Between communitarians and liberals: Axel Honneth's theory of justice/ Entre comunitaristas e liberais: a teoria da justica de Axel Honneth.

AutorSimim, Thiago Aguiar
CargoEnsayo
  1. Entre comunitaristas e liberais

    A disputa em torno do conceito de justica se acirrou desde a publicacao, em 1971, de Uma teoria da justica de John Rawls (2002), lida como tentativa da filosofia politica de reconciliar liberdade individual e igualdade social (FORST, 2010). O grande trunfo de Rawls naquele momento foi "tornar novamente respeitavel a filosofia moral nao-utilitarista" (FLEISCHACKER, 2006: 160). A polarizacao das teorias da justica desde entao em duas concepcoes fundamentais, liberais e comunitaristas, principalmente nos debates da decada de 1980, marcaram o eixo desta disputa. Nao se pode falar especificamente em tradicoes de pensamento liberal e comunitarista, mas sim de seus tracos mais marcantes que aglutinam diversas posicoes (FORST, 2010). Estes termos so fazem sentido na observacao panoramica do posicionamento no debate, pois os comunitaristas se aglutinaram na posicao de critica a teoria de Rawls, enquanto os liberais, via de regra, se dedicaram a desenvolver e defender a filosofia politica rawlsiana.

    A teoria da justica deve, segundo Rawls, se limitar ao pacto moral de cooperacao entre os individuos para a producao e reproducao de seus diferentes modos de vida e persecucao de seus objetivos, porque, para Rawls, "(...) o objeto primario da justica e a estrutura basica da sociedade", ou seja, "a maneira pela qual as instituicoes sociais mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisao de vantagens provenientes da cooperacao social" (2002: 7-8). A partir disso, ele elabora o seu conceito de sociedade: "(...) uma sociedade e uma associacao mais ou menos autossuficiente de pessoas que em suas relacoes mutuas reconhecem certas regras de conduta como obrigatorias e que, na maioria das vezes, agem de acordo com elas" (RAWLS, 2002: 4).

    A premissa utilitarista aceita por Rawls e aquela que ele entende como quase cientifica (1), de que o homem e o ser que faz escolhas racionais de modo a maximizar a satisfacao de seus desejos (FLEISCHACKER, 2006). Para o utilitarismo, isso significa que os principios de escolha racional de uma sociedade sao os mesmos utilizados para um unico ser humano. No fim das contas, isso significa que "[o] utilitarismo nao leva a serio a diferenca entre as pessoas" (RAWLS, 2002: 30). O chamado "fato do pluralismo" nas sociedades ocidentais modernas, de um lado, e a fixacao nos desejos e liberdade individuais como objeto da justica, de outro lado, demonstram o interesse especial de Rawls voltado para o individuo, o que gera a acusacao de um individualismo metodologico. Essa e, segundo Fleichschacker, a marca de distincao entre Rawls e o utilitarismo: "[o]nde Rawls diverge acentuadamente do utilitarismo, e dos outros paradigmas da filosofia moral e politica de sua epoca, e em sua vigorosa enfase na importancia do individuo" (2006: 161). Ou seja, a cooperacao social teria como objetivo assegurar as condicoes de que cada individuo realize, ao maximo, o seu sistema de desejos (2). Uma vez que esses sistemas sao distintos, as regras sociais nao podem assumir os principios de um individuo so, como seria no utilitarismo, mas sim procurar a forma de se mediar as diferencas e suas consequencias, para que os individuos tropecem o menos possivel uns nos outros.

    A teoria da escolha racional, tomada da base do pensamento utilitarista, e reformulada por Rawls da seguinte forma, portanto: "[o]s termos apropriados da cooperacao social sao estabelecidos por tudo quanto, em determinado contexto, consiga a satisfacao maxima da soma dos desejos racionais dos individuos" (RAWLS, 2002: 27). Seu intento e a aproximacao entre as teorias da escolha racional e da justica "[p]ois, assim como e racional que um homem maximize a realizacao de seu sistema de desejos, tambem e justo que uma sociedade maximize o saldo liquido de satisfacao obtido com referencia a todos os seus membros" (RAWLS, 2002: 28).

    E necessario, para Rawls, que se reavive a filosofia moral sem a necessidade de se remeter a um conceito etico substancial de bom. Sua teoria tem base em dois principios de igualdade e diferenca, pois dado o pluralismo de valores da sociedade moderna, seria necessario se tracar principios capazes de englobar todas as diferencas como criterio de justica que seja capaz de atravessar qualquer contexto particular. As sociedades sao tao diversas, que "a justica so deve se ocupar da distribuicao de 'bens primarios'--bem necessarios a busca de praticamente qualquer fim humano--e deve deixar de lado a questao de o que constitui o bem humano supremo" (FLEISCHACKER, 2006: 161-162). O que constitui o estofo da realizacao dos desejos de um homem nao entra em questao na ponderacao de Rawls, mas somente a forma de se criar as condicoes materiais para que os individuos tenham autonomia, e os principios que equacionam as diferencas. Levando em conta que sua teoria e elaborada para servir a um espectro amplo de sociedades, Rawls nao contextualiza, a priori, o seu ponto de partida, a saber, o da posicao original. Ele afirma que "na justica como equidade a posicao original de igualdade corresponde ao estado de natureza na teoria tradicional do contrato social" (RAWLS, 2002: 13). A partir desta posicao ele traca a tarefa de sacar os principios basilares para a cooperacao social. A posicao original e, como sustenta Rawls, um ponto de partida hipotetico, o que significa dizer que nao tem importancia a sua (in)existencia historica, mas sim a ideia de que "(...) principios da justica para a estrutura basica da sociedade sao o objeto do consenso original' (RAWLS, 2002: 12).

    A teoria da justica como equidade de Rawls consiste em duas partes: "(1) uma interpretacao de uma situacao original e do problema da escolha colocada naquele momento e (2) um conjunto de principios que, segundo se procura demonstrar, seriam aceitos consensualmente" (RAWLS, 2002: 17). Portanto, do primeiro passo ja mencionado--a posicao original--ele saca, logicamente, com remissao inclusive a termos e metodos matematicos (FLEISCHACKER, 2006), os principios de justica basicos. Do inicio ao final de Uma teoria da justica (2002), Rawls reformula estes principios, chegando a seguinte redacao final a dois principios:

    Primeiro principio

    Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema total de liberdades basicas iguais que seja compativel com um sistema semelhante de liberdades para todos.

    Segundo principio

    As desigualdades economicas e sociais devem ser ordenadas de tal modo que, ao mesmo tempo: (a) tragam o maior beneficio possivel para os menos favorecidos, obedecendo as restricoes do principio da poupanca justa, e (b) sejam vinculadas a cargos e posicoes abertos a todos em condicoes de igualdade equitativa de oportunidades (RAWLS, 2002: 333).

    Ele ainda entende que esta mediacao nao e simples, o que o faz dar mais um passo na complexidade de sua teoria. Como ha a possibilidade de uma incompatibilidade na aplicacao desses principios, Rawls formula as regras de prioridade, com justificacao na propria logica da justica como equidade.

    O carater abstrato, atomista e contratualista, do qual parte Rawls para desenvolver sua teoria da justica e contraposto por uma teoria comunitaristas da justica ligada a praticas, valores, historia, tradicao, que formam o horizonte normativo de uma comunidade para a constituicao nao so da identidade pessoal individual, como tambem de sua racionalidade. Sendo assim, "'liberais' de um lado, e 'comunitaristas', de outro, entendem que as normas que pretendem ser moralmente justificadas sao designadas de 'justas' ou porque sao transcendentes ao contexto, no caso dos primeiros, ou porque sao imanentes ao contexto, no caso dos segundos" (WERLE E MELO, 2007: 17). Honneth consegue resumir bem o que demarca as duas posicoes no debate:

    O que deu o titulo ao campo dos "comunitaristas" era principalmente a ideia dirigida contra Rawls de que e preciso sempre um retorno retrospectivo a um horizonte de valores comuns compartilhados, se se deve decidir com de modo razoavel acerca de questoes sobre a ordem justa da sociedade. O campo dos "liberais", por outro lado, foi nomeado ao contrario pela orientacao comum a ideia central de Rawls de que sob condicoes modernas de um pluralismo de valores so o principio geral da igualdade de direitos, liberdades e oportunidades pode servir como criterio normativo pelo qual a justica de uma comunidade deve ser medida (HONNETH, 1993: 8 (3)).

    Como afirma Forst (2010), os comunitaristas sao obcecados pelo contexto (Kontextversessen), enquanto liberais sao esquecidos do contexto (Kontextvergessen), pois e o foco, ou a ausencia dele, em um ethos determinado temporal e geograficamente, que marcam estas posicoes politico-filosoficas. Os liberais pensam em uma arquitetura de criterios de justica que seja axiologicamente "neutra", visando mediar a convivencia das diferencas culturais na sociedade contemporanea. No lado comunitarista se acentua uma precedencia ou necessidade do "bom" em relacao ao "justo" ou "correto".

    Portanto, o papel do comunitarista seria o de um hermeneuta, ou seja, de interpretar o contexto especifico como forma de compreensao dos valores e principios que uma sociedade ja carrega. Os liberais sao vistos como construtivistas, pois os principios de convivencia pautados na igualdade e liberdade devem ser racionalmente construidos e depois aplicados. O ponto de partida liberal, no entanto, e da construcao racional atomistica e sem atencao necessaria as modulacoes que a formacao intersubjetiva do social e do politico podem dar a estes principios.

    No que tange aos liberais, a pretensao de neutralidade axiologica na fixacao dos criterios de justica e uma cegueira, pois o tratamento igual e respeito as diferencas e um ethos que ja e pressuposto na sociedade moderna ocidental (FORST, 2010: 280). Alem disso, pelo lado liberal, e necessario se elaborar criterios abstratos e imparciais de justica, o que carece de concrecao no enfrentamento de problemas...

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