O assédio moral laboral como fator de adoecimento no trabalho

AutorRúbia Zanotelli de Alvarenga
Páginas269-282

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Rúbia Zanotelli de Alvarenga1

Introdução

Quando se observam os três tipos de assédio existentes – coibidos pelas Leis do país, ou seja, assédio moral, assédio psicológico e assédio sexual – inevitavelmente, sente-se, ou, pelo menos, presume-se, o sofrimento que atinge a pessoa vitimada por um deles. Todos são violações aviltantes contra quem os sofre. O assédio moral, porém, parece ser o mais cruel dos três, pois traz embutida, em sua ocorrência, não raro, a prática dos outros dois tipos. A continuidade das ações infligentes que o trabalhador sofre, em todos os âmbitos, é o que torna essa ofensiva uma ação altamente degra-dante na vida psicossocial do assediado.

Tal visão norteou a abordagem do tema no presente trabalho, visto serem crescentes os números ou os índices de casos dessa natureza que chegam às instâncias trabalhistas a cada ano.

Parece que o sistema capitalista traz, em seu DNA, uma anomalia cuja cura se encontra muito distante, uma vez que se trata de ações praticadas a partir do livre-arbítrio de quem, normalmente em posição hierárquica superior, opta por não convergir para aquilo que as leis determinam na relação laboral e diante da ocorrência de qualquer uma das formas de assédio.

Ao definir o tema, foram realizadas pesquisas em redes sociais, a fim de serem colhidos depoimentos de vítimas de tal tipo de assédio. São milhares que “gritam” condoreiramente, ou que “sussurram” cordeiramente, ainda marcadas pelo medo e pelo sofrimento, face aos desrespeitos pungentes a que foram submetidas.

Assim, seguem alguns depoimentos selecionados, que dão uma ideia do sofrimento a que estão expostos milhões de trabalhadores brasileiros vitimizados pelo assédio moral laboral e sujeitos ao adoecimento decorrente dessa prática que deixa marcas permanentes ou por vários anos, quiçá para ao longo de toda a vida, como um prejuízo incalculável à realização do ser como pessoa humana. Vida esta, muitas vezes, até mesmo ceifada pela própria pessoa, em desespero suicida, por seu psicológico ter sido tão afetado que, em ação limítrofe, só se vê “uma saída para o sofrimento” por meio da evasão máxima: a morte. Eis alguns depoimentos de pessoas que sofreram assédio moral enquanto trabalhadoras.

Luciana – jornalista:

O autor do assédio moral não age como um raivoso e corajoso tubarão, que estraçalha suas vítimas e causa espanto na plateia. É sofisticado e covarde como um vírus, destrói suas células, corrói seus ossos e, quando você menos percebe, está morto em vida. O mentor não quer aplausos. Quer, consciente ou não, que o outro cometa a autofagia. Atua atrás das cortinas. Vê da fresta a vítima cair em cena. Sem metáforas, há uns seis anos, senti isso no meu psique e no meu corpo. O método de ação é simples: pedir o quase impossível e, mesmo se realizado, tratar como banal. É como se os músculos reagissem e o esforço não movesse sequer o ar. Poucos conseguem perceber a presença do vírus. Culpam a si pelo fracasso. A

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metamorfose dura meses e, no fim, nasce um profissional incompetente e descartável pronto para pedir demissão ou ser demitido. Para quem pratica o assédio, isso não é o fundamental. O importante é que o processo seja interpretado pela plateia e pelo ator como natural. Não há um antídoto. E o mais perverso é que ‘o sair da empresa’ não é a consequência mais grave desse ataque. As sequelas na autoconfiança são profundas. O assédio moral é a porta de entrada para o poço sem fundo da depressão. Talvez uma ação na Justiça possa, se a causa for ganha, aliviar a conta com o analista e/ou (sic) com a farmácia. É pouco para quem deixou de existir por um período e vai precisar da ajuda do tempo para voltar a ser.

Denise – Servidora Pública

Trabalho há dez anos como servidora pública e, durante seis anos, sofri nas mãos do meu chefe. Perdi as contas de quantas vezes fui humilhada, perseguida, ameaçada e desrespeitada. Minhas opiniões eram sempre menosprezadas; reuniões eram marcadas sem que eu tivesse conhecimento prévio da pauta de discussões; maledicência com o meu nome e uso de termos chulos eram frequentes. Inúmeras vezes, eu tive que engolir um “O que você está pensando?” seguido de um “Quem manda aqui sou eu!”.

Depois de ser caluniada e difamada, fui penalizada com uma transferência para uma unidade que ficava a quase duas horas da minha casa (antes eu levava dez minutos para chegar ao trabalho). Minha vaga foi ocupada por uma pessoa que, apesar de menos competente, era amiga do chefe. Fui rebaixada de cargo, fiquei na geladeira, e minha pasta foi praticamente esvaziada. Busquei, em vão, o apoio do chefe geral. Mas ele sugeriu, em outras palavras, que a incomodada se retirasse.

Minha autoestima foi a zero. Senti-me um nada, um Zé Ninguém, apesar da minha formação superior, da minha pós-graduação e dos cursos que fiz ao longo da carreira. Cheguei a acreditar que o problema era comigo. Duvidei totalmente da minha capacidade.

Isso, claro, se refletiu na minha vida pessoal. Tornei-me uma pessoa nervosa e descarregava todas as minhas angústias nos meus familiares. Muitas doenças apareceram nesse meio tempo. Engordei muito, tive Depressão e Síndrome do Pânico. Temia que algo pior pudesse acontecer,

mas nunca apresentei um atestado médico, porque era ameaçada de demissão constantemente.

O circo de horror durou muito tempo e, por fim, joguei a toalha. Era isso ou ficar seriamente doente. Tive que deixar para trás um ideal de vida para que pudesse ter paz e saúde.

Alessa, 35 anos – Assistente Administrativa

O assédio partiu de meu chefe. Ele teve problemas particulares e se irritava, pois não conseguia resolvê-los e não soube separá-los do ambiente profissional. Isso passou a refletir em mim. Ele me humilhava, fazia grosserias, e, como eu preciso trabalhar, fui obrigada a ficar calada. Continuava tratando-o educadamente e fazia o meu trabalho com a mais perfeita ordem. Toda vez que as coisas melhoravam, ele me pedia desculpas. Isso durou um ano. Até que, depois de uma de suas crises, ele veio me pedir desculpas, dizendo que me considerava sua melhor amiga. Já não confiava mais nele e me decepcionei muito com a amizade que dei a ele, pois ele se aproveitou da condição de chefe para fazer as coisas sem que eu pudesse me manifestar. Fui sincera e disse a ele que não queria mais a sua amizade, não confiava mais nele, pois nunca sabia como ia ser tratada, e disse que, a partir daquele momento, nosso relacionamento seria estritamente profissional. Ele não falou nada, mas a situação piorou depois disso. As humilhações pioraram. Eu o substituía em sua ausência, e, quando isso aconteceu, ele colocou outra pessoa leiga no serviço para assumir o meu lugar e, ainda, colocou essa mesma pessoa para conferir todo o meu trabalho, o que ele nunca fez, pois não se fazia necessário.

A pessoa que assumiu o lugar achou estranho e disse que não tinha condições de verificar meu trabalho, pois não tinha conhecimento suficiente. Eu já não aguentava mais, sentia muita dor de cabeça e de estômago. Prestes a pedir transferência de setor, ele resolveu sair de licença-prêmio. Ficou três meses fora e, quando retornou, por outros motivos que não sei explicar, foi destituído do cargo de chefia e transferido para outro setor. Dei graças a Deus, porque preciso do emprego e talvez não conseguisse suportar essa situação por mais tempo. Não desejo isso a ninguém. Triste é conhecer muitas pessoas que passam pelo mesmo

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problema e sequer sabem que isso se chama Assédio Moral.2

A partir dos depoimentos colacionados, pode-se imaginar o grau de sofrimento pelo qual as trabalhadoras passaram. Ciente da importância do papel advocatício na seara do Direito do Trabalho, não é possível se furtar a discutir – seguindo a excelsa opinião de teóricos conceituadíssimos no segmento – este que é um maiores males com os quais os trabalhadores brasileiros se confrontam, ou seja, o assédio moral, um morrer aos poucos a cada dia, a cada deitar a cabeça no travesseiro, sentindo-se um zero à esquerda, um ser incapaz, um alguém “desmerecedor” de respeito como trabalhador, em função da “incompetência” que lhe imputaram, considerando-os inapetentes para a execução de labores que o sistema determina como básicos para a geração de lucro e mais lucro e mais lucro.

Com o intuito de denunciar e de combater práticas espúrias tão aviltantes à pessoa do trabalhador, o presente artigo trata das consequências do assédio moral laboral, em decorrência dos distúrbios de natureza física e mental, ou psicológica, bem como de ordem moral que o fenômeno acarreta ao ser humano em seu labor.

Neste artigo, será possível ver que as patologias originárias do assédio moral laboral são consideradas como doenças derivadas ou relacionadas ao trabalho e, consequentemente, equiparadas a acidente de trabalho, conforme disposição contida nos arts. 19 e 20 da Lei n. 8.213/1991.

Esta empreitada atém-se, porém, apenas ao assédio moral vertical descendente, por ser o empregado a vítima do assédio moral, individual ou coletivamente considerado. A forma mais comum de assédio moral é aquela que parte de um superior hierárquico do empregado assediado, por isso denominada assédio moral vertical.

Essa espécie de assédio representa uma afronta direta à saúde, à dignidade pessoal, à honra e à imagem do empregado, bem como ao dever de conduta consistente na sua proteção psicofísica decorrente da boa-fé objetiva. É o caso, por exemplo, do estabelecimento de prendas – como vestir fantasias, cantar e dançar na frente de colegas – quando não é atingida uma meta estabelecida pela empresa; ou de uma fiscalização ostensiva sobre a atividade do empregado no sentido de controlar as suas...

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