Civil unitário do país (1939), embora nesse texto se tenha abandonado a enumeração dos casos de arresto, dando-se preferência à formulação de uma regra generalizante, representada pela expressão: “quando, antes da decisão, for provável a ocorrência de atos capazes de causar lesões, de difícil e incerta reparação, ao direito de uma das partes” (art. 675, II).

O atual CPC restabeleceu o antigo rol de causae arresti, no que foi criticado por Ovídio A. Baptista da Silva, que viu nessa restauração um evidente prejuízo para as conquistas do processo cautelar “concebido modernamente como instrumento maleável e adaptável a todas as contingências emergenciais que reclamam a tutela jurisdicional preventiva” (ob. cit., p. 109). Conquanto nos associemos à crítica formulada pelo eminente jurista gaúcho, pensamos que o legislador processual de 1973 poderia ter eliminado todas as providências acautelatórias nominadas que introduziu no texto, restringindo o processo cautelar às medidas inominadas cuja atipicidade ou inespecificidade melhor atenderia à pretensão, à segurança, que põe o indivíduo em juízo nesses casos.

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Discordando também da atitude desse legislador, Humberto Theodoro Júnior diz que para atender aos objetivos que são específicos do arresto, o art. 813 do CPC (que enumera os casos de cabimento da medida), na prática, “deverá ser interpretado mais como portador de caráter exemplificativo do que taxativo” (ob. cit., p. 190). Dissentimos, data venia, dessa opinião. Reconhecemos que o legislador não deveria ter enumerado os casos autorizados do arresto; isto não significa que a medida possa ser outorgada fora desses casos. O elenco do art. 813, ao contrário do que sustenta Theodoro Júnior, é exaustivo e não meramente exemplificativo. Se, em determinada situação concreta, o indivíduo deseja apreender, cautelarmente, bens do devedor, sem que os fatos relativos a essa situação se amoldem a quaisquer dos incisos do art. 813 do devedor, não deverá argumentar em juízo com o hipotético caráter exemplificativo desse artigo, e sim valer-se de uma providência cautelar inominada, que lhe propiciará o mesmo resultado prático que obteria com o arresto. Em suma: no vazio da previsão do art. 813, atua o poder geral de cautela do magistrado, com espeque no qual poderá emitir providência acautelatória atípica, destinada a atender à necessidade de segurança, manifestada pela parte.

Essa é, aliás, a grande tarefa que o Código reservou às cautelas inominadas: cobrir os espaços deixados pelas providências específicas.

2. Conceito e finalidade

O vocábulo arresto é originário do latim medieval arrestatio, ou arripere (ad + rapere), significando levar-se algo, com violência, a juízo. Juridicamente, indica a apreensão judicial de bens do devedor, como meio acautelatório de segurança ou para garantir ao credor a cobrança do que lhe é devido, evitando assim que haja um prejudicial desvio de bens, por parte do devedor (SILVA, De Plácido e, ob. cit., p. 159).

Do verbo arrestar derivam os substantivos arresto (apreensão de bens), arrestante (aquele que requer o arresto), arrestado (aquele a quem se fez o arresto), e o adjetivo arrestando (bens que estão para ser arrestados). Embora sem previsão léxica, encontram-se em largo uso os derivantes arrestação (ato de arrestar), arrestável (o que é passível de ser objeto de arresto), arrestabilidade (qualidade do que é arrestável) e arrestatório (o que arresta).

Adverte Pontes de Miranda para a diferença entre aresto e arresto: o primeiro é sinônimo de sentença; o segundo, de embargo (ob. cit., p. 117).

No sistema do processo civil, o arresto constitui medida cautelar típica, consistente na apreensão judicial de bens integrantes do patrimônio econômico do devedor, com a finalidade de eliminar o perigo de dano capaz de comprometer o sucesso da futura execução por quantia certa.

Com efeito, enquanto não for realizada a penhora, o credor pode — desde que caracterizadas quaisquer das hipóteses de que cuida o art. 813 do CPC — requerer a

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apreensão de bens do devedor, sobre os quais, mais tarde, incidirá a penhora. Dispõe o art. 818 do Código, a propósito, que, julgada procedente (sic) a ação principal, o arresto se resolve em penhora.

Ensina Lopes da Costa que a medida em questão corresponde ao sequestro conservativo do direito italiano, à penhora de segurança do direito francês, ao dinglische arrest do direito alemão, ao embargo preventivo do direito espanhol (Medidas Preventivas, p. 62).

O arresto é realizado mediante ação (trata-se, portanto, de medida tipicamente jurisdicional), com o escopo de garantir a eficácia de futura execução (por quantia certa), embora não se equipare a ela. Revela-se, por isso, dotada de comprometedora eiva técnica a afirmação de que o arresto equivale a uma antecipação da penhora, pois a função dessa providência acautelatória é essencialmente preventiva. A penhora, por sua...

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