Guerra fiscal no ICMS - Benefícios fiscais x benefícios não fiscais

AutorArgos Campos Ribeiro Simões
CargoAgente Fiscal de Rendas. Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo. Assistente Fiscal da Escola Fazendária da Secretaria da Fazenda de São Paulo
Páginas53-66

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I - Introdução

Atual e de extrema relevância a discussão sobre alguns aspectos jurídicos e não jurídicos da chamada guerra fiscal travada entre os entes da Federação; especialmente em relação à concessão de Benefícios Fiscais e de Benefícios Fiscais-Financeiros no trato do ICMS.

O desafio de desvendar toda a rede normativa que cerca a questão tem início com um questionamento fundamental: Qual a definição do termo "Benefício Fiscal”?

Sem a resposta a esta pergunta, sem a exata significação dos termos jurídicos correlatos, toda nossa discussão seria estéril, como incansavelmente preleciona o mestre capixaba Tárek Moysés Moussal-len em suas brilhantes aulas.

Assim, neste ensaio, o tema da Guerra Fiscal e dos Benefícios Fiscais ficará restrito à busca da mais precisa interpretação das normas insertas na CF/1988, na LC 24/1975 e na legislação estadual correlata, enfocando, especialmente, qual a significação jurídica do termo "Benefício Fiscal”.

Partindo da premissa de que o método de aproximação cognoscente é determinante ao conhecimento do objeto, temos que cada método permite o conhecimento de uma determinada faceta do objeto a ser conhecido.

Diferente o método, diverso o objeto percebido e conhecido. Assim, destacamos que adotamos o método analítico-normati-vo em nossas abordagens.

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Inicialmente lançamos premissas destacando o que é Direito para nós.

Em seguida, discute-se o que seria a chamada Guerra Fiscal entre os entes políticos (estaduais) e quais os requisitos normativos para que um incentivo concedido por um Estado ou pelo DF, em relação ao ICMS, seja considerado um Benefício Fiscal, buscando critérios que possam nos ajudar a distinguir um Benefício Fiscal de um não Fiscal.

A seguir, apresentamos dois casos práticos: um tratando da devida glosa de crédito decorrente de Benefício Fiscal e outro tratando de indevida glosa de crédito decorrente de Benefício não Fiscal.

Pretendemos, assim, contribuir para um aprofundamento mais crítico sobre este tema atual, cujas conseqüências (das in-conseqüências de alguns gestores públicos aliadas ao desconhecimento da legislação por parte de muitos contribuintes) tomam proporções financeiras e tributárias graves e de amplitude nacional.

Adotamos, em nosso estudo, o sistema referencial jurídico apreendido das lições dos mestres Paulo de Barros Carvalho, Eurico Marcos Diniz de Santi e Tárek Moysés Moussallem, seja através de suas aulas, seja através de suas obras acadêmicas, entendendo, portanto, o Direito como sistema normativo.

Também adotamos como referência bibliográfica os preciosos ensinamentos da professora Christine Mendonça, da professora Fabiana Del Padre Tomé, do professor José Eduardo Soares de Melo, do professor Roque Carrazza e do brilhante professor e colega do Fisco paulista Osvaldo Santos de Carvalho.

II - Do direito positivo - Algumas premissas

Enxergamos o Direito Positivo como sistema, cujo repertório estruturado é constituído única e exclusivamente por normas jurídicas formalmente válidas em determinado território.

O ingresso de tais normas no sistema do Direito Positivo depende da satisfação a alguns requisitos formais, quais sejam: (i) agente enunciador competente (credenciado como agente pelo próprio sistema jurídico); (ii) procedimento de enunciação legislativa normativamente também previsto e (iii) publicidade, que marca o nascimento da norma jurídica, determinando seu ingresso no sistema jurídico.

Como o Direito não é uma pessoa (não tem olhos, nem boca e nem nariz), sendo, exclusivamente, uma criação intelectual vertida em linguagem normativa (é MATRIX, como tem afirmado em suas grandes aulas, o professor Eurico de Santi), temos que o conceito de existência para o Direito confunde-se com o conceito de validade.

Assim, concluímos que se a norma é válida, então é jurídica; se é jurídica, então pertence ao sistema jurídico; e, se pertence ao sistema jurídico, então a norma existe.

Existir para o Direito é existir como norma. Um evento bruto do mundo do ser (mundo real) só adquire a dimensão jurídica (só é reconhecível pelo Direito; só pertence ao mundo do dever-ser) se estiver inserido na linguagem normativa criada e reconhecível pelo próprio Direito.

A limitação da linguagem impede o ingresso da universalidade do evento bruto no mundo do Direito. O real não tem como ingressar no imaginário (o Direito é construção mental; é imaginário). O que entra no jurídico não é o evento, mas a articulação lingüística descrita como fato pelo agente competente.

Assim, entendemos que o conceito de existência para o sistema normativo é restrito ao que ele pode "enxergar"; e ele só reconhece as normas que o compõem, porque a sua própria existência está condicionada a estas normas. O Direito cria sua própria realidade, na linha de pensamento de Paulo de Barros Carvalho.

Como sistema auto-referente, o direito positivo utiliza suas unidades normativas desconsiderando os limites e as dife-

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renças de seu conteúdo. A significação intensa das normas busca no próprio sistema suas respostas. A resposta à significação dos conceitos jurídicos e às respectivas definições encontra-se no próprio sistema jurídico, sempre considerando a significação precisa dos textos interpretados e levando-se em consideração o contexto normativo em que restam inseridos.

Com isso, respostas a questionamen-tos sobre a natureza jurídica dos benefícios fiscais ou sobre a do termo cobrado no regime de compensação débito-crédito devem ser obtidas do contexto do próprio ordenamento. Nossa interpretação exige contextualização na realidade jurídica construída do ordenamento válido, vigente e eficaz respectivo.

Não menos importante é a distinção entre incidência normativa e aplicação.

Consideramos incidência normativa como o resultado positivo de um processo de comparação entre a linguagem que descreve a realidade e a linguagem descritora inserta na hipótese normativa.

Da coincidência da linguagem descri-tora-hipotética à linguagem descritora-fac-tual, temos a chamada subsunção normativa: o sentido denotativo do fato (descrição de evento individualizado, determinado) é idêntico ao sentido conotativo do fato hipotético previsto em norma abstrata.

Por sua vez, aplicação é o ato de pessoa jurídica competente (considerando que o direito somente "enxerga" pessoas jurídicas, não importando o que são na sua essência, se pessoas físicas ou não) construir norma concreta (geral ou individual), no sentido da positivação do direito.

Aplicar uma norma é agir no sentido da produção de veículo introdutório de normas (gerais ou individuais, concretas ou abstratas).

Assim, fazer incidir a linguagem normativa sobre a linguagem supostamente espelho da realidade social produzindo a linguagem da facticidade jurídica (fato jurídico) é o ponto culminante do processo de aplicação da norma; portanto, aplicação e incidência ocorrem simultaneamente.

Aqui as normas não incidem; são incididas através do processo de aplicação. Precisam de linguagem advinda de agente competente a fazê-las incidir.

Acreditamos na importância das considerações acima a fim de precisarmos os conceitos para bem analisarmos as questões jurídicas a seguir propostas.

III - Da "guerra fiscal" no ICMS

Na tentativa de atrair empresas para seu território, diversos Estados da Federação (para não dizer todos os entes políticos estaduais, incluindo o Distrito Federal) oferecem Regimes Especiais de tributação do ICMS àqueles que resolvem ali se estabelecer.

Seja outorgando créditos, seja facilitando a forma de pagamento do tributo estadual ou até concedendo isenções, os entes políticos utilizam o aparato normativo tributário (fiscal) como ferramenta de incentivo financeiro às referidas empresas estabelecidas em outros Estados e que ali decidem constituir algum de seus estabelecimentos (seja matriz ou uma filial).

Ocorre que, em relação ao ICMS, para a concessão dos benefícios chamados fiscais ou financeiro-fiscais, o ordenamento constitucional estabelece a condição de que ocorra deliberação dos demais entes federativos estaduais concordando com a concessão de tais benefícios advindos de regimes especiais.

Assim, o ordenamento constitucional delega fundamento de validade à norma complementar nacional para que esta regule como as unidades federadas deverão conceder e revogar isenções, assim como incentivos e benefícios fiscais (art. 155, § 2o, XII, "g").

In verbis, o art. 155, § 2o, "g" da CF/1988:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

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(...);

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e inter-municipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...);

§ 2°. O imposto previsto no inciso II, atenderá ao seguinte:

(...);

XII - cabe à lei complementar: g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

Portanto, a restrição está posta; há a necessidade da deliberação dos entes estaduais na concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais. O procedimento de concessão deverá ser regulado em lei complementar e o órgão responsável que congrega os representantes dos entes políticos estaduais é o CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária).

Ocorre que os Estados e o DF, em sua grande maioria, não seguem as prescrições do CONFAZ, quando da concessão dos aludidos benefícios jurídicos, concedendo-os através de Regimes...

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