ART. 4º-A

AutorMaria Luiza Machado Granziera
Páginas85-120
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUA E SANEAMENTO BÁSICO – Comentários à Lei 9.984/2000
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Comentário
O inciso V trata da atribuição de f‌iscalizar os usos de recursos hídricos nos cor-
pos de água de domínio da União. O § 1º da Lei 9.433/1997 estabelece que o Poder
Executivo Federal poderá delegar aos Estados e ao Distrito Federal competência para
conceder outorga de direito de uso de recurso hídrico de domínio da União. Como não
estava inserida expressamente nesse dispositivo a possibilidade de delegar a f‌isca-
lização – que também é ato de poder de polícia –, delegava-se apenas a atribuição
de outorgar o uso da água. Essa nova regra atualiza a Política Nacional de Recursos
Hídricos, conferindo maior lógica à gestão.
Na mesma linha, o inciso XII menciona a atribuição de def‌inir e f‌iscalizar as
condições de operação de reservatórios por agentes públicos e privados, visando a ga-
rantir o uso múltiplo dos recursos hídricos, conforme estabelecido nos planos de recursos
hídricos das respectivas bacias hidrográf‌icas, o que passa a ser objeto de delegação
com base na lei.
Art. 4º-A. A ANA instituirá normas de referência para a regulação dos servi-
ços públicos de saneamento básico por seus titulares e suas entidades regu-
ladoras e scalizadoras, observadas as diretrizes para a função de regulação
Comentário
No Brasil, os serviços de saneamento básico são compostos pelo abastecimen-
to de água potável, esgotamento sanitário, limpeza e manejo de resíduos sólidos
urbanos, e drenagem urbana.
Existem 5.570 municípios que atualmente, exercem a titularidade dos servi-
ços de saneamento básico: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário,
limpeza e manejo de resíduos sólidos urbanos e drenagem urbana. O que se nota é
que f‌icou pulverizada a titularidade do saneamento no país.
A nova atribuição da ANA, no que se refere ao saneamento, pode representar um
avanço no setor, que enfrenta problemas muito sérios, sobretudo no que se refere ao
esgotamento sanitário. Segundo o ATLAS ESGOTO, publicado pela ANA, em 2107,
no Brasil, a cada cem pessoas, o acesso ao tratamento de esgoto se distribui em: 43%
dos esgotos são coletados e tratados; 12% referem-se a solução individual; 18% dos
esgotos são coletados mas não tratados e 27% não são coletados nem tratados206.
As normas de referência são endereçadas aos titulares dos serviços e aos entes
reguladores, mas não serão obrigatórias. A adoção é facultativa, como se verif‌ica a
206. Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Atlas esgotos. Despoluição de Bacias Hidrográf‌icas.
Disponível em: http://atlasesgotos.ana.gov.br Acesso em: 05 abr. 2021.
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partir da leitura do art. 23, § 1º-A, I207 e § 1º-B208 da Lei 11.445/07. Tampouco tais
normas substituem a atividade das Agências Reguladoras de serviços públicos de
saneamento básico. As normas de referência, nesse sentido, possuem a função muito
mais de orientar e apontar caminhos e ações para uma real melhoria das condições
do saneamento básico no Brasil do que legislar sobre as matérias def‌inidas na lei.
Segundo Marrara, a ideia central por trás da Lei 14.026/2020 ao criar o instituto
das normas de referência não é exatamente a de fazer que a ANA substitua as agências
locais e estaduais já operantes e as que venham a ser instituídas, mas sim a de edif‌icar
um mosaico regulatório, ou seja, um bloco de peças diferentes, mas alinhadas sob uma
lógica única, nacional. As normas de referência da ANA [...]deverão cumprir essa função.
Sem extinguir o poder regulatório local, procurarão, por meio de soft law209, estimular
os reguladores a se aproximarem num sistema nacional mais harmônico, tornando a
regulação mais previsível e semelhante, ainda que permaneça fragmentada nas mãos
de agências locais e estaduais.
É certo que a alocação de recursos públicos federais e os f‌inanciamentos com re-
cursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da União
serão feitos em conformidade com as diretrizes e objetivos estabelecidos [na lei] e com
os planos de saneamento básico. Todavia, embora as normas de referência não sejam
de adoção obrigatória pelos titulares e entes reguladores, a obtenção de recursos
federais condiciona-se, entre outras situações, à observância das normas de referência
para a regulação da prestação dos serviços públicos de saneamento básico expedidas
pela ANA210.
Essa questão enseja complexidade, na medida em que, af‌inal, havendo necessi-
dade de contar com os recursos federais, os Estados, municípios e entes reguladores
serão obrigados a adotar as normas de referência.
Trata-se de uma forma de conduzir comportamentos, em princípio sem ferir a
autonomia dos Estados federados e municípios. É, também, um modo de assegurar
que os repasses de recursos f‌inanceiros serão utilizados de acordo com o baliza-
mento f‌ixado nas normas de referência. Essa prática, todavia, não pode ferir o pacto
federativo, causando conf‌litos jurídicos e políticos. Vale salientar quea autonomia
federativa assenta-se, além da existência de órgãos governamentais próprios, na
posse de competências exclusivas211. Ou seja, as normas de referência editadas pela
207. Lei 11.445/07, art. 23, §1º-A, I – não exista no Estado do titular agência reguladora constituída que tenha
aderido às normas de referência da ANA.
208. Lei 11.445/07, art. 23, § 1º-B – Selecionada a agência reguladora mediante contrato de prestação de serviços,
ela não poderá ser alterada até o encerramento contratual, salvo se deixar de adotar as normas de referência
da ANA ou se estabelecido de acordo com o prestador de serviços.
209. Norma não obrigatória, mas editada em um ambiente propício à sua aplicação.
211. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 102.
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ANA não poderão sobrepor-se a normas cuja competência pertença a outro ente
com base em lei.
Mas essa não é a única ressalva a ser feita nesse tema. Toda a atividade regu-
latória da ANA, ainda que de adesão não obrigatória, é limitada pelo conjunto de
competências def‌inidas nas leis em vigor em matéria de saneamento básico, sob
pena de questionamentos e judicialização, o que não auxiliará o necessário avanço
da implementação dos serviços de saneamento no País. A partir do momento em
que a adesão às normas de referência editadas pela ANA condiciona o acesso aos
recursos federais, além da participação dos municípios e entes reguladores, essas
normas deverão ser editadas com estrita observância às regras que impõem limites
à nova atribuição da ANA.
No que se refere à titularidade dos serviços, a Lei 14.026/2020 def‌iniu os titulares
da seguinte forma: 1. os Municípios e o Distrito Federal, no caso de interesse local
e 2. o Estado, em conjunto com os Municípios que compartilham efetivamente ins-
talações operacionais integrantes de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas
e microrregiões, instituídas por lei complementar estadual, no caso de interesse
comum. Como atualmente o Estado não vem exercendo a titularidade dos serviços,
há que se aguardar como será feita a transição para essa nova regra.
Nos termos do art. 9º da Lei 11.445/2007, o titular dos serviços formulará a
respectiva política pública de saneamento básico, devendo, para tanto:
•elaborar os planos de saneamento básico, nos termos desta Lei, bem como estabelecer metas e
indicadores de desempenho e mecanismos de aferição de resultados, a serem obrigatoriamente
observados na execução dos serviços prestados de forma direta ou por concessão;
•prestar diretamente os serviços, ou conceder a prestação deles, e denir, em ambos os casos,
a entidade responsável pela regulação e scalização da prestação dos serviços públicos de
saneamento básico;
•denir os parâmetros a serem adotados para a garantia do atendimento essencial à saúde pública,
inclusive quanto ao volume mínimo per capita de água para abastecimento público, observadas
as normas nacionais relativas à potabilidade da água;
•estabelecer os direitos e os deveres dos usuários;
•estabelecer os mecanismos e os procedimentos de controle social;
•implementar sistema de informações sobre os serviços públicos de saneamento básico, articulado
com o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa), o Sistema Nacional de
Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir) e o Sistema Nacional de Gerenciamento
de Recursos Hídricos (Singreh), observadas a metodologia e a periodicidade estabelecidas pelo
Ministério do Desenvolvimento Regional;
•intervir e retomar a operação dos serviços delegados, por indicação da entidade reguladora,
nas hipóteses e nas condições previstas na legislação e nos contratos.
Todas essas atribuições demandam investimentos e também capacidade técnica
e administrativa para implementar a política de saneamento, existindo hoje uma
imensa dif‌iculdade para avançar. A maioria dos municípios brasileiros não possui
condições técnicas e econômicas para fazer frente aos desaf‌ios propostos na norma.

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