As parcerias público/privadas

AutorJoão Luiz Coelho da Rocha
Páginas130-137

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O surgimento das parcerias no direito administrativo

Em agosto de 1996 escrevíamos sobre o surgimento, na ordem brasileira, da idéia de parceria como um novo instrumento de agregação societária, sobretudo no processo de desestatização então em curso ("Conta de participação, consórcio e parceria - Formas associativas não personalizadas",/?DAf 105/41, São Paulo, Malhei-ros Editores).

Ali dizíamos:

"Ao se falar, com freqüência, nesses últimos anos do século, em parceria, como modo ideal de juntar esforços, fala-se decerto em gênero, mesmo que envolvendo a idéia jurídica associativa.

"Veja-se tal propósito Amoldo Wald, no recente O Direito de Parceria e a Nova Lei de Concessões (Ed. RT, 1996, p. 27): 'a formulação atual do direito do desenvolvimento está vinculada a uma idéia que é, ao mesmo tempo, antiga e nova. Antiga na sua concepção, nova na sua densidade e nas dimensões que está alcançando. É a idéia de parceria. Parceria entre nações, parceria entre Estado e a iniciativa privada, parceria entre empresas concorrentes, parceria entre morador do mesmo bairro, parceria entre o produtor e o consumidor, parceria entre acionistas e dirigentes da empresa, e finalmente parceria entre empregados e empregadores (...)'.

"Amoldo Wald, aliás, também encontra raízes primeiras da parceria, como negócio jurídico, em nosso direito, nos artigos do Código Civil que tratam da parceria rural (ob. e p. cits.), como assim o fez em outubro de 1994 o professor Caio Tácito em parecer que solicitamos à ocasião para a idealização de módulo associativo no campo da geração de energia elétrica.

"E, no curso da sua valiosa monografia, o Dr. Wald reconhece a carência de ordenamento não só legal, positivo, mas teórico mesmo, quanto a esse importante conceito aglutinador moderno: 'Chegou a hora de construir uma nova dogmática jurídica que possa corresponder ao direito do desenvolvimento e ao espírito da parceria, sem sacrificar a segurança jurídica e sem descambar para o perigo de decisões subjetivas que caracterizam o direito alternativo' (ob. cit., p. 33).

"Talvez intuindo certos subsídios importantes na configuração doutrinária do instituto, o autor se socorre de princípios da joint venture (que é uma expressão consorcial de fonte anglo-saxônia) cujas qualidades, segundo Wald, 'se aplicam per-

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feitamente à parceria no seu sentido amplo, tal como ali se deve ter asubersivafides que caracteriza as relações entre os sócios napartnership do direito inglês'."

Tudo isso aparece agora como motivo de reflexão e estudos no surgimento do projeto de Parcerias Público Privadas, as chamadas PPP, contidas no atual projeto de 'lei em votação no Congresso Nacional.

Pode-se e deve-se logo assegurar a inexistência, no direito brasileiro, de uma configuração legal de "parceria" como um instituto jurídico especialmente identificado.

Variedade de formulações jurídicas

De um modo bem claro, estuda-se, em doutrina jurídica, todas essas configurações de "parcerias", como necessariamente envolvendo a associação de dois ou mais empreendedores, ou sob uma entidade personalizada - e aí falaríamos de uma nova sociedade, uma dessas SPE (Sociedades de Propósito Específico) - ou sob contorno despersonalizado - como os consórcios de empresas, as sociedades em conta de participação etc.

Neste último enquadramento nada impede que as parcerias se agreguem sob um modo permanente operacional, contratual, até sem a formação de um consórcio, como tem sucedido em alguns casos na indústria do petróleo, sob a modalidade dos JOA (Joint Operation Agreement).

O conhecido projeto das PPP em nada inova acerca desse perfil básico das parcerias ño direito brasileiro. Não existe ali a criação de um novo instituto jurídico, senão a estipulação, para fins de direito administrativo - de fixação de patamares para a busca pelo Poder Público de parcerias privadas em certas entidades - de regras novas que aparentemente pretendem facilitar tal agregação e preencher esse conhecido hiato entre as necessidades de aplicações estatais e a disponibilidade efetiva dos recursos públicos.

Na verdade, o art. 2º do projeto legislativo expressamente consagra o conceito de "contrato de parceria público-privada", como um acordo entre braços do Poder Público e empresas privadas.

E é evidente que, no desdobramento desse acordo básico, a formatação jurídica mais adequada, pode ser adotada pelas partes, seja na estruturação de uma SPE, de um consórcio etc.

Os objetos e diretrizes próprios das PPP

O que fica bem estratificado nó texto legal não é assim a forma jurídica, senão o fundo, o conteúdo da tessitura obrigacional ali presente naquele acordo de parceria.

O mesmo art. 2a, em seu caput, já determina duas orientações básicas que serão assim essenciais para o empreendimento conjunto:

· tratar-se de implantação ou gestão, no todo ou em parte, de serviços, empreendimentos e atividades de interesse público;

· o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração do projeto cabem ao parceiro privado.

Algumas diretrizes legais (art. 2º) são então expressamente imputadas às PPP, que deverão assim observar:

I - eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade;

II - respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução;

III - indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional e do exercício de poder de polícia;

IV - responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias; .

V - transparência dos procedimentos e das decisões;'

VI - repartição dos riscos de acordo com a capacidade dos parceiros em gerenciá-los; e

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VII - sustentabilidade financeira e vantagens sócio-econômicas do projeto de parceria.

Chama-se atenção aqui para essa determinação do inciso III, de "indelega-bilidade das funções de regulação, jurisdi-cional e do exercício de poderes de polícia".

Realmente ninguém haveria sequer de cogitar que o Poder Público, ao se associar com capitais privados, delegasse as funções regulatórias, as quais são hoje, na moderna estrutura de direito administrativo, desempenhadas pelas agências reguladoras, como autarquias.

De funções jurisdicionais nem sequer se há de considerar, por isso que a gestão da justiça é fração do poder político inde-legável. Nem se pode aqui ter, nessa regra, um entrave à arbitragem, instituto processual vivo e válido na ordem brasileira, onde não existe delegação, senão o exercício jurisdicional através de painéis arbitrais, cabendo sempre a homologação pelo Judiciário.

E, enfim, o poder de polícia, inclusive de polícia administrativa, é privilégio do...

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