As sociedades por quotas como sociedades de capitais

AutorJoão Luiz Coelho da Rocha
Páginas48-53

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As regras básicas do Decreto 3 708/19

Enquanto nesta mudança de século a ordem jurídica brasileira se vê às voltas com projetos de alterações na legislação das sociedades anónimas, matéria essa que tramita no Congresso Nacional à época em que escrevemos, temos completando mais de 80 anos de existência o Decreto 3.708, norma de regência das sociedades por quotas no país.

É assim que esse conjunto normativo de somente 19 (dezenove) artigos de lei, um deles apenas para expressar a revogação das disposições em contrário, há oito décadas traça a pauta de regência desse tipo societário muito popular, e que mais disseminado ainda se tornou entre nós no correr do século XX, na medida em que os demais moldes societários tratados no Código Comercial caíam em desuso.

Acreditamos na verdade que o fenómeno deva ser contemplado do ângulo aposto, ou seja, as demais espécies de sociedade comercial (não só as do velho código, mas a própria sociedade em comandita por ações) ficaram ao abandono justamente porque a modelagem das socie-dades por quotas de responsabilidade limitada atendeu, de maneira bem adequada, às necessidades da aglutinação societária expandidas no século da modernidade em nosso país, com a exceção das incorporações sociais de maior vulto e disseminação, que acharam, como todos viram, nas sociedades anónimas, o seu regaço certeiro.

Mas não falta quem debite justamente a pouca extensão normativa das sociedades por quotas, no quadro legal brasileiro, o seu grau de sucesso e acolhida entre empresários de vários matizes.

E realmente os poucos artigos do Decreto 3.708 traçam apenas alguns parâmetros essenciais à espécie societária, assim sintetizados:

- a responsabilidade dos sócios é limitada ao valor total do capital (art. 29) respondendo todos solidariamente pela parcela faltante do capital em caso de falência (art. 99);

- as sociedades se obrigarão perante terceiros mediante o uso de uma firma ou de uma denominação social compulsória-mente seguida da expressão "limitada";

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- a quota, tal qual a ação na companhia, é indivisível em relação à sociedade (art. 6°);

- os sócios remissos nas suas contribuições de capital podem ser excluídos (art. 7°)

- a limitada pode adquirir suas próprias quotas já integralizadas, desde que com fundos disponíveis e sem redução do capital (art. 8°);

- os seus dirigentes (sócios gerentes) ou os que aparecem no nome da firma social só respondem perante a sociedade e terceiros por atos praticados em ofensa à lei ou ao contrato ou com excesso de poderes (art. 10);

- o uso da firma, ou a assinatura em nome da sociedade em sua denominação social, cabe aos sócios escolhidos como gerentes no contrato; ou a todos eles se omisso o estatuto. Se autorizado no contrato, tal uso ou assinatura podem ser delegados a terceiros (art. 13);

- a sociedade responde pelos atos praticados pelos gerentes em nome e proveito dela, mesmo sem uso da firma social, desde que dentro dos poderes de gestão (art. 14);

- garante-se o direito de recesso aos sócios divergentes de alterações na norma estatutária (contrato social) com base na sua quota de capital "na proporção do último balanço aprovado" (art. 15);

- as deliberações dos sócios ofensivas à lei ou ao contrato obrigam-nos de modo pessoal e ilimitado (art. 16);

- e, enfim, observam-se em relação a tais sociedades, "no que não for regulado no estatuto social e na parte aplicável, as disposições da lei das sociedades anónimas" (art. 18).

Nessa diretriz essencial viu-se desde logo como, tal como as sociedades de capitais por excelência, as anónimas, as sociedades por quotas abraçam o princípio da limitação da responsabilização dos sócios, da individualidade da quota social como fração mínima do capital, da criação de seus dirigentes como "presentantes" do órgão, suas vozes institucionais e, enfim, da responsabilidade penal dos "presentantes" pelos excessos legais ou estatutários acaso pessoalmente cometidos.

Entretanto, parte da doutrina houve por apodar o novo tipo como uma modalidade de sociedade de pessoas, próxima àquelas dessa natureza listadas no Código Comercial (Cunha Peixoto, A Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada, v. 1, Forense, 1956, ns 67 e ss.; Waldemar Ferreira, Sociedade por Quotas, São Paulo, 1925, p. 275; Rubens Requião, Curso de Direito Comercial, l9 v., Saraiva, 1980, p. 320).

A nós, apesar do peso do conhecimento desses mestres, nunca impressionou essa capitulação no nicho das sociedades de pessoas.

Pode-se observar em obra recente (Da Sociedade Por Quotas de Responsabilidade Limitada, 3§ ed., Renovar, 1999, p. 49) José Waldecy Lucena resumindo...

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