"Bancarizaçao" por meio de correspondentes bancários

AutorUinie Caminha e Arthur Farache de Paiva
Páginas179-187

Page 179

Introdução

É certo que o desenvolvimento da sociedade cria para homem necessidades novas. Como pronunciava o pensador francês Tocqueville,1 o homem nasce com certas necessidades essenciais e produz outras artificiais. Dentro dessa dinâmica, acaba por tornar-se tão dependente destas, que a partir de um determinado momento, dificilmente consegue isolá-las. Logo, o progresso da civilização não só expõe o homem a muitas novas carências, mas leva, ainda, o ónus à sociedade de tentar aliviar essas carências que outrora ninguém sonharia em satisfazer.

Já na Idade Média começou a se sentir uma dessas novas necessidades: a inter-mediação financeira. Leo Huberman2 res-saltou a importância dos banqueiros para o comércio e para o cidadão da época. Os senhores feudais, considerados como autoridades máximas de determinada porção de terra, permitiam e regulavam as feiras que aconteciam em seus feudos. Notadamente, não demorou para que vissem também a imprescindibilidade dos serviços dos banqueiros, senão, até aquele momento, apenas como mais uma oportunidade arrecadar tributos.

Após alguns séculos, o sistema financeiro se encontra, hoje, muito desenvolvido, ocupando um lugar de grande importância na sociedade. Tal qual ocorreu na Idade Média, as autoridades, hoje concebidas na forma do Estado, pressionadas pelo mercado, vêem a necessidade de permitir e

Page 180

regular meios de acesso ao sistema financeiro para toda a população.

A popularização do acesso ao sistema financeiro, ou a "bancarização" da população, como vem se tornando conhecido o movimento, ocupa posição de destaque entre as preocupações das autoridades monetárias e do Estado Brasileiro de uma forma geral. Acredita-se que, através de políticas governamentais e mudanças regula-tórias que incentivem a inclusão bancária, pode-se aumentar o bem-estar social do indivíduo e propiciar um aumento de produtividade na economia.

Esta preocupação vem, de um lado, impulsionada pela atratividade de um grande mercado ainda não explorado e, de outro, pela possibilidade de viabilizar o acesso à economia formal e, com isso, o aumento do controle de movimentações financeiras através de mecanismos bancários pelo Estado.

O presente trabalho tem por objetivo analisar a contribuição e a eficácia trazida pela regulamentação da atividade de correspondentes bancários no Sistema Financeiro Nacional à inclusão bancária da população. Inicia-se, então, por uma breve contextualização histórica para, em seguida, adentrar na discussão jurídica a respeito do tema.

2. Evolução do Sistema Financeiro Nacional

No Brasil, até 1994, os bancos trabalhavam eminentemente com operações de curtíssimo prazo3 por causa da elevada inflação, restando pouco espaço para diver-sificação de produtos e serviços.4 O que contribuía para que cerca de 78,5% da população brasileira fosse considerada não-bancarizada,5 enquanto que na Holanda este percentual era 24%, 26% nos Estados Unidos e 29% na Coreia.6

Com a implantação do Plano Real e a perda da receita inflacionária, o setor bancário experimentou uma crise, ocorrendo, inclusive, alguns casos de falência, derivados exatamente da não adaptação de algumas instituições bancárias à nova realidade da economia. De acordo com dados do próprio IBGE em conjunto com a Associação Nacional das Entidades do Mercado Financeiro - ANDIMA7 a receita inflacionária comparada ao Produto Interno Bruto - PIB, caiu de 4% em 1990 para 0,1% em 1995.

Nesse sentido, as instituições bancárias tiveram que adaptar seus modelos, inicialmente com a troca da receita inflacionária pela receita de serviços, que partiu de 8% em 1990, para 10,5% em 1993, chegando a 21,5% em 1995.8 Somando-se a este cenário, houve, ainda, a flèxibilização das normas de entrada de capital estrangeiro, que se deu no governo do Presidente Fernando Collor de Mello.

Abriu-se, então, caminho para várias reestruturações societárias, especialmente

Page 181

fusões e aquisições, inclusive com a pri-vatização de bancos estaduais. Efeitos que terminaram por diminuir a quantidade de bancos e aumentar a concentração do se-tor. Consoante dados do Banco Central,9 o número de bancos -entre bancos múltiplos, comerciais e caixas económicas reduziram de 246 em 1994 para 192 em 2000.

No mesmo sentido, o aumento das operações desintermediadas, especialmente por meio de securitizações,10 fez com que os bancos tivessem que repensar suas funções económicas e sua estrutura de prestação de serviços.

O ganho de eficiência foi condição de sobrevivência para os bancos naquele período, forçados pela necessidade de diminuição de custos e pela entrada de concorrentes estrangeiros. Destarte, a tecnologia foi grande aliada nesse sentido, com o uso massificado dos Postos de Atendimento Bancário Eletrônicos. O que ocorreu daí por diante, foi a diminuição do número de agências, o que contribuiu ainda mais o baixo índice de abrangência do sistema financeiro.11

Diante do exposto, no ano de 1999, o Conselho Monetário Nacional criou a figura do correspondente bancário pela Resolução 2.640/1999.12 Inicialmente, o intuito foi apenas levar serviços financeiros a localidades desatendidas, tendo em seguida sido alargado com a constatação de que a democratização do acesso aos serviços financeiros deveria ser efetivada também em sua dimensão sócio-econômica, ou seja, considerando o atendimento da população de baixa renda, independentemente, da região do país.

Os correspondentes bancários são sociedades contratadas por instituição financeira para prestar serviços financeiros sob a fiscalização e responsabilidade da instituição contratante.

Nos últimos cinco anos, enquanto o número de dependências bancárias permaneceu, praticamente, estabilizado, a quantidade de correspondentes bancários apresentou um crescimento 406% superior ao crescimento das agências, chegando, em 2005, ao número de 69.546 correspondentes, segundo dados do Banco Central.13 Note-se que, ao final de 2002, não havia mais nenhum município desassistido de serviços bancários. A quantidade de pagamentos e recebimentos realizados, por meio de correspondentes bancários, no ano de 2005, ultrapassa um bilhão de reais.14

O uso dos correspondentes bancários como meio de acesso principal ao sistema financeiro chega a 70% no Norte do país,15 de acordo com pesquisa do Banco Mundial em 2002. Também, conforme esta pesquisa, 57% dos residentes urbanos no Brasil com mais de 18 anos não possuíam conta bancária e 2/3 deles demonstraram interesse em ter. Já em 2003, o IBGE realizou

Page 182

pesquisa junto à empresas do setor informal, constatando que 37%. dos proprietários de empresas do setor informal usam como meio de acesso ao Sistema Financeiro os correspondentes bancários.16

Na experiência internacional, se destacam o Japão, França e a Holanda, com modelo parecido de correspondentes bancários adotado pelo Brasil. O La Poste, nà França, possui 43 milhões de correntistas e 200 bilhões em depósitos, enquanto o ING Postbank da Holanda possui 8 milhões de correntistas e 22,5 bilhões em depósitos.17 Os Estados Unidos focaram à margem deste tipo de atendimento bancário, pois somente neste ano por conta de um acordo entre o Citibank e a rede de lojas 7-Eleven, será oferecido serviços financeiros nas 5.500 lojas da rede para os 12 milhões de americanos sem conta bancária.18

3. Precedentes normativos e marco legal-regulador

Até 1999, havia apenas uma espécie de terceirização de serviços bancários prevista na Carta-Circular 220,19 do Banco Central, expedida em 15 de outubro de 1973, que permitia a cobrança de títulos e execução, ativa ou passiva, de ordens de pagamento em nome do banco contratante, de modo que vedava expressamente outro tipo de operações e obrigava, apenas, a comunicação ao Banco Central. O acerto financeiro deveria ser feito no máximo mensalmente, podendo ser convencionado no contrato prazo menor.

Mais tarde, pela Resolução CMN 562/ 1979,20 possibilitou-se que prestadoras de serviço recebessem pedidos de financiamentos a fim de encaminhá-los às sociedades de crédito, financiamento e investimento, assim como foi permitido também a análise de crédito e de cadastro, cobrança extrajudicial e outros serviços de controle, in-clusive processamento de dados. Foi possível também que as...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT