Breves comentários sobre aregulamentação da súmula vinculante

AutorArthur Mendes Lobo
CargoMestrando em Direito pela UNAERP/SP. Especialista em Direito Ambiental pela UGF/RJ. Ex-Professor Substituto da PUC/MG. Advogado
Páginas38-68

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Considerações iniciais

Desde a vigência do Código de Processo Civil, em 11.01.1973, a sociedade brasileira passou por profundas transformações que ocasionaram a sobrecarga no número de processos e, por conseguinte, a lentidão da prestação jurisdicional. Nesse período, a população brasileira aumentou em aproximadamente 100 milhões de habitantes. A nova ordem constitucional garantiu o acesso à Justiça e criou novos mecanismos para o controle judicial dos atos da administração pública. Consolidaram-se os direitos chamados de terceira e quarta geração, bem como os microssistemas de tutela dos interesses metaindividuais e de proteção dos indivíduos hipossuficientes. Novos institutos protegeram especialmente o consumidor, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a criança, o adolescente, o idoso, os deficientes físicos, etc.

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Conseqüência inevitável foi o aumento progressivo de demandas judiciais. Porém tal aumento não veio acompanhado do necessário investimento público em infra-estrutura e agentes públicos em número razoável, indispensáveis que são à administração da Justiça.

Sem uma musculatura eficiente, leia-se sem a instalação de novos órgãos proporcionalmente ao aumento de processos, o processo judicial tornou-se extremamente moroso, o que gerou, e ainda gera, insatisfação notória dos cidadãos brasileiros.

Com o objetivo de conferir maior celeridade aos provimentos jurisdicionais, o Poder Constituinte Derivado, por meio da Emenda Constitucional n° 45, de 30 de dezembro de 2004, introduziu um novo preceito fundamental na Magna Carta, fazendo-o pela inserção do inciso LXXVIII, in verbis:

"LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

Dessa forma, foi positivado o princípio da duração razoável do processo, que confere embasamento jurídico para diversas reformas processuais e procedimentais que se seguiram à publicação daquela emenda.

Sobre o tema, comenta Nelson Nery Junior2:

A norma garante aos brasileiros e residentes no Brasil o direito à razoável duração do processo, judicial ou administrativo. Razoável duração do processo é conceito legal indeterminado que deve ser preenchido pelo juiz, no caso concreto, quando a garantia for invocada. Norma de eficácia plena e imediata (CF 5 o, § Io) não necessita de regulamentação para ser aplicada. Cabe ao Poder Executivo dar os meios materiais e logísticos suficientes à administração pública e aos Poderes Legislativo e Judiciário para que se consiga terminar o processo judicial e/ou administrativo em prazo razoável.

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A mesma Emenda Constitucional n° 45/2004 também inseriu em nosso ordenamento a Súmula Vinculante, ao dispor, no art. 103-A, que:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ Io A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2° Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderão ser provocados por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3o Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

A súmula vinculante brasileira inaugura, em todo o mundo, uma nova sistemática que admite a elaboração de normas cogentes, munidas de efeito erga omnes e providas de comando genérico e abstrato, assim como são as leis, porém com uma característica peculiar, a de serem elaboradas e editadas pelo Judiciário.

O objetivo do Poder Constituinte Derivado foi conferir maior agilidade aos julgamentos, na esperança de que a súmula vinculante uniformizará os julgamentos e irá inibir a interposição de recursos, pois uma vez aplicado o entendimento da súmula na sentença de primeiro grau, saberá, de antemão, a parte sucumbente que os Tribunais não poderão reformá-la, sob pena de seu acórdão ser objeto de reclamação perante o Supremo Tribunal Federal.

Entendemos que a súmula vinculante representa mais uma forma de controle de constitucionalidade, à semelhança do que ocorre com as decisões na Ação Direta de Inconstitucionalidade, na Ação Direta de Constitucionalidade e na Argüição dePage 41Descumprimento de Preceito Fundamental3, pois seu comando não pode ser ignorado por nenhum órgão judiciário ou da administração pública, sob pena de ser decretada, em sede de reclamação, a cassação a decisão judicial ou a anulação o ato administrativo4.

Assim, a expectativa do legislador é de que, em razão da regulamentação da súmula vinculante, sua plena aplicação se torne uma realidade hábil a reduzir consideravelmente o número de recursos nos Tribunais e o tempo de vida do processo. Sem ter, obviamente, a pretensão de esgotar o tema, analisaremos, neste breve estudo, alguns requisitos, pressupostos e procedimentos instituídos pelo legislador infraconstitucional através da Lei 11.417, de 20 de dezembro de 2006, e algumas de suas repercussões práticas.

1 Natureza jurídica da súmula vinculante

Ensina-nos Sálvio de Figueiredo Teixeira5 que:

"No plano histórico, a separação do direito inglês do direito romano encontra suas raízes na ocupação da Inglaterra pelos bárbaros.

Destruídos os traços do domínio romano de quatro séculos, consolidou-se com o passar do tempo o sistema implantado, conhecido como common law, calcado no precedente judicial e nos costumes, em contrapartida ao romano, igualmente conhecido como civil law, fundado no direito escrito e codificado.

O common law, também denominado case law, é um corpo de princípios, precedentes e regras que busca sustentação não em regras fixas, mas em princípios voltados para a justiça, a razão e o bom senso determinados pelas necessidades da comunidade e pelas transformações sociais, partindo-se do pressuposto de que taisPage 42princípios devem ser susceptíveis de adaptação às novas condições, interesses, relações e usos impostos requeridos pelo progresso da sociedade."

Ao tratar dos fundamentos da common law, Leslie Scarman6 assevera que esse sistema corresponde a "um direito consuetudinário (costumary law) desenvolvido, modificado e às vezes fundamentalmente reorganizado pelos juízes e tribunais que atuam através dos tribunais".

Para Roberto Rosas, nos países de common law, "a decisão judicial em determinado feito constitui um preceito erga omnes, que se impõe aos demais casos. É o chamado precedente, que tem força de lei. Sistema viável em Estados sem oscilações políticas e sociais".

Sálvio de Figueiredo Teixeira sintetiza que "no common law a regra é a criação do direito pelos tribunais, sob o comando do direito costumeiro, através àojudge-made law ou casemade law, em que tem vigorosa aplicação o chamado bindingprecedent (precedente obrigatório) e efetiva presença o instituto da equity"7.

Entendemos que, muito embora o Direito Brasileiro tenha seguido o sistema romano-germânico, tendo como fonte primária e imediata a lei, adotando-se normas predeterminadas como fonte de obrigação, hodiernamente é possível afirmar que há uma forte tendência de incorporação do sistema da common law ao nosso ordenamento jurídico8. Isso porque a Jurisprudência passou a ter maior relevância, tanto para os atos, haja vista os novos requisitos exigidos à interposição de inúmerosPage 43recursos, no sentido de não contrariarem súmulas e jurisprudência dominante dos Tribunais, quanto para a vinculação erga omnes de determinadas decisões.

Pode-se dizer que, dentre as fontes do direito brasileiro, ^Jurisprudência vem conquistando, a cada dia, maior destaque, tanto no texto constitucional através de emendas que disciplinaram a reforma do Judiciário, quanto nas leis infraconstitucionais, que concretizaram a quarta onda de reforma do Código de Processo Civil.

A origem palavra Jurisprudência deriva do laúmjuris-prudentia, que significa prudência do direito, tomada a expressão prudência como virtude...

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