As pessoas com deficiência mental e o consentimento informado nas intervenções médicas

AutorGustavo Pereira Leite Ribeiro
Ocupação do AutorProfessor Adjunto de Direito Civil na Universidade Federal de Lavras. Doutor em Direito Privado. Ex-bolsista CAPES/PDSE
Páginas733-761
As pessoas com deficiência mental e o
consentimento informado nas intervenções médicas
Gustavo Pereira Leite Ribeiro*
1. Introdução
Em nosso último censo demográfico, foi contabilizado pouco mais de
190 milhões de pessoas, entre as quais cerca de 45 milhões declararam pos-
suir, ao menos, uma das deficiências investigadas, o que representava 23,6%
da população brasileira.1 A deficiência visual apresentava maior ocorrência
(18,6%), seguida pelas deficiências motora (7,0%), auditiva (5,1%) e men-
tal (1,4%). Convém destacar que este último dado – 1,4% da população
contava deficiência mental, somando um pouco mais de 2,6 milhões de pes-
soas – pode não ser representativo. Na delimitação metodológica da pesqui-
sa, considerou-se deficiência mental apenas o retardo no desenvolvimento
intelectual, caracterizado pela dificuldade de uma pessoa se comunicar com
outros, de cuidar de si mesma, de realizar tarefas domésticas, com ocorrên-
cia, em geral, na infância ou na adolescência. Foram excluídas as pessoas
acometidas por uma variedade de doenças mentais, como esquizofrenia,
neurose, psicose e autismo. Com efeito, estima-se que o número de pessoas
com deficiência mental alcance patamar superior ao apresentado, conside-
rando-se, ainda, o vertiginoso processo de envelhecimento da população.
A pesquisa demográfica também evidenciou outros dados interessantes.
A deficiência atinge pessoas em qualquer idade, mas possui maior incidên-
cia entre os idosos: 67,7% das pessoas com 65 anos ou mais enfrentavam
alguma deficiência. Chama atenção o precário nível de instrução das pes-
soas com deficiência: 61,1% sem instrução e com ensino fundamental in-
completo; 14,2% com ensino fundamental completo e ensino médio incom-
* Professor Adjunto de Direito Civil na Universidade Federal de Lavras. Doutor em
Direito Privado. Ex-bolsista CAPES/PDSE.
1 Todos os dados mencionados podem ser encontrados em INSTITUTO BRASILEI-
RO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010: características
gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.
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pleto; 17,7% com ensino médio completo e ensino superior incompleto;
6,7% com ensino superior completo; 0,4% sem determinação.2 A participa-
ção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho era tímida, mor-
mente das pessoas com deficiência mental: cerca de 55% das pessoas com
deficiência em idade ativa estavam desocupadas, alcançando 82% das pes-
soas com deficiência mental. Em termos de rendimento mensal, impressio-
na a temerária situação das pessoas com deficiência mental: 19,4% não re-
cebia remuneração; 44,3% recebia até 1 salário mínimo; 32,3% recebia de 1
até 5 salários mínimos; 4% recebia acima de 5 salários mínimos.3
A aprovação da Convenção Internacional sobre Direitos da Pessoa com
Deficiência, realizada por meio do Decreto Legislativo no 186/2008, e a
sanção da Lei no 13.146/2015, que institui o Estatuto da Pessoa com Defi-
ciência, ampliam os horizontes dessas pessoas que compõem significativa
parcela da população brasileira.
Diante do novo marco jurídico, reconhece-se que a deficiência é um
fenômeno multidimensional, em constante evolução e que resulta da inte-
ração entre as diversas barreiras socioambientais e as limitações individuais
da pessoa, comprometendo a plena e efetiva participação na vida em socie-
dade.4 Sob inspiração dos princípios da não-discriminação e da igualdade de
oportunidades, determina-se a criação de mecanismos de apoio adequados
ao exercício de direitos pela pessoa com deficiência nos mais variados espa-
ços e situações.5
Neste capítulo, pretende-se discutir a participação da pessoa com defi-
ciência mental nos processos decisórios relativos aos seus cuidados de saú-
de. Como se apresentará, estudos empíricos comprovam que a deficiência
mental não é suficiente para desencadear uma presunção de incapacidade
decisória. Diversas pessoas diagnosticadas com esquizofrenia, demência,
depressão, entre outras enfermidades, mantém as habilidades cognitivas
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2 Entre as pessoas sem deficiência os indicadores são: 38,2% sem instrução e com
ensino fundamental incompleto; 21% com ensino fundamental completo e ensino mé-
dio incompleto; 29,7% com ensino médio completo e ensino superior incompleto;
10,4% com ensino superior completo; 0,7% sem determinação.
3 Entre as pessoas sem deficiência os indicadores são: 5,7% não recebia remunera-
ção; 31,4% recebia até 1 salário mínimo; 53,4% recebia de 1 até 5 salários mínimos;
9,5% recebia acima de 5 salários mínimos.
4 PALACIOS, Agustina; BARIFFI, Francisco. La discapacidad como una cuestión
de derechos humanos. Madrid: Cinca, 2007, p. 57-66.
5 CISTERNAS REYES, María Soledad. Desafíos y avances en los derechos de las
personas con discapacidad: una perspectiva global. Anuário de Derechos Humanos.
Santiago, v. 11, n. 11, 2015, p. 27-29.

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