Big data, inteligência artificial e policiamento preditivo: bases para uma adequada regulação legal que respeite os direitos fundamentais

AutorCyntia Souza de Menezes - José Ramon Agustina Sanllehí
Páginas103-135
Disponível em: www.univali.br/periodicos
Doi: 10.14210/nej.v26n1.p103-135
103
Licença CC BY:
Artigo distribuído sob
os termos Creative
Commons, permite
uso e distribuição
irrestrita em qualquer
meio desde que o
autor credite a fonte
original.
BIG DATA, INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E
POLICIAMENTO PREDITIVO: BASES PARA
UMA ADEQUADA REGULAÇÃO LEGAL QUE
RESPEITE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
BIG DATA, ARTIFICIAL INTELLIGENCE AND PREDICTIVE POLICING: BASES FOR
PROPER LEGAL REGULATION THAT RESPECTS FUNDAMENTAL RIGHTS
BIG DATA, INTELIGENCIA ARTIFICIAL Y POLICIAMIENTO PREDICTIVO: BASES
PARA UNA ADECUADA REGULACIÓN LEGAL QUE RESPETE LOS DERECHOS
FUNDAMENTALES
Cyntia Souza de Menezes1
José Ramon Agustina Sanllehí2
Resumo: Diante das novas ferramentas de análise policial se por um lado a polícia cumpre uma
função essencial na prevenção, detecção e investigação de um delito, ela não está livre de ter o
seu trabalho limitado e submetido ao princípio da legalidade. A ecácia do trabalho policial não
pode, como sabemos, saltar as garantias próprias de um Estado de Direito e sua atividade deve
submeter-se a critérios transparentes de razoabilidade e controle, entre outros princípios. Não
é legítimo que, para garantir a segurança de todos, seja sacricada a privacidade daqueles que
apenas supercialmente parecem suspeitos. As denominadas investigações prospectivas (phishing
expeditions) são proibidas quando é afetado um direito fundamental que requeira autorização judicial
prévia. À luz das reexões anteriores, entendemos que talvez seja precipitada a aplicação massiva
de sistemas de IA a modelos de polícia preditiva, enquanto (i) estejam pendentes de renação;
(ii) não tenham uma base cientíca sólida, e; (iii) operem em um ambiente onde o marco legal,
regulatório e de proteção cidadã é ainda limitado. Principalmente quando estes sistemas têm o
potencial de afetar de maneira importante a vida de grupos e populações em situação de exclusão
e que se veem cada dia mais vigiados.
Palavras-chave: Big Data; Inteligência articial; Regulação; Policiamiento predictivo.
Doi: 10.14210/nej.v26n1.p103-135
Revista Novos estuDos JuRíDicos - eletRôNica, vol. 26- N. 1 - JaN-aBR 2021 104
Abstract: In light of the new tools of police analysis, while on one hand, the police fulll an essential
role in the prevention, detection and investigation of an oence, on they other, they are not free to
have its work limited and subject to the principle of legality. The eectiveness of police work cannot,
as we know, ignore the guarantees inherent to a State of Law; their activities must be subject to
transparent criteria of reasonableness and control, among other principles. It is not legitimate, for
example, to sacrice the privacy of those who only appear to be suspicious in order to ensure the
safety of all. So-called phishing expeditions are prohibited when a fundamental right that requires prior
judicial authorization is aected. In light of previous reections, we understand that the widespread
application of AI systems to predictive police models may be precipitated, while (i) still requiring
further renement ; (ii) not having a sound scientic basis, and; (iii) operating in an environment
where the legal, regulatory and citizen protection framework is still limited. Especially when these
systems have the potential to signicantly aect the lives of groups and populations in situations of
exclusion and that are increasingly monitored.
Keywords: Big Data; Articial intelligence; Regulation; Predictive policing.
Resumen: Delante de las nuevas herramientas del análisis policial si por un lado la polícia cumple
una función esencial en la prevención, detección e investigación de un delito, ella no está libre de
tener su trabajo limitado y sometido al principio de la legalidad. La ecacia del trabajo policial no
puede, como sabemos, saltar las garantias propias de un Estado de Derecho y su actividad debe
someterse a criterios transparentes de razonabilidad y control, entre otros principios. No es legítimo
que, para garantizar la seguridad de todos, sea sacricada la privacidad de aquellos que apenas
supercialmente parecen sospechosos. Las denominadas investigaciones prospectivas (phishing
expeditions) son prohibidas cuando es afectado un derecho fundamental que requiera autorización
judicial previa. Frente a las reexiones anteriores, entendemos que tal vez sea precipitada la
aplicación masiva de sistemas de IA a modelos de polícia predictiva, mientras (i) estén pendientes
de renación; (ii) no tengan una base cientíca sólida, y; (iii) operen en un ambiente donde el marco
legal, regulatorio y de protección ciudadana es aún limitado. Principalmente cuando estos sistemas
tienen el potencial de afectar de manera importante la vida de grupos y poblaciones en situación de
exclusión y que se ven cada día más vigilados.
Palabras clave: Big Data; Inteligencia articial; Regulación; Policiamiento predictivo.
INTRODUÇÃO
É fato que a evolução das técnicas de coleta, entrecruzamento e tratamento massivo de dados
pessoais na era do Big Data deu à polícia acesso a potenciais meios de vigilância, investigação e controle
sem precedentes. Por meio da utilização destas técnicas, hoje os corpos policiais e de segurança dispõem
de um volume imenso de informações de caráter pessoal sobre os cidadãos. A partir destas informações
coletadas, é possível traçção de prognósticos de risco, cruzar dados
sobre investigações em curso, reduzir o círculo de suspeitos e muito mais. A denominada teoria do
mosaico (em contraste com a teoria das esferas)3 já sinalizava que, por meio da inter-relação entre
3 Sobre a teoria do mosaico e sua implicação nas técnicas de prevenção e persecução do delito por meio de
inteligência articial, ver VALLS PRIETO, J. Problemas jurídico penales asociados a las nuevas técnicas de
prevención y persecución del crimen mediante inteligencia articial. Madrid: Dykinson, 2017.
Disponível em: www.univali.br/periodicos
Doi: 10.14210/nej.v26n1.p103-135
105
rios dados pessoais, é possíção que afetam a privacidade do indivíduo
e que, além disso, proporcionam indícios ou previsões sobre uma possível implicação em atividade
delitiva no passado, presente ou no futuro. Esta intromissão sutil, mediante a soma e combinação de
dados aparentemente irrelevantes, levanta uma questão de limites.
Diante das novas ferramentas de análise policial, convém não esquecer que, se por um lado
a polícia cumpre uma função essencial na prevenção, detecção e investigação de um delito, ela
o está livre de ter o seu trabalho limitado e submetido ao princí  ácia do
trabalho policial não pode, como sabemos, saltar as garantias próprias de um Estado de Direito e
sua atividade deve submeter-se a critérios transparentes de razoabilidade e controle, entre outros
princípios. O trabalho policial não deve, portanto, aproveitar-se de qualquer informação pessoal
obtida dos cidadã    í
çã
Em uma sociedade com altas doses de intolerância ao risco, a pista escorregadia em direção
a um estado de vigilância total é mais que possível. A tentação é conhecida, especialmente em
situações de emergência social mais ou menos difusa4. No entanto, as razõ  ácia nunca
podem passar por cima das razões de legitimidade. Entre as razões de legitimidade, para o que aqui
nos interessa, emergem com particular importância o direito à privacidade e o direito a não sofrer
discriminação por motivos de parcialidades e predições estatísticas ou algorítmicas.
A polícia não pode, portanto, ignorar as normas e utilizar dados pessoais sem controle apenas
porque tem um pressentimento, ou por simples conjectura. Não é legítimo que, para garantir a
seguranç     
suspeitos. As denominadas investigaçõão proibidas quando é
afetado um direito fundamental que requeira autorização judicial prévia. Ingerências menos invasivas
devem vir precedidas de suspeita razoável (probable cause), sem prejuí
tenha-se legitimado por lei determinadas atuações ad hoc, procedimentos rotineiros ou controles
aleatórios. Também não pode a polí
realizar ingerências massivas em espaços de privacidade protegidos por lei. Por todas estas razões, é
necessário que os corpos policiais se submetam a um programa de compliance. Um controle rigoroso
poderá dar razão à  á-lo, porque o “olfato policialo costuma
ser espontâneo, senão baseado em dados. Caso contrá    
uma informação obtida de forma ilegal. A tíções e por
quais motivos o serviço de imigração e controle de fronteiras seleciona determinados passageiros
     ática que, limitando direitos
fundamentais, tenha por base um juízo de prognóstico fráém irá
compensar o cidadã  ário baseado em um algoritmo muitas vezes
4 Até mesmo em situações de emergência terrorista (ou sanitária: SARS-CoV-2) é necessário amparar-se legalmente
e limitar a utilização desta cobertura legal ao lapso de tempo que justique tal regime especial.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT