Estado da arte das teorias possessórias

AutorÁlvaro Borges de Oliveira - Marcos Leandro Maciel
CargoGraduado e Mestre em Direito, Mestre e Doutor em Engenharia de Produção; Professor da Graduação das disciplinas, Professor do Mestrado da disciplina - Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí e Advogado.
Páginas1-14

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1 Estado da arte

Temos discutido e muito a questão da posse e sempre que possível ventilamos na academia que em matéria de Direito a Posse encontra-se no ápice das disciplinas mais complexas, nesta esteira comungam José Carlos Moreira Alves3, Caio Mário da Silva Pereira4, Roberto Ruggiero5, Darcy Bessone6, Washinton de Barros Monteiro7 e Sílvio de Salvo Venosa8 só para citar alguns.

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Dada esta complexidade há uma necessidade de se passar o conteúdo aos acadêmicos de uma forma diferenciada das demais disciplinas, daí propormos antes de entrarmos no conteúdo propriamente dito de Posse um entendimento da teoria possessória e sua evolução.

A Posse só apresentará seus nuances através das teorias que almejam explicála, teorias estas que apresentam justificativas diversas para proteção da posse, para os elementos que a compõe e para diferenciá-la da detenção, da propriedade e do domínio.

Na evolução do pensamento jurídico ocidental, diversos autores se dedicaram à apreciação deste objeto, contudo, sem desprezar a escalada científica havida nos três períodos do direito romano, no antigo direito germânico na idade média e no próprio direito canônico, prefere-se abordar as teorias elaboradas Rudolf von Jhering9 e a de Friedrich Carl von Savigny10 as quais mais influenciam a pensamento possessória atual.

Esses pensamentos possessórios deságuam nas teorias econômicas e sociais da posse, de Silvio Perozzi11, de Raymond Saleilles12 e a de Hernandez Gil1314, que visam superar, em parte, as ideias de Savigny e Jhering, ou adequá-las à contemporaneidade, tema ainda carente de atenção por parte dos manuais de Direito das Coisas.

2 A teoria de savigny

Frederich Karl von Savigny, nasceu em 1779 na cidade de Frankfurt e faleceu em 1861, desenvolveu sua tese com base no Direito Romano, “causando forte repercussão nos meios jurídicos e influindo no sistema de algumas codificações”15. Com apenas 24 anos, em 1803 lança seu Tratado de Posse que influenciou diversas legislações e juristas, onde buscava organizar as ideias sobre a posse nos escritosPage 3romanos16, sabendo-se, entretanto, que “várias das teses sustentadas por Savigny não são criações suas17”.

José Carlos Moreira Alves18 aponta que os elementos da teoria subjetiva já haviam sido traçados anteriormente19 por outro jurista: “em Donelo, sim, se acha exposta, com admirável clareza, a parte essencial da teoria de Savigny. Acentua Donelo que, para possuir, são necessários dois elementos: a detentio e o animus domini”.

Na concepção de Savigny a posse poderia ser explicada como “o poder que tem a pessoa de dispor fisicamente de uma coisa, com intenção de tê-la para si e de defendê-la contra a intervenção de outrem20”. Dois são os elementos que devem estar presentes para que se impute a alguém a qualidade de possuidor, um material, o corpus, e outro subjetivo, o animus.

Segundo Lafaytte Rodrigues Pereira21, que adotava a teoria subjetiva, o corpus, “é o fato material que submete à vontade do homem e cria para ele a possibilidade de dispor fisicamente dela, com exclusão de quem quer que seja22”.

Quanto ao elemento moral, o animus, “considera-o Savigny a intenção de ter a coisa como sua. Não é a convicção de ser dono – opinio seu cogitatio domini – mas a vontade de tê-la como sua – animus domini23.

A existência de tal elemento subjetivo é o que serviria para diferenciar o possuidor do mero detentor, “não basta a simples detenção. Torna-se preciso seja ela intencional. Para ser possuidor não basta deter a coisa, requer-se ainda a vontade de detê-la24”. Seguindo este raciocínio, no usufruto ou no direito real de uso, por exemplo, não haveria relação possessória, pela ausência de intenção de ser dono (animus domini), acabando por desproteger possessoriamente esta situação jurídica.

O jurista alemão reconheceu o problema, que era incompatível com alguns textos romanos que faziam alusão a hipóteses o qual, mesmo sem o animus domini, existia posse25. Para justificar tal efeito Savigny o explica como “posse derivada” que é aquela “que resulta da transferência, por parte do possuidor verdadeiro e originário, do ius possessionis ao que irá exercer o direito de propriedade em nome daquele26”.

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Pretendia assim corrigir grave deficiência de sua teoria que de início causaria a ausência da tutela possessória àqueles que não exerciam a detenção com animus, assim explicava Lafayette27 Posse sem intenção, pois “o credor pignoratício e o enfiteuta adquirem a posse da coisa empenhada ou aforada”, no entanto lhes falta à intenção de possuir a coisa como própria. O intuito da lei dizia Lafayette nestes casos evidentemente é resguardar os direitos do credor pignoratício, e os do enfiteuta, pondo a coisa em seu poder. Daí vem que a posse que se lhes reconhece, só lhes dá direito para invocar os interditos.

Seguidores de Savigny ainda tentaram dar ao elemento subjetivo um sentido mais amplo que “deixava de ser animus domini e animus rem sibi habendi (ânimo de proprietário, vontade de ter a coisa como sua) para transforma-se num animus possendi (vontade de possuir)”28.

A mazela localizada dentro de sua teoria conduziu a certo descrédito pela mesma, analisando Rizzardo29 explica que “admitindo-se a posse sem a intenção de dono, Savigny mostrou a fragilidade de seu pensamento, embora tenha procurado fazer a distinção entre o ânimo exigido para a posse, e o ânimo do proprietário propriamente dito”.

A doutrina de Savigny foi inicialmente muito bem aceita, mas em pouco tempo, passou a ser fortemente combatida, tendo em Jhering seu grande opositor que, sobre a tese daquele, disse que nenhuma das ideias fundamentais de Savigny ficou ao abrigo dos ataques, algumas delas chegaram a ser reconhecidas como insustentáveis, daí a falar que “o futuro dirá se as demais gozarão de outra sorte; eu creio que nem uma só triunfará30”.

Os escritos de Jhering acabaram por conduzir a prevalência da sua teoria à daquele, todavia, conforme Moreira Alves31 é evidente “o extraordinário merecimento da obra de Savigny, não só pela análise das fontes romanas, mas também pelo tratamento global dado à matéria, com método novo, com clareza cristalina, com férrea coerência”.

Sobre a censura de Jhering às ideias de Savigny, traz-se à baila a opinião de Darcy Bessone32, ao afirmar que se deve “lamentar que a sua impugnação somente houvesse tornado conhecida quando, já não estando entre os vivos, Savigny não pôde defender seu monumento e contribuir para o esclarecimento do intricado tema com novos debates, aos quais, por certo, não se furtaria”.

Ainda será explicitado que heranças da teoria Subjetiva constam, inclusive, nos atuais códigos civis.

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3 A teoria de jhering

Opondo-se veementemente contra a teoria proposta por Savigny, até então predominante, Jhering não só pretende derrubar a concepção trazida por seu predecessor como também consolidar sua doutrina como a mais adequada para o fenômeno possessório. Ao comentar a produção de Savigny, Jhering33 faz críticas severas, pois “de minha parte, não posso conceder-lhe mais que a importância passageira de um brilhante meteoro”. Do ponto de vista da história do assunto, terá sempre o mérito de haver excitado e favorecido poderosamente a investigação científica no terreno da teoria possessória. “Quanto aos seus resultados reais para a ciência, considero-os muito medíocres; a meu ver, Savigny não fez justiça nem ao Direito Romano”.

Para Jhering, a tutela da posse ocorre por esta ser uma aparência de outro direito, o de propriedade, ao contrário de Savigny que a justificava na paz social. Concernente a diferenciação entre possuidor e detentor, Jhering aduz que reside em imposição legal, e não pela constatação de algum animus, além de refutar a acepção de corpus colacionada por Savigny.

É bom salientar que partes das ideias “inovadoras” expostas por Jhering não eram propriamente suas34, assim como ocorreu com Savigny, segundo Naves35 Jhering reconhece que a tendência de “estabelecer relação entre posse e propriedade já se encontrava em inúmeros outros autores, que se referiam às ideias de ‘exercício da propriedade’, propriedade ‘presumida’, propriedade ‘possível’ ou até mesmo ‘em começo’”.

Em que pese às diferenças, ambos buscaram seus fundamentos no Direito Romano36, o pensamento Jhering, porém, teve influência de estudos mais recentes e do direito germânico medieval “acabando por imiscuir em sua teoria elementos de origem bárbara37”.

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A teoria restou batizada por seu próprio autor como objetiva38, justamente por não privilegiar o elemento anímico antes em voga. Para ele, “tanto a posse quanto a detenção exigem corpus e o animus, não como elementos independentes, mas, sim, indissoluvelmente ligados [...]39”, a diferenciação deveria repousar em um elemento objetivo. Advertia Jhering que, em geral, possuidor e detentor tinham a mesma intenção, e dizer-se que “alguém seria detentor porque não podia possuir implicava admitir-se que a recusa da posse não decorria da vontade, mas, sim, da norma jurídica que, na hipótese, lhe negava40”.

Portanto, ao contrário do que se possa crer inicialmente, Jhering não combatia a existência do animus em favor do corpus, “esses elementos, porém, não pode existir um sem o outro, ligados que estão intimamente como a palavra e o pensamento41”. O elemento psicológico está intrínseco tanto na detenção42 quanto na posse, nada mais é do que “a consciência de estar exercendo poder material sobre a coisa, consciência que inexiste havendo falta de vontade43”.

Elucida Arnoldo Wald44 “tanto na posse como na detenção existem a situação material (corpus) e a consciência ou voluntariedade, mas na detenção temos uma causa dententionis excludente da proteção possessória e oriunda de determinação legal”.

Nos dizeres de Moreira Alves45 “posse e...

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