Diretivas antecipadas de vontade por pessoa com deficiência
Autor | Jussara Maria Leal de Meirelles |
Ocupação do Autor | Professora Titular de Direito Civil da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, integrante do Programa de Pós-Graduação em Direito Econômico e Socioambiental (Mestrado e Doutorado) e do Programa de Pós-Graduação em Bioética (Mestrado), da Pontifícia Universidade Católica do Paraná |
Páginas | 713-731 |
Diretivas antecipadas de vontade
por pessoa com deficiência
Jussara Maria Leal de Meirelles*
1. Introdução
O advento da Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, denominada “Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência)”, ao prever a plena inclusão civil de pessoas que eram tidas
como absoluta e relativamente incapazes no sistema anterior, trouxe inú-
meros questionamentos sobre a compreensão e a abrangência da inclusão
almejada.
Importa lembrar, desde logo, que a referida Lei é fundada na Convenção
sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (e seu protocolo facultativo)
assinada em Nova York (EUA), em 30 de março de 2007, a qual ingressou
no ordenamento jurídico brasileiro com status de norma constitucional. É
que a Convenção uma vez aprovada, no Brasil mediante o Decreto Legisla-
tivo nº 186, de 09 de julho de 2008, seguindo o procedimento do § 3º do
25 de agosto de 2009.
Com base na Convenção, a Lei Brasileira de Inclusão define “pessoa
com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas” (art. 2º). Por isso, suas
disposições destinam-se “a assegurar e a promover, em condições de igual-
dade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com
deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (art. 1º).
* Professora Titular de Direito Civil da Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
integrante do Programa de Pós-Graduação em Direito Econômico e Socioambiental
(Mestrado e Doutorado) e do Programa de Pós-Graduação em Bioética (Mestrado), da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
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Da leitura do texto normativo destinado a implementar direitos e ações
afirmativas que busquem a integração da pessoa com deficiência, observa-se
que o pano de fundo da inclusão é o entendimento sobre o sentido mais
adequado do que se deve tomar por tratamento igualitário. E a resposta,
sem dúvida, está na compreensão profunda e detida do significado jurídico
da dignidade humana, norteadora da ordem normativa brasileira (artigo 1º,
inciso III, da Constituição da República) e algumas vezes banalizada, infe-
lizmente.
Outro ponto a ser considerado para a interpretação da nova lei é o
entendimento fundante sobre o caráter excepcional e protetivo do regime
de incapacidades. Para se compreender devidamente que a capacidade
civil é a regra e a incapacidade, a exceção, inicialmente é preciso estar bem
aclarada a impossibilidade de se confundir incapacidade com deficiência,
evidentemente. A incapacidade é baseada na falta ou na diminuição de
discernimento para os atos da vida civil que, tradicionalmente, poderia ser
determinada por causa permanente ou temporária, mas de modo geral
vinculada a limitações de entendimento, de compreensão ou de manifes-
tação da vontade; a deficiência, além de poder ser também impedimento
de natureza física ou sensorial, e não somente mental ou intelectual, é
limitação fática de longo prazo (art. 2º da Lei de Inclusão). Logo, em que
pese a louvável finalidade inclusiva da nova Lei, é recomendável uma in-
terpretação cautelosa, calcada na isonomia material, de modo a se atingir
o necessário amparo jurídico pretendido, sem se confundir o que merece
distinção.
E sobre o caráter protetivo do regime de incapacidades, há algumas
considerações a mencionar, a partir das ideias trazidas pela inclusão de pes-
soas com deficiência, aqui especificamente mental ou intelectual, pela
aproximação com o regime tradicional de incapacidades, que tais limitações
podem sugerir. Qual a razão de ser o regime de incapacidades fundado na
proteção? Em outras palavras, por que algumas pessoas precisam ser prote-
gidas por outras? E questiona-se, ainda, no mesmo sentido: tais pessoas pre-
cisam, realmente, ser protegidas? Até que ponto, em que medida e quando
precisam dessa proteção? E estarão, de fato e de direito, protegidas? De
quê? Para quê? Contra o quê?
Para além dessas compreensões que devem direcionar o intérprete da
nova lei, há que se fazer uma distinção bem clara entre a patrimonialidade e
a extrapatrimonialidade de interesses. Nas relações jurídicas patrimoniais,
determinar-se a capacidade ou a incapacidade dos agentes faz revelar notó-
ria preocupação com o patrimônio das pessoas envolvidas. Mas ao se ingres-
sar na seara das relações jurídicas existenciais, o significado mais profundo
do que é discernimento para os atos da vida civil parece se distanciar da
compreensão que traça os limites para que alguém seja considerado capaz
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