ART. 4º

AutorMaria Luiza Machado Granziera
Páginas6-85
ART. 4º MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
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Parágrafo único. A ANA terá sede e foro no Distrito Federal, podendo
instalar unidades administrativas regionais.
Comentário
A descentralização administrativa prevista na lei confere uma alternativa de
estrutura organizacional à ANA. As Unidades Administrativas Regionais da Agência
Nacional de Águas e Saneamento Básico são criadas de acordo com a necessidade, o
que demanda, no início, uma maior proximidade com os atores locais. A estruturação,
vinculação hierárquica, extinção, criação, f‌inalidades estratégicas, competências e
denominações das Unidades Administrativas a serem instaladas, constituem matéria
a ser def‌inida em regulamento. Até o presente, porém, não houve a implementação
de tais Unidades.
Art. 4º A atuação da ANA obedecerá aos fundamentos, objetivos, diretrizes
e instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos e será desenvol-
vida em articulação com órgãos e entidades públicas e privadas integrantes
do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, cabendo-lhe:
Comentário
Como agência de gestão de recursos hídricos, a ANA vincula-se aos disposi-
tivos f‌ixados na Política Nacional de Recursos Hídricos, verdadeiro f‌io condutor do
desenvolvimento de suas atividades. Cabe verif‌icar, dessa forma, como se aplica a
Lei 9.433/97 na atuação da ANA, no que se refere aos seus fundamentos e diretrizes.
O dispositivo menciona também que a atuação da ANA obedecerá aos instrumen-
tos da política. Há um equívoco nessa redação, pois uma entidade não pode obedecer
a instrumentos de uma política, que são justamente os meios administrativos de que
essa entidade dispõe para atingir os objetivos f‌ixados. Os instrumentos da Política
Nacional de Recursos Hídricos, em realidade, são aplicados pela Agência Nacional
de Águas e Saneamento Básico que, nessa atividade, deve observar os princípios de
gestão (fundamentos) e as diretrizes de ação previstas na Lei 9.433/97. Releva ainda
notar que os Estados da Federação, no que concerne às águas de domínio estadual,
são competentes para gerir esses recursos.
Princípios
A Lei 9.433/97 constitui um marco na legislação sobre recursos hídricos, na
medida em que introduziu novos princípios de gestão que já eram objeto de consenso
nos meios técnicos, os quais tiveram rebatimento em vários documentos de âmbito
internacional, como é o caso da Carta Europeia da Água, editada pelo Conselho
da Europa em Estrasburgo, França, em 1968; da Conferência de Estocolmo sobre
Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo, Suécia,
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUA E SANEAMENTO BÁSICO – Comentários à Lei 9.984/2000
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de 1972; da Conferência das Nações Unidas sobre a Água realizada em 1977, em
Mar del Plata, Argentina; da Declaração de Dublin, de 1992; e da Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de
Janeiro em 1992, que, entre outros documentos, gerou a Agenda 21, cujo tema Água
encontra-se em seu Capítulo 18.
Esses princípios de gestão foram incorporados na legislação brasileira como
fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, alterando profundamente
o direito anterior aplicável às águas, sobretudo no que se refere à governança, ao
planejamento e ao controle desses bens.
Posteriormente, em 2000, a ONU instituiu os Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM), com previsão de 15 anos. Em suas metas, inclui-se a redução, pela
metade, de população sem acesso sustentável à água potável segura e ao saneamento.
Em continuidade aos ODM, foram instituídos em 2015 os Objetivos do Desen-
volvimento Sustentável (ODS) – Agenda 2030, endereçada aos Estados nacionais,
governos subnacionais – estados federados, DF, regiões, municípios –, sociedade
civil e iniciativa privada, dentro das atribuições e realidades de cada um.
São 17 objetivos e 169 metas, sendo que o ODS 610 trata da água limpa e do
saneamento básico11, ref‌letindo uma visão inovadora das Nações Unidas ao colocar
a água como elemento central de temas que possuem relação com diversos outros
ODS, como a saúde pública e o meio ambiente. O ODS 6 abrange 8 metas, apresen-
tadas a seguir:
•até 2030, alcançar o acesso universal e equitativo a água potável e segura para todos;
•até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos, acabar
com a defecação a céu aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas
e daqueles em situação de vulnerabilidade;
•até 2030, melhorar a qualidade da água, reduzir à metade a proporção de águas residuais não
tratadas e aumentar a reciclagem e reutilização segura globalmente;
•até 2030, aumentar a eciência do uso da água e assegurar retiradas sustentáveis e reduzir o
número de pessoas que sofrem com a escassez de água;
•até 2030, implementar a gestão integrada dos recursos hídricos em todos os níveis, inclusive
a transfronteiriça;
10. Sobre a implementação do ODS 6, consultar: Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (Brasil).
ODS 6 no Brasil: visão da ANA sobre os indicadores/Agência Nacional de Águas. – Brasília: ANA, 2019, p.
10. Disponível em: https://www.ana.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/publicacoes/ods6/ods6.pdf
Acesso em: 5 abr. 2021.
11. A título de esclarecimento, o conceito de saneamento utilizado pela ONU consiste na provisão de instalações
e serviços para o gerenciamento e o descarte de resíduos líquidos e sólidos gerados por atividades humanas.
Já a Lei 1.445/2007 ao instituir as Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico, aborda o tema sob outra
ótica, incluindo no escopo dos serviços o abastecimento de água potável, o esgotamento sanitário, assim
como a drenagem e o manejo de águas pluviais.
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•até 2020, proteger e restaurar ecossistemas relacionados com a água incluindo montanhas,
orestas, zonas úmidas, rios, aquíferos e lagos;
•até 2030, ampliar a cooperação internacional e o apoio à capacitação para os países em desen-
volvimento em atividades e programas relacionados à água e saneamento;
•apoiar e fortalecer a participação das comunidades locais, para melhorar a gestão da água e
do saneamento.
Note-se que os recursos hídricos são intrinsecamente ligados aos serviços pú-
blicos de saneamento básico regidos pela Lei 11.445/2007, e recentemente alterada
pela Lei 14.026/2020. Além do ODS 6, o ODS 17 refere-se a fortalecer os meios de
implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.
Nessa ótica, cabe destacar:
•reforçar o apoio internacional para a implementação ecaz e orientada da capacitação em países
em desenvolvimento, a m de apoiar os planos nacionais para implementar todos os objetivos
de desenvolvimento sustentável;
•aumentar a coerência das políticas para o desenvolvimento sustentável;
•incentivar e promover parcerias públicas, público-privadas e com a sociedade civil ecazes, a
partir da experiência de mobilização de recursos dessas parcerias.
A Lei 9.433/97 estabelece que a água é um bem de domínio público.12 Esse dispo-
sitivo da lei observa o conteúdo da Constituição de 1988, que por sua vez reaf‌irmou
as determinações constantes das Constituições de 1946 e 1967/1969. A publicização
da água fundamenta-se na importância desse recurso e na necessidade de uma ges-
tão integrada. Daí não existirem as águas particulares, previstas no art. 8º do antigo
Código de Águas, Decreto 24.642, de 10.07.1934. As águas, portanto, pertencem à
União, aos Estados e ao Distrito Federal.13
No que se refere aos bens públicos, o art. 99 do Código Civil classif‌icou-os
como de uso comum, de uso especial e dominicais, dando como exemplo de bens
públicos de uso comum do povo os mares, rios, estradas, ruas e praças.14 O uso
comum, embora faculte o acesso de qualquer pessoa ao bem, independentemente
de identif‌icação, impõe a observância das regras administrativas aplicáveis a ele.
No caso dos recursos hídricos, o uso comum pode ser entendido como a retirada
de pequenas quantidades de água, a pesca amadora na beira de um rio, a travessia
por meio de pequenas embarcações. Para essas atividades, não há regras específ‌icas,
nem a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico interfere, a menos que haja
algum risco de dano.
13. Ver GONDIJO JUNIOR, Wilde Cardoso; TRIGO, Agustin Justo. Domínio das Águas no Brasil e a Gestão
Integrada por Bacia Hidrográf‌ica: Ref‌lexões Sobre o modelo vigente no Brasil. Trabalho apresentado no 4º
Encontro Internacional da Governança da Água, São Paulo, 2013: Inovação e Novos Conceitos na Gover-
nança da Água.

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