Sequestro

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas2533-2542

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1. Nótula histórica

O sequestro tem as suas origens no sequestrum do direito romano clássico; esse sequestrum consistia no depósito judicial, voluntário ou imposto, nas mãos de terceiro, da coisa litigiosa. Ao depositário — denominado sequester — incumbia a guarda e a conservação dos bens e o dever de entregá-los a um dos contendores, conforme houvesse sido estabelecido na constituição do sequestrum, ou àquele que resultasse vencedor na ação.

Justificava-se um tal sequestro pelo receio de que, permanecendo a coisa em poder de um dos litigantes, viesse a perder-se ou a deteriorar-se.

Em Roma, a diferença entre o sequestro voluntário e o forçado residia no fato de o primeiro ser produto da vontade dos próprios litigantes (sendo decorrente, portanto, de um negócio jurídico bilateral), ao passo que o segundo se originava de imposição da autoridade judiciária. Nesse período, instituiu-se a actio sequestraria (ou depositi sequestraria), com a finalidade de conceder tutela à relação jurídica que se formava em virtude do sequestrum.

As raízes remotas do sequestro romano, contudo, têm sido reconhecidas na legis actio sacramento in rem, nos casos em que a mittite ambo hominem do juiz não era acompanhada da entrega da coisa litigiosa, no mesmo dia, ao vencedor da demanda (XII Tab. 1,9: solis occasus suprema tempestas esto).

Escreve Arnaldo Biscardi que, com fundamento na diffissio diei e na cisão do procedimento, que era facultado, e notadamente em decorrência da dilação obrigatória trazida pela Lex Pinaria “ut die” tricesimo indez daretur, se impôs a necessidade de disciplinar a posse provisória da coisa controvertida. Em face disso, é provável que o pretor, antes da proclamação do vencedor, preferisse — a fim de preservar o bem litigioso — colocá-lo, provisoriamente, na posse de um terceiro, desde que nisso conviessem os demandantes. O frequente uso dessa medida deu origem a um ato de autonomia privada que, avençando as partes quanto à posse provisória da coisa, dispensava o emprego dos interditos possessórios, bastando que concordassem em deixar os bens sob a guarda de outra pessoa, em quem confiavam (Sequestro. In: Novíssimo Digesto Italiano, v. XVII, p. 43).

No período do direito luso-brasileiro, não se apresentava muito clara, no texto das

Ordenações Afonsinas e Manuelinas, a linha de separação entre o arresto e o sequestro;

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as Ordenações Filipinas, em vez de explicarem essa separação, acabaram por fundir em um só os conceitos desses dois institutos, aos quais chamou de sequestro. Como é compreensível, essa confusão causada pelo texto legal reinol penetrou na própria doutrina da época, motivo por que, não raro, os autores portugueses manifestavam acentuada imprecisão quanto aos conceitos de arresto e de sequestro.

Essa confusão contaminou também a legislação e a doutrina brasileiras, que muitas vezes se referiam ao sequestro quando o caso era de arresto.

O famoso Regulamento n. 737 não foi feliz na tentativa de definir o conceito e o contorno de ambas as figuras; muitos códigos estaduais, por outro lado, revelaram forte tendência em dispensar ao arresto um tratamento de mera forma de sequestro.

O Código de Processo Civil de 1939 muito pouco contribuiu para a definitiva elucidação da matéria, limitando-se a dispor que as medidas preventivas consistiam, dentre outras, em arresto dos bens do devedor e em sequestro de coisa móvel ou imóvel (art. 676, I e II), e que para a concessão do primeiro era necessária a prova literal da dívida líquida e certa (art. 681). No mais, era silente.

Já o Código atual tratou do assunto com melhor técnica jurídica e legislativa, destinando a esses procedimentos cautelares específicos Seções distintas e precisando o objetivo e os pressupostos de um e de outro, embora mande aplicar ao sequestro, no que couber, as disposições concernentes ao arresto (art. 823).

2. Conceito e finalidade

O sequestro consiste na apreensão e guarda judiciais da coisa litigiosa, em caráter temporário, a fim de entregá-la, mais tarde, a quem o juiz determinar. A litigiosidade, no caso, não significa, necessariamente, que a ação principal relativa à coisa tenha sido ajuizada, pois o processo de sequestro pode ser instaurado antes do principal — hipótese em que a lei o denomina, com impropriedade, de “preparatório” (arts. 796 e 800).

Teleologicamente, essa providência cautelar reflete a preocupação do legislador em manter a igualdade dos litigantes, no curso do processo de mérito.

Assinala Pontes de Miranda que, de regra, o arresto é proibido, pois só é cabível quando a lei expressamente o permite (ob. cit., p. 154). Tanto isso é certo que, segundo veremos no tempo oportuno, o Código indica, de modo casuístico, as situações que autorizam o recurso a tal medida (art. 822).

Feitas essas considerações, podemos agora conceituar o sequestro — de acordo com a disciplina que a ele confere o nosso sistema processual — como a ação cautelar nominada, que pode ser ajuizada antes da ação principal ou no curso desta, tendente a garantir a execução para a entrega de determinado bem litigioso, mediante a apreensão judicial deste e sua guarda por depositário, para que venha a ser entregue, no tempo oportuno, a quem de direito, em bom estado de conservação.

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Como se vê, o desapossamento jurídico da coisa litigiosa, referido no conceito que formulamos, põe em evidência a própria finalidade do arresto, que é a de evitar que a eventual permanência do bem — objeto da lide — em poder de um dos litigantes venha a causar danos à coisa, com prejuízo ao que vencer a demanda. Daí a razão de ser colocada sob a guarda de depositário, pessoa geralmente neutra.

Desejamos esclarecer que na elaboração desse conceito tivemos em mente apenas o sequestro de coisa, uma vez que entendemos ser a Justiça do Trabalho incompetente para determinar essa medida acautelatória com o escopo de resguardar a incolumidade física de uma das partes, ou seja, de evitar que elas se agridam em decorrência da disputa que travam quanto à posse ou à propriedade da coisa (CPC, art. 822, I). Na verdade, em se tratando de sequestro de pessoas, o Código utiliza as denominações depósito (CPC, art. 888,
V), posse provisória de filhos (CPC, art. 888, III) e guarda judicial (CPC, art. 799).

3. Sequestro e processo do trabalho

Conhecidas as origens históricas do sequestro, esboçado um conceito dessa providência cautelar típica e indicada a sua finalidade, brota o momento de investigarmos se ela é admissível ou não, no processo do trabalho.

A competência da Justiça do Trabalho, como sabemos, se encontra fixada constitucionalmente e se concentra na solução dos conflitos — individuais ou coletivos oriundos de relação de trabalho (CF, art. 114). Em face da literalidade da citada norma constitucional, muitos têm suposto que os conflitos interindividuais, de que ela fala, respeitem, exclusivamente, a direitos; a partir daí, essa corrente de opinião conclui ser a Justiça do Trabalho desprovida de competência para apreciar ações de sequestro, porquanto o seu objeto é a apreensão de coisa (litigiosa).

Coloquemos, todavia, um imprescindível grão de sal no problema.

A limitação aos conflitos de interesses envolvendo somente direitos, que se tem visto no texto constitucional, é, data venia, cerebrina; a Suprema Carta Política alude a “Ações oriundas da relação de trabalho”, sem restringir esses conflitos aos relativos a direitos (comumente, materiais). Sendo assim, sempre que se verificar, no âmbito da relação de trabalho, uma controvérsia acerca da posse ou propriedade de determinada coisa, móvel ou imóvel, e desde que tenha sido utilizada por força do contrato de trabalho, será inafastável a competência da Justiça Trabalhista para apreciar e solver ditos conflitos. Digamos, e. g., que o empregado tenha utilizado, em virtude do contrato laboral, ferramentas, mostruários, etc., cuja propriedade é por ele e pelo empregador disputada. Extinto o contrato (admitamos que tenha sido esse o caso) e pretendendo o empregado reaver os precitados bens, que se encontram na posse do empregador...

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