Aspectos do crédito documentário

AutorRicardo José Martins
Páginas43-145

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Introdução

Achamos conveniente apresentar alguns esclarecimentos a respeito do presente trabalho.

Visou ele a obtenção do grau de mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Waldirio Bulgarelli.

A escolha do assunto foi uma continuação de nossa pesquisa sobre as operações financeiras internacionais, fruto de vários anos de exercício da advocacia para instituição bancária e que nos levou a publicar, anteriormente, trabalho intitulado Operações com Moeda Estrangeira - efeitos no processo falimentar.

O crédito documentário - tema de relevância indiscutível - ganha maior significação no momento em que o Brasil amplia suas relações comerciais internacionais, pois está intrinsecamente ligado à compra e venda internacional.

É evidente que os contratos de compra e venda entre praças diferentes sempre trouxeram dificuldades e insegurança às partes.

De um lado, não poderia o vendedor confiar num comprador desconhecido, domiciliado em outro país, a ponto de remeter-lhe a mercadoria, sem garantia do pagamento do preço. Do outro lado, seria arriscado para o comprador antecipar o preço sem a certeza de que receberia a mercadoria comprada.

Visando superar tais dificuldades, foi criado e aperfeiçoado pela prática o crédito documentário, que se caracteriza como um ajuste pelo qual o banco, chamado emitente ou instituidor, agindo a pedido e em obediência a instruções do cliente, denominado ordenador, compromete-se perante terceiro, o beneficiário, a efetuar um pagamento, aceitar ou negociar letra de câmbio sacada por este, ou, ainda, a autorizar outro banco a fazê-lo, em qualquer caso contra a entrega de documentos previamente estipulados.

Trata-se de instituto complexo, envolvendo três, quatro ou mais partes, com diversas e distintas relações entre si.

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A obrigatoriedade de que seja efetua-do contra a apresentação de documentos dificulta ainda mais a caracterização de sua natureza jurídica.

Os doutrinadores são unânimes em afirmar que o crédito documentário é fruto da evolução das cartas de crédito, constituindo-se como especialização destas. Entretanto, só adquiriu sua forma atual, ganhando contornos definitivos, após a Primeira Guerra Mundial, tendo as tentativas de sistematização começado nos anos vinte, patrocinadas pelas associações nacionais de banqueiros, os maiores interessados, uma vez que se trata de um típico contrato bancário.

O segundo passo foi a proposta de uniformização a nível internacional, apresentada pelos banqueiros americanos, que obteve a adesão da Câmara de Comércio Internacional, com sede em Paris.

A terceira fase, que seria a sua incorporação às legislações nacionais, ainda não ocorreu, ou vem ocorrendo de forma muito lenta, embora compreensível e explicável pelo fato de que o contrato é de direito internacional e as normas que o regem - Regras e Usos Uniformes sobre Créditos Documentários -, recentemente revisadas pela Câmara de Comércio Internacional, e ob-jeto da Publicação n. 500, de maio de 1993 - serem satisfatórias e aplicadas de forma generalizada em todo o mundo.

É conveniente frisar que as normas reguladoras do crédito documentário, na verdade, sempre se limitaram a sistematizar as práticas adotadas pelos bancos, respeitando igualmente os objetivos do instituto.

Sabemos que são diversos os objetivos perseguidos pelo crédito documentário. Mas, a nosso ver, dois deles avultam:

  1. garantir ao vendedor o cumprimento do contrato pelo comprador;

  2. garantir ao comprador o cumprimento do contrato pelo vendedor.

    Partimos desses dois objetivos básicos para tentar caracterizar o instituto.

    Dividimos o trabalho em 11 itens, dedicando o primeiro ao estudo do contrato de compra e venda internacional, procurando compatibilizar as normas da compra e venda com o contrato internacional. Nele analisamos também a Convenção de Viena de 1980 sobre a venda internacional de mercadorias, a formação do contrato, o papel das associações internacionais na elaboração dos contratos-tipo e os INCOTERMS.

    No segundo, tratamos das diversas formas de pagamento nas vendas internacionais, das quais o crédito documentário é uma.

    No item terceiro, apreciamos a origem e evolução histórica do instituto, as diversas tentativas de sistematização e, acatando sugestão da Banca Examinadora, a terminologia empregada, uma vez que parte da doutrina nacional, a partir de Carvalho de Mendonça, utiliza a expressão "crédito documentado".

    O quarto item foi dedicado às diversas formas de substituição do devedor, de sucessão na dívida e de adesão à dívida, constatando a inexistência de uma figura jurídica única e típica pela qual terceiro estranho vem a substituir o devedor numa relação jurídica anterior, a sucedê-lo ou a ela aderir na posição passiva, liberando ou não o devedor original.

    No item quinto observamos o processo de tipificação dos contratos nas legislações nacionais e no plano internacional, concluindo que é idêntico. As relações jurídicas surgem das necessidades sociais, consolidam-se através do tempo e só mais tarde são incorporadas às legislações nacionais, no primeiro caso, ou em convenções internacionais ou modelos recomendados por associações e organizações internacionais, no segundo.

    No sexto estudamos a apresentação dos documentos pelo beneficiário, como condição para o cumprimento do crédito, a conferência promovida pelos bancos envolvidos e analisamos sumariamente os próprios documentos.

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    O sétimo teve por objetivo conhecer as partes que intervêm na operação e as diversas relações jurídicas que as envolvem.

    No oitavo item, vimos a classificação do crédito documentário, uma vez que ele assume formas variadas.

    Reservamos o item nono para estudar as diversas teorias...

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