Aspectos societários do resgate de ações

AutorLuís Loria Flaks
Páginas120-142

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1. Introdução

Resgate é a operação pela qual a companhia paga a seus acionistas o valor de suas ações para retirá-las definitivamente de circulação.

Apesar de as leis passadas que regularam as sociedades por ações, assim como a lei vigente, sempre terem tratado do tema em um número exíguo de dispositivos, o resgate é operação de extrema relevância, pois rompe unilateralmente o contrato da sociedade e é causa de diversas discussões doutrinárias.

Na Lei das S/A vigente esse instituto está previsto apenas no seu art. 44, que assim dispõe:

"Art. 44. O estatuto ou a assembléia-geral extraordinária pode autorizar a aplicação de lucros ou reservas no resgate ou na amortização de ações, determinando as condições e o modo de proceder-se à operação.

"§ 1°. O resgate consiste no pagamento do valor das ações para retirá-las definitivamente de circulação, com redução ou não do capital social; mantido o mesmo capital, será atribuído, quando for o caso, novo valor nominal às ações remanescentes,

"§ 4°. O resgate e a amortização que não abrangerem a totalidade das ações de uma mesma classe serão feitos mediante sorteio; sorteadas ações custodiadas nos

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termos do art. 41, a instituição financeira especificará, mediante rateio, as resgatadas ou amortizadas, se outra forma não estiver prevista no contrato de custódia.

Note-se, ainda, que a operação de resgate é uma das poucas exceções à proibição de a companhia negociar com as suas próprias ações, constantes do art. 30 da Lei das S/A, podendo até mesmo ser penalmente responsabilizado o diretor ou gerente que compra ou vende, por conta da sociedade, ações por ela emitidas, salvo quando a lei assim o permite (art. 177, § l9, IV, do CP).

Vale mencionar que não é à-toa que o legislador optou em proibir, como regra, a negociação da companhia com as próprias ações. Essa proibição visa a resguardar o princípio da imutabilidade do capital social e, ainda, os interesses dos acionistas da companhia, que, por abusos do acionista controlador (o que poderia ocorrer se a regra fosse a livre negociação de ações da companhia pela própria companhia), poderiam ter o preço de suas ações constantemente manipulado.

Assim dispõe o mencionado artigo:

"Art. 3°. A companhia não poderá negociar com as próprias ações.

"§ 1°. Nessa proibição não se compreendem:

"a) as operações de resgate, reembolso ou amortização previstas em lei;

"b) a aquisição, para permanência em Tesouraria ou cancelamento, desde que até o valor do saldo de lucros ou reservas, exceto a legal, e sem diminuição do capital social ou por doação;

"c) a alienação das ações adquiridas nos termos da alínea 'b' e mantidas em Tesouraria;

"d) a compra quando, resolvida a redução do capital mediante restituição, em dinheiro, de parte do valor das ações, o preço destas em Bolsa for inferior ou igual à importância que deve ser restituída" (grifamos).

Essa vedação à companhia de negociar com suas próprias ações também é expressa em diversos outros ordenamentos jurídicos, como, por exemplo, o art. 2.357 do Código Civil Italiano, o art. 217 da Lei Societária Francesa e o art. 220 da Lei das Sociedades Argentina de 1972.1

Apesar de não ser objeto deste trabalho, a Lei das S/A prevê outras modalidades de resgate que não o resgate de ações. Dentre essas outras modalidades encontram-se o resgate de partes beneficiárias (art. 48 da Lei das S/A) e o resgate de de-bêntures (art. 55 da Lei das S/A).

2. Evolução legislativa

O resgate de ações apenas apareceu na esfera jurídica brasileira em 15 de junho de 1932, quando da promulgação do Decreto 21.536, que previu e regulou, pela primeira vez, a criação de ações preferenciais. No art. 59 desse decreto restou expresso que: "Art. 59. (...). Poderão [os estatutos] também autorizar o resgate ou amortização de ações preferenciais e a conversão de ações de uma classe em ações de outra ou em ações comuns, e vice-versa, fixando as respectivas condições".

Nessa época - frise-se - as sociedades anónimas eram reguladas pelo Decreto 434, de 4.7.1891, que consolidou as normas societárias então existentes e vigorou até a promulgação do Decreto-lei 2.627, de 26.10.1940.

A previsão legal do resgate de ações foi reproduzida pelo mencionado Decreto-lei 2.627, tendo, porém, este último regulado a matéria de forma genérica, em seu art. 16, e determinado, pela primeira vez, quais os recursos que poderiam ser destinados ao resgate.

Por ter restado genericamente admitido o resgate, pode-se entender, portanto, que as ações ordinárias da companhia também passaram a poder ser resgatadas:

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"Art. 16. O resgate consiste no pagamento do valor das ações, para retirá-las definitivamente de circulação.

"Parágrafo único. O resgate somente pode ser efetuado por meio de fundos disponíveis e mediante sorteio, devendo ser autorizado pelos estatutos ou pela assem-bléia-geral, em reunião extraordinária, que fixará as condições, o modo de proceder-se à operação, e, se mantido o mesmo capital, o número de ações em que se dividirá e o valor nominal respectivo."

Verifica-se, ainda, que o Decreto-lei 2.627/1940 admitiu expressamente não ser necessário que as ações, quando da sua subscrição, estivessem previstas no estatuto da companhia como sendo resgatáveis, podendo ser realizado o resgate mesmo sem essa previsão, através de deliberação da assembléia-geral da companhia.

Também, pelo decreto-lei acima mencionado convencionou-se que o resgate poderia se dar com ou sem redução do capital social.

A lei vigente - ressalte-se - não alterou de forma significativa as disposições do decreto-lei de 1940, tendo, no entanto, exigido, em seu art. 136, que as deliberações referentes às alterações nas condições de resgate das ações preferenciais fossem tomadas por maioria absoluta das ações votantes (metade mais uma de todas as ações com direito a voto).

3. Finalidades

Pode-se apontar como uma das precí-puas finalidades do resgate a de permitir à companhia eliminar determinada classe de ações que detenham condições privilegiadas em demasia e que, portanto, se tornaram indesejáveis ou, mesmo, prejudiciais à administração da companhia em determinado momento da vida social.

Muito bem se expressa a esse respeito Carlos L. Israels, que assim explicita essa finalidade: "(...) na medida em que a empresa cresce e prospera, o capital privilegia- do pode não ser mais necessário, ou pode ser substituído em condições mais vantajosas, com taxa menor de juros ou de dividendos preferenciais. No reconhecimento desse fato, é usual que os valores mobiliários privilegiados sejam 'recuperáveis' ou 'resgatáveis' à opção da companhia".2

Ocorre que as companhias, em determinadas épocas, visando ao seu crescimento, necessitam de recursos financeiros, que, por sua vez, são menos onerosos se captados diretamente de investidores através da subscrição de ações ao invés da captação via empréstimos bancários, que estão corriqueiramente entrelaçados a pesados juros remuneratórios.

Por conseguinte, muitas vezes a companhia, para conseguir atrair investidores, fica obrigada a outorgar a esses investidores condições e, principalmente, dividendos extremamente vantajosos, sob pena de, não o fazendo, não conseguir o investimento desejado, por falta de interesse na subscrição de seu aumento de capital.

Contudo, em momento posterior, por já ter a companhia se capitalizado e conseguido se reerguer no mercado, aquelas ações, em demasia privilegiadas, acabam por se tornar um pesado fardo para a companhia, obstando novamente ao seu crescimento - óbice, agora, criado pela própria solução do anterior.

Fábio Konder Comparato assim elucida o tema: "Como as ações preferenciais autênticas, nas diferentes legislações, têm o privilégio de receberem, com prioridade sobre as ações ordinárias, dividendos fixos ou mínimos, cumulativos ou não, o legislador reservou à companhia emissora a possibilidade de estatuir uma compensação de defesa do património social, contra esse privilégio; qual seja, a aquisição compulsória das ações privilegiadas".3

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Vale ressaltar que a Lei das S/A trata o acionista preferencialista, no que tange ao resgate, segundo Osmar Brina Corrêa Lima,4 como um "credor-investidor", um outsider, um sujeito útil para captar recursos mas indesejável na administração, pois supostamente não atrelado aos objetivos da empresa.

Nas palavras do mencionado autor: "Assim, as ações preferenciais poderão ser criadas como resgatáveis pela companhia, como forma de autofinanciamento de capital de giro via mercado de capitais de risco, com a conveniência de fácil dispensa desse financiamento quando alteradas as condições de mercado, ou as condições financeiras da própria companhia".5

É...

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