Terceirização de atividades de instituições financeiras

AutorJorge Cavalcanti Boucinhas Filho
CargoMestre e doutorando em Direito do Trabalho pela USP
Páginas30-42

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1. Introdução

No Brasil a palavra terceirização foi publicada pela primeira vez pela revista Exame da segunda quinzena de janeiro de 1991, em uma matéria que registrava a revolução ocorrida na Empresa gaúcha Riocell1. Referido epíteto designa a técnica administrativa que possibilita o estabelecimento de um processo gerenciado de transferência, a terceiros, das atividades acessórias e de apoio ao escopo das empresas que é a sua atividade-fim, permitindo-lhes se concentrar em seu negócio2. Esta prática veio para o Brasil acompanhada de muita polêmica e foi enfocada, durante o período de 1988 até 1992, por sindicalistas, empresários, juristas e formadores de opinião em geral, como uma coisa boa ou ruim3.

A terceirização, contudo, não é, por essência, nem uma coisa nem outra. Ela tem aspectos positivos e aspectos negativos. Poderá ser benéfica se bem empregada e ruim se mal utilizada. Como afirmaram Denise Fontanella, Eveline Tavares e Jerônimo Souto Leiria, “A terceirização é como uma faca, que tanto pode cortar o alimento para sustentar a vida, como pode matar vidas”4.

As principais vantagens apontadas pela doutrina para a terceirização são (1) ganhos de eficiência na operação do negócio central ou da missão da empresa; (2) transformação de custos fixos em custos variáveis; (3) redução de custos de forma direta (salários mais baixos) e indireta (encargos sociais reduzidos); (4) economias em treinamento; (5) economias de espaço físico; (6) enxugamento do quadro fixo e redução das despesas de sua administração; (7) transferência de tecnologias;
(8) aumento da sinergia entre contratantes e contratada5. Cabe ainda acrescentar uma última vantagem por vezes esquecida pela doutrina. A de permitir uma redução no número de empregados por empresário, na medida em que possibilita que algumas pessoas que antes eram trabalhadores subordinados empreendam criando empresas prestadoras de serviço.

Dentre as desvantagens da terceirização comumente diz-se que: (1) o aumento do número de fornecedores gera novos custos de administração; (2) torna-se mais difícil manter os padrões de qualidade das empresas contratantes; (3) torna-se difícil manter um clima de parceria quando trabalhadores de diferente formação e remuneração têm de trabalhar juntos; (4) aumenta-se a quantidade de retrabalho e de acidentes pessoais6. Jorge Luiz Souto Maior chega a afirmar que a terceirização, da forma como disciplinada no Brasil, significou uma espécie de “legalização” da redução dos salários e da piora das condições de trabalho dos empregados. Os trabalhadores deixam de ser considerados empregados das empresas onde há a efetiva execução dos serviços e passam a ser tratados como empregados da empresa que fornece mão de obra, com óbvia redução dos salários que lhes eram pagos, o que permite ainda, segundo pondera Souto Maior, nova redução cada vez que se altere a empresa prestadora dos serviços, sem que haja, concretamente, solução de continuidade dos serviços executados pelos trabalhadores7.

Há que se reconhecer, todavia, que situações há em que, a despeito dos malefícios que possa acarretar aos trabalhadores, a terceirização gera inegáveis benefícios para os consumidores em geral. Um bom exemplo delas é a terceirização

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de atividades não privativas de instituições financeiras mediante a delegação de certas funções aos correspondentes bancários. Estas empresas melhoraram o sistema de pagamentos brasileiros, reduziram filas em bancos e, desta maneira possibilitaram que a circulação de capitais em nosso país se tornasse mais dinâmica. Isso, porém, não implica na conclusão de que essa descentralização de atividade bancária seja legítima. Para se decidir pela licitude ou ilicitude desta prática é preciso, primeiramente, enfrentar questões como o papel do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil no Sistema Financeiro Nacional; o conceito de instituições financeiras; a constitucionalidade e validade das normas elaboradas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil relativas ao Sistema Financeiro Nacional. Feita esta análise será possível afirmar se a terceirização dos serviços não privativos das instituições financeiras para os correspondentes bancários é ou não possível na atual sistemática do Direito brasileiro. É justamente este o escopo do presente trabalho.

2. Papel do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil no Sistema Financeiro Nacional

Os bancos e as demais instituições financeiras, dada a relevância socioeconômica da atividade que desempenham, sujeitam-se a regime particularmente rigoroso de controle estatal. Como toda forma de intervenção na atividade privada, este controle consiste em medida excepcional e que, portanto, precisa ser regulada por preceitos específicos.

No ordenamento jurídico brasileiro, o sistema intervencionista estatal é estabelecido pela Lei n. 4.595/64, que estabelece “a Política e as Instituições monetárias, bancárias e creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências”. O Sistema Financeiro por ela instituído tem como principais atores o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central do Brasil (BACEN).

O Conselho Monetário Nacional é composto pelo Ministro de Estado da Fazenda, na qualidade de seu presidente, pelo Ministro de Estado do Planejamento e Orçamento e pelo presidente do Banco do Brasil. Tem por competência “formular a política da moeda e do crédito como previsto nesta lei, objetivando o progresso econômico e social do País”8. Esta política deve buscar, por determinação legal, adaptar o volume dos meios de pagamento às reais necessidades da economia nacional e seu processo de desenvolvimento; regular o valor interno da moeda, para tanto prevenindo ou corrigindo os surtos inflacionários ou deflacionários de origem interna ou externa, as depressões econômicas e outros desequilíbrios oriundos de fenômenos conjunturais; regular o valor externo da moeda e o equilíbrio no balanço de pagamento do País, tendo em vista a melhor utilização dos recursos em moeda estrangeira; orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras, quer públicas, quer privadas, tendo em vista propiciar, nas diferentes regiões do País, condições favoráveis ao desenvolvimento harmônico da economia nacional; propiciar o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos financeiros, com vistas à maior eficiência do sistema de pagamentos e de mobilização de recursos; zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras; coordenar as políticas monetária, creditícia, orçamentária, fiscal e da dívida pública, interna e externa9.

O art. 4º da Lei n. 4.595/64 cuida expressamente das atribuições do Conselho Monetário Nacional, entre as quais se realçam as tarefas de disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e prestações de quaisquer garantias por parte das instituições financeiras; coordenar a política monetária com a de investimentos do Governo Federal;

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regular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas à Lei n. 4.595/64, bem como a aplicação das penalidades previstas; determinar a percentagem máxima dos recursos que as instituições financeiras poderão emprestar a um mesmo cliente ou grupo de empresas; estipular índices e outras condições técnicas sobre encaixes, mobilizações e outras relações patrimoniais a serem observadas pelas instituições financeiras; expedir normas gerais de contabilidade e estatística a serem observadas pelas instituições financeiras; delimitar, com periodicidade não inferior a dois anos o capital mínimo das instituições financeiras privadas, levando em conta sua natureza, bem como a localização de suas sedes e agências ou filiais; determinar, sob diferentes formas, o recolhimento de parte dos depósitos ou de outros títulos contábeis das instituições financeiras; regulamentar, fixando limites, prazos e outras condições, as operações de redesconto e de empréstimo, efetuadas com quaisquer instituições financeiras públicas e privadas de natureza bancária; disciplinar as atividades das Bolsas de Valores e dos corretores de fundos públicos.

A partir do rol de atribuições apresentado percebe-se que as atribuições do Conselho Monetário Nacional se relacionam com o funcionamento das instituições financeiras e que atuam no mercado de capitais. Normas posteriores acrescentaram outras competências ao órgão, excepcionalmente não relacionadas propriamente com a disciplina da atividade bancária, tais como regular a atividade de arrendamento mercantil10 e regular o mercado de capitais11.

O Banco Central, por sua vez, apresenta-se como autarquia federal, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, administrada por diretoria composta por nove membros, nomeados pelo Presidente da República, entre brasileiros de ilibada reputação e notória capaci-dade em assuntos econômico-financeiros. Segundo Nelson Abrão, de um modo geral, cabe-lhe “cumprir as prescrições e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional”12.

Entre as suas competências, fixadas no art. 10 da Lei n. 4.595/64, incluem-se exercer o controle do crédito sob todas as suas formas; exercer a fiscalização das instituições financeiras; conceder autorização às instituições financeiras, a fim de que possam funcionar no País, instalar ou transferir suas sedes ou dependências, ser transformadas, fundidas, incorporadas ou encampadas; praticar operações de...

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