A Dimensão Axiológica da Tipicidade

AutorAntonio Carlos Santoro Filho
CargoJuiz de Direito em São Paulo
Páginas32-34

Page 32

A dimensão axiológica da tipi-cidade constitui, a partir deste entendimento, a inadequação social da conduta, por se dirigir contra o fim de proteção da norma penal; representa, assim, o caráter valora-tivo negativo do comportamento, na concreção das relações sociais (realidade). Como sustenta Bau-mann1: "A norma abstrata deve ser interpretada, ou seja, deve-se averiguar o sentido de seu conteúdo e depois há que examinar se a situação concreta se adapta a ela. Interpretar a norma e subsumir a situação são as tarefas principais do jurista."

É do enfrentamento entre o tipo (norma penal abstrata, o direito posto) e o caso concreto (fato), no contexto valorativo vigente (campo axiológico-social), que surge o juízo de subsunção - imputação plena -, isto é, a tipicidade em sua tríplice acepção.

Neste sentido, há sempre de existir uma identidade de desvalor entre a ação concreta e a abstração realizada pelo legislador quando da operação de seleção de comportamentos proibidos, da formulação dos tipos de injusto.

Ao contrário do que se possa supor, não defendemos a realização de uma pesquisa ou interpretação histórica a partir da vontade do legislador do tempo da elaboração da lei, para determinar a extensão de aplicabilidade da norma, pois, em virtude das discrepâncias existentes entre as distintas épocas, a adoção desta modalidade interpretativa, longe de solucionar problemas de subsunção, acarretaria outros, decorrentes da inegável transformação da sociedade e da evolução dos valores sociais. O que entendemos adequado é a verificação da similitude de (des) valoração em relação aos posicionamentos do legislador atual - teoria objetivista da interpretação -, ao qual cabe representar a sociedade contemporânea e positivar os seus valores, e que, mesmo não tendo sido o responsável pela elaboração da norma penal, a mantém como integrante do sistema, dirigida, por ser parte dele integrante, à busca de sua finalidade. Da adoção deste recurso podem ser destacadas duas vantagens: permite, por um lado, certa abertura do sistema penal, todavia sem violação à lei; por outro, viabiliza certo controle da interpretação da vontade do legislador, pois este, a qualquer tempo, mediante modificações legislativas, pode revelar o equívoco do juízo quanto à valoração. Neste sentido o posicionamento de Chaïm Perelman: "É por essa razão que sugiro que o juiz, tendo de procurar na interpretação da lei a vontade do legislador, deveria entendê-la como sendo não a do legislador que votou a lei, principalmente se se trata de uma lei antiga, mas do legislador atual (...). Quando a vontade à qual alude é a do legislador atual, afirma uma hipótese cuja verdade pode ser controlada, pois, em caso de desacordo com o juiz, o legislador atual tem condições de se manifestar e votar uma lei interpretativa (...) ela transforma a busca da vontade do legislador em uma presunção suscetível de ser derrubada, em vez de fazer dela uma presunção irreversível, e, às vezes, nitidamente fictícia, pois escapa de qualquer controle efetivo. Essa concepção, que pode parecer paradoxal, foi confirmada por um célebre aresto da Corte Internacional de Justiça sobre a Namíbia (1971), cuja motivação declara expressamente que 'um instrumento internacional deve ser interpretado dentro do contexto de todo o sistema legal que prevalece no momento da interpretação' (...) o juiz, procurando conformar-se à vontade da nação, há de conformar-se, em última análise, à vontade presumida do legislador atual."2

O legislador, ao elaborar e manter em vigor um tipo penal, não pretende "punir" todas as condutas que a ele encontrem subsunção nos aspectos objetivo e subjetivo, mas tem por fim evitar as condutas típicas desajustadas, ou seja, aquelas afastadas das relações sociais que se inserem no campo da normalidade da vida em comum. Inexistindo o "desajuste social" da ação, esta não será alcançada pelo tipo, por não haver, entre ambos, similitude axiológica.

Logo, a tipicidade axiológica delimita o sentido e alcance do tipo penal, impedindo a sua aplicação para hipóteses que não se...

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